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OPINIÃO ECONÔMICA
A coragem do Fed
LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS
Uma viagem ao exterior
obrigou-me a uma pausa
nessa interessante experiência
que é ver o PT em seu novo papel
no cenário político do Brasil. Apesar da proximidade virtual que a
internet permite ao viajante, o calor do debate sobre os primeiros
dias do "Lula light" diminui muito, para quem está longe do país.
Pude, então, durante quase uma
semana, mergulhar no clima das
dificuldades atuais do mundo
econômico que nos cercam.
Estados Unidos e Europa vivem,
já há algum tempo, dias difíceis,
com uma recessão econômica que
ameaça transformar-se em algo
mais grave. A terrível palavra deflação pode ser encontrada amiúde, no debate econômico atual. A
colossal perda de capital provocada pelo colapso das principais
Bolsas de Valores do mundo nos
últimos anos criou uma dinâmica
recessiva nos EUA e na Europa,
que ameaça jogar todos nós em
um redemoinho assustador. Esse
quadro agravou-se com a crise de
confiança gerada pelas falcatruas
descobertas em algumas das principais empresas globais dos dias
de hoje. A renúncia forçada do
chefe da SEC, xerife dos mercados
acionários nos EUA, agravou ainda mais essa crise moral que estamos vivendo!
A indicação mais forte de que
vivemos tempos bicudos veio agora do Fed, o banco central norte-americano, que reduziu sua taxa
de juros de intervenção nos mercados monetários para 1,25% ao
ano. Essa decisão corajosa e que
surpreendeu a maioria do mercado, que esperava um corte menor,
mostra que os pessimistas estão
com a razão. O sr. Greenspan, do
alto de seus setenta e tantos anos,
não lideraria esse movimento
quase desesperador se não estivesse assustado com o futuro da
economia de seu país. Até as pedras sabem que o consumo dos
americanos, que representa três
quartos do PIB dos EUA, está sendo mantido à custa de uma bolha
especulativa no mercado da casa
própria e do crédito barato das
hipotecas. Se esse último suspiro
especulativo morrer, a economia
poderá entrar em colapso imediato.
A redução dos juros decidida
nesta última quarta-feira tem como objetivo tentar fazer as empresas americanas retomarem o
processo de investimentos e a ampliação de seus negócios. Com o
dinheiro barato, uma série de
projetos pode sair das gavetas dos
assustados executivos americanos
e dar algum estímulo ao emprego.
Mas todos sabemos, inclusive os
diretores do Fed, que nessa fase
do chamado ciclo econômico a
política monetária tem um efeito
limitado sobre o nível de atividade econômica.
Os EUA terão que usar o outro
remédio clássico para situações
como essa, que é o aumento do
déficit público. Isso já foi feito por
Bush nestes seus primeiros dois
anos de governo, mas com um
efeito muito pequeno sobre a economia. Guiado por uma agenda
ideológica muito forte, o governo
republicano reduziu os impostos
dos mais ricos, deixando a grande
maioria dos americanos de classe
média a ver navios. Com isso, o
impacto sobre o consumo foi muito pequeno, a economia não cresceu e o déficit orçamentário apareceu novamente.
Com a vitória dos republicanos
nas últimas eleições para o Congresso, o caminho para um estímulo fiscal maior está aberto. Espera-se que o presidente americano venha agora com decisões que
privilegiem os aspectos econômicos, em detrimento de seu discurso ideológico. Eu, particularmente, sou cético em relação a essa
conversão tardia do presidente à
racionalidade econômica, mas
vamos ter que esperar os acontecimentos das próximas semanas
para um julgamento mais definitivo.
Enquanto nos Estados Unidos o
Fed dá claros sinais de entender
que sua função não é apenas
combater a inflação como se lutasse contra um dragão do mal,
na Europa o BCE mostra mais
uma vez o seu lado conservador
burro. Na sua reunião desta última quinta-feira, manteve inalterada sua taxa de juros, que é hoje
de 3,25% ao ano. Sua mensagem
foi clara: dane-se o risco de uma
recessão econômica enquanto a
inflação não chegar a 2% ao ano
-está hoje em 2,2% anuais-,
taxa fixada como meta de sua
atuação.
A autoridade monetária da Europa segue sua tradição alemã de
olhar apenas para a inflação em
suas decisões. Só que agora no
contexto de diversas nações que
não têm a mesma visão dos males
da inflação, como os consumidores alemães. Não é por outra razão que já começam as críticas
aos critérios macroeconômicos do
Tratado de Maastrich. Um belo
exemplo do rabo balançando o
cachorro!
Com os juros mais elevados do
que os americanos, o euro, a moeda comum, está se valorizando
em relação ao dólar e dificultando as exportações para os EUA.
Uma força recessiva, que vai reduzir ainda mais o crescimento
no Velho Continente. Essa decisão do BCE vai agravar também
o quadro fiscal na Europa, com a
maioria dos países aproximando-se do limite superior do déficit público fixado pelas regras do mercado comum. Portugal foi o primeiro país a ser advertido e vai
ter de reduzir despesas e aumentar impostos para manter-se no
limite da lei. Alemanha e Itália
estão também em situação semelhante. Com isso, uma nova força
recessiva vai desenvolver-se no espaço comum europeu, agravando
a situação atual. Um belo imbróglio, sem dúvida nenhuma.
Os próximos meses vão nos
mostrar os caminhos da economia mundial em 2003: se o estímulo monetário e fiscal da economia americana será suficiente para reanimar sua economia -e,
pelo efeito arrastão, o resto do
mundo- ou se o próximo ano será ainda de crescimento muito
frágil. Nesse caso, certamente os
países mais ricos do mundo vão
exercer uma pressão muito forte
para que o BCE saia de seu transe
antiinflacionário e resolva agir
em conjunto com o Fed, a fim de
afastar o risco de uma nova deflação mundial.
Para a economia brasileira e o
governo do PT, esse cenário difícil
para 2003 tem uma importância
muito grande. De um lado, coloca
uma restrição muito forte ao crescimento de nossas exportações e
reforça a necessidade de um real
ultradesvalorizado. Por outro,
nos ajuda nas negociações com o
FMI, já que ficou claro que uma
moratória brasileira pode ser um
fator de desestabilização muito
forte do sistema financeiro internacional, nestes tempos bicudos.
Equilibrar-se entre essas dificuldades será mais um dos grandes
desafios de Lula em seu primeiro
ano de governo.
Luiz Carlos Mendonça de Barros, 59,
engenheiro e economista, é sócio e editor do site de economia e política Primeira Leitura. Foi presidente do BNDES e
ministro das Comunicações (governo FHC).
Internet: www.primeiraleitura.com.br
E-mail - lcmb2@terra.com.br
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