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ANÁLISE
Depois dos excessos, mundo vive ajuste
SAMUEL BRITTAN
DO "FINANCIAL TIMES"
Ainda bem que as ações dos
bancos centrais não são
coordenadas. O Federal Reserve
está decidido a estimular a economia e a adotar ações preventivas,
como demonstra o corte de meio
ponto percentual nas taxas de juros norte-americanas. O Banco
Central Europeu se inclina mais à
cautela e à demora. O Banco da
Inglaterra fica entre os dois extremos. A média que se extrai tem
mais chance de produzir um resultado benéfico do que um eventual secretariado global.
A despeito de todo o pessimismo, tanto os EUA como o Reino
Unido retomaram suas tendências históricas de crescimento de
longo prazo, depois da amena recessão americana e da modesta
desaceleração britânica no ano
passado. A diferença é que uma
maioria, provavelmente pequena,
no comitê britânico de política
monetária prevê que esse crescimento continue no ano que vem,
de maneira forte, com base em
um boom imobiliário, acrescido
de todo o estímulo fornecido pelo
ministro das Finanças, Gordon
Brown. Por isso, o banco central
britânico decidiu, corretamente,
não imitar os EUA.
As distorções relacionadas à
confiança dos consumidores e aos
imóveis estão presentes de ambos
os lados do Atlântico; mas o Fed
foi influenciado por indicadores
temporários de fraqueza no quarto trimestre e ainda mais pela baixa confiança entre os consumidores e entre os empresários.
Zona do euro patina
A zona do euro é diferente, uma
vez mais, porque está crescendo
abaixo da sua tendência. Mas o
excesso de cautela do BCE não é
seu problema principal.
Muito tempo é desperdiçado
em tentativas de datar recessões.
Quando a taxa normal de crescimento de economias industrializadas é entre 2,5% e 3% ao ano,
qualquer coisa abaixo indica uma
condição deprimida. O que vem
acontecendo na área do euro, e teme-se que possa acontecer nos
EUA, pode ser definido mais precisamente pelo termo norte-americano "crescimento recessivo".
Não houve nada de catastrófico
no revés sofrido pelos EUA em
2001. No pico de sua expansão,
um ano antes, a utilização da capacidade instalada e o emprego
estavam bem acima dos níveis
normais, e um período de crescimento inferior à tendência era necessário para devolver os EUA ao
caminho do crescimento sustentável. No Reino Unido, em contraste, a desaceleração não foi
acompanhada de alta no desemprego, mas o ganho de produtividade chegou ao seu limite.
Excesso corrigido
Em períodos anteriores de medo quanto a um crescimento lento, os gritos de "deflação" e os pedidos por "dinheiro barato, e em
grande volume" sempre tendiam
a surgir dos economistas radicais
e da esquerda. Como poderiam
ser explicados os pedidos semelhantes que hoje emanam de círculos empresariais e financeiros?
A pista é que a recente desaceleração mundial se assemelha aos
ciclos econômicos anteriores a
1914. Em outras palavras, a queda
se deve, especialmente nos EUA,
ao término de uma expansão insustentável, que deixou em seu
rastro capital excedente.
Não surpreende que a bolha nas
Bolsas tenha estourado. O índice
US Datastream está mais de 40%
abaixo de seu pico em 2000, e o setor de telecomunicações, mídia e
tecnologia está em queda de mais
de 70%. As grandes empresas
norte-americanas evitam novos
investimentos, uma hesitação
agravada pela incerteza quanto ao
Oriente Médio e ao terrorismo.
A reacomodação nas Bolsas de
Valores foi compensada até agora, ao menos nos EUA e no Reino
Unido, pela vigorosa valorização
dos ativos imobiliários. Os dirigentes de bancos centrais se preocupam com desequilíbrios. O
crescimento econômico nos EUA
e no Reino Unido vem sendo conduzido pelo consumo e envolve
déficits em conta corrente em níveis recordes.
Ninguém sabe por quanto tempo e em que termos os mercados
financeiros mundiais continuarão a financiá-los. Mas a maior
preocupação é que as dívidas dos
consumidores deixem de subir,
porque, do contrário, a retomada
na produção estaria ameaçada.
A outra preocupação que surge
em muitas análises dos mercados
financeiros é que os governos e
bancos centrais em breve esgotarão sua munição, caso novos estímulos sejam necessários. As taxas
de juros nominais do Japão são
zero, na prática, e com as taxas de
juros do Fed em 1,25%, não há
muito mais que o banco central
norte-americano possa fazer pelo
crescimento, acredita-se.
Deflação
Um medo que não me conserva
acordado à noite é o da deflação.
Como informa a revisão do Instituto Nacional de Pesquisa Econômica e Social para outubro, a queda de preços não precisa estar associada a um baixo crescimento
real. No Grã-Bretanha, entre 1980
e 1990, a produção cresceu em
média 2,2% ao ano, enquanto os
preços caíam 0,6%. Muito mais
recentemente, em 1998 e 1999, os
preços ao produtor no Reino Unido caíram, mas a produção subiu
normalmente.
O efeito de uma deflação amena
de, digamos, 1% ao ano, é muito
inferior à mudança de uma expectativa inflacionária de 10%, como a que prevalecia alguns anos
atrás, para a atual meta britânica
de 2,5% anuais. O que poderia me
manter acordado seria a perspectiva não de deflação, mas de estagflação, devido a uma explosão nos
preços do petróleo do Oriente
Médio que ao mesmo tempo elevasse os índices mundiais de preços e reduzisse a demanda. Já vimos algo parecido no passado.
Quando ao fim da munição das
autoridades, isso só acontecerá se
elas perderem a imaginação. A
suposição dominante vinha sendo a de que obter uma taxa de inflação baixa, mas positiva, bastaria para estabilizar as economias,
e que isso seria realizado exclusivamente por meio de variações
nas taxas de juros de curto prazo.
Mas, talvez, seja necessário um
novo modelo.
Tradução de Paulo Migliacci
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