São Paulo, Quarta-feira, 08 de Setembro de 1999
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GÁS DE COZINHA
Proposta prevê liberdade na distribuição, o que pode fechar pequenas empresas e trazer desemprego
Novo mercado de GLP recebe críticas

LUCIA REGGIANI
da Reportagem Local

Iniciado no país nos anos 30, sobre as cinzas dos zepelins, o negócio de gás de cozinha entra no final dos anos 90 numa reestruturação que ameaça de extinção boa parte das 60 mil pequenas e médias empresas revendedoras e 460 mil postos de trabalho.
O estrago é possível caso seja aprovada a proposta do novo modelo do setor (ver quadro) encomendada pela ANP (Agência Nacional do Petróleo) à consultoria Arthur D. Little, a mesma que elaborou estudo não menos polêmico para a reestruturação do mercado de combustíveis líquidos.
O que tira do jogo as atuais revendas, que fazem a entrega domiciliar dos botijões, é a permissão para que as distribuidoras e qualquer estabelecimento comercial, incluindo postos de gasolina, vendam gás ao consumidor.
"As revendas, 60% delas de pequeno porte, não têm fôlego financeiro para competir com as distribuidoras na venda domiciliar, nem para se tornar distribuidoras", diz Álvaro Chagas, presidente da Fergás (Federação Nacional dos Revendedores de Gás).
Pela proposta da consultoria, as candidatas a distribuidoras de GLP (gás liquefeito de petróleo, nome oficial do gás de cozinha) precisam ter capital inicial mínimo de R$ 1 milhão, "quase o dobro do exigido das distribuidoras de gasolina", ressalta.
Do seleto clube de distribuidoras de GLP (ver quadro), apenas quatro respondem por 82% do abastecimento no país. Duas delas, a Agip Liquigás e a Shell, que atuam também em combustíveis líquidos, pretendem utilizar os postos de serviço de suas bandeiras para vender gás.
A Agip entrou há um ano no ramo da gasolina, com a compra da distribuidora Companhia São Paulo. A Shell passou a operar com GLP há dois anos, ao adquirir a Petrogás, e vai utilizar sua rede de 3.500 postos para vender gás "onde houver legislação que permita", ressalva Peter Bodlay, diretor comercial da Shell Gás.
Leis municipais que proíbem a venda do GLP em postos de gasolina e outros locais e restringem o trânsito de botijões são um dos principais argumentos dos trabalhadores do setor contra a liberalização da venda ao consumidor.
"Deixar que qualquer empresa venda GLP oferece alto risco de vida a centenas de pessoas. Não basta adequação às normas de segurança. É preciso treinar os funcionários, e não há fiscalização suficiente", diz José Martins dos Santos, presidente do sindicato dos trabalhadores do setor na região de Campinas e Paulínia (SP).

Consumidor
Além da parte que lhes toca, revendedores e trabalhadores consideram que o consumidor também sairá perdendo se vingar a criação do sistema depósito. "O consumidor, hoje dono do botijão, passará a ser só um detentor e vai pagar uma caução sobre o que já é seu", diz Chagas.
A proposta da Arthur D. Little prevê botijões novos, com marca estampada, rótulo e lacre, para sistema de depósito. Prevê também ressarcimento ao dono do botijão atual, mas o valor tende a não cobrir o preço do vasilhame novo, hoje em torno de R$ 25.
Para o presidente da Fergás, é absurdo o consumidor perder a propriedade do vasilhame em nome de sua modernização, uma vez que já pagou por isso.
"No preço do gás vem embutido um valor destinado à reforma do botijão. Era de R$ 0,63 em março de 1997 e está hoje em R$ 0,25 por unidade. Nesses 29 meses as distribuidoras embolsaram pelo menos R$ 300 milhões para requalificar o vasilhame, um dinheiro que daria para comprar 12 milhões de botijões novos, um quarto do que é comercializado por mês", calcula Chagas.
Segundo Martins, do sindicato de trabalhadores, há botijões com 30 a 40 anos no mercado que ainda não foram reformados. As distribuidoras têm prazo até 1º de novembro de 2006 para concluir a requalificação 68,8 milhões de botijões fabricados até 1991, de acordo com portaria do Ministério das Minas e Energia de 1996.
A ANP não fez comentários sobre a proposta e as críticas a ela. O Sindigás, que reúne as grandes distribuidoras, decidiu se pronunciar oficialmente sobre o assunto só no dia 14 de outubro, segundo Roberto Macedo, seu superintendente executivo.


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