São Paulo, sexta-feira, 08 de novembro de 2002

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ANÁLISE

Depois dos excessos, mundo vive ajuste

SAMUEL BRITTAN
DO "FINANCIAL TIMES"

Ainda bem que as ações dos bancos centrais não são coordenadas. O Federal Reserve está decidido a estimular a economia e a adotar ações preventivas, como demonstra o corte de meio ponto percentual nas taxas de juros norte-americanas. O Banco Central Europeu se inclina mais à cautela e à demora. O Banco da Inglaterra fica entre os dois extremos. A média que se extrai tem mais chance de produzir um resultado benéfico do que um eventual secretariado global.
A despeito de todo o pessimismo, tanto os EUA como o Reino Unido retomaram suas tendências históricas de crescimento de longo prazo, depois da amena recessão americana e da modesta desaceleração britânica no ano passado. A diferença é que uma maioria, provavelmente pequena, no comitê britânico de política monetária prevê que esse crescimento continue no ano que vem, de maneira forte, com base em um boom imobiliário, acrescido de todo o estímulo fornecido pelo ministro das Finanças, Gordon Brown. Por isso, o banco central britânico decidiu, corretamente, não imitar os EUA.
As distorções relacionadas à confiança dos consumidores e aos imóveis estão presentes de ambos os lados do Atlântico; mas o Fed foi influenciado por indicadores temporários de fraqueza no quarto trimestre e ainda mais pela baixa confiança entre os consumidores e entre os empresários.

Zona do euro patina
A zona do euro é diferente, uma vez mais, porque está crescendo abaixo da sua tendência. Mas o excesso de cautela do BCE não é seu problema principal.
Muito tempo é desperdiçado em tentativas de datar recessões. Quando a taxa normal de crescimento de economias industrializadas é entre 2,5% e 3% ao ano, qualquer coisa abaixo indica uma condição deprimida. O que vem acontecendo na área do euro, e teme-se que possa acontecer nos EUA, pode ser definido mais precisamente pelo termo norte-americano "crescimento recessivo".
Não houve nada de catastrófico no revés sofrido pelos EUA em 2001. No pico de sua expansão, um ano antes, a utilização da capacidade instalada e o emprego estavam bem acima dos níveis normais, e um período de crescimento inferior à tendência era necessário para devolver os EUA ao caminho do crescimento sustentável. No Reino Unido, em contraste, a desaceleração não foi acompanhada de alta no desemprego, mas o ganho de produtividade chegou ao seu limite.

Excesso corrigido
Em períodos anteriores de medo quanto a um crescimento lento, os gritos de "deflação" e os pedidos por "dinheiro barato, e em grande volume" sempre tendiam a surgir dos economistas radicais e da esquerda. Como poderiam ser explicados os pedidos semelhantes que hoje emanam de círculos empresariais e financeiros?
A pista é que a recente desaceleração mundial se assemelha aos ciclos econômicos anteriores a 1914. Em outras palavras, a queda se deve, especialmente nos EUA, ao término de uma expansão insustentável, que deixou em seu rastro capital excedente.
Não surpreende que a bolha nas Bolsas tenha estourado. O índice US Datastream está mais de 40% abaixo de seu pico em 2000, e o setor de telecomunicações, mídia e tecnologia está em queda de mais de 70%. As grandes empresas norte-americanas evitam novos investimentos, uma hesitação agravada pela incerteza quanto ao Oriente Médio e ao terrorismo.
A reacomodação nas Bolsas de Valores foi compensada até agora, ao menos nos EUA e no Reino Unido, pela vigorosa valorização dos ativos imobiliários. Os dirigentes de bancos centrais se preocupam com desequilíbrios. O crescimento econômico nos EUA e no Reino Unido vem sendo conduzido pelo consumo e envolve déficits em conta corrente em níveis recordes.
Ninguém sabe por quanto tempo e em que termos os mercados financeiros mundiais continuarão a financiá-los. Mas a maior preocupação é que as dívidas dos consumidores deixem de subir, porque, do contrário, a retomada na produção estaria ameaçada.
A outra preocupação que surge em muitas análises dos mercados financeiros é que os governos e bancos centrais em breve esgotarão sua munição, caso novos estímulos sejam necessários. As taxas de juros nominais do Japão são zero, na prática, e com as taxas de juros do Fed em 1,25%, não há muito mais que o banco central norte-americano possa fazer pelo crescimento, acredita-se.

Deflação
Um medo que não me conserva acordado à noite é o da deflação. Como informa a revisão do Instituto Nacional de Pesquisa Econômica e Social para outubro, a queda de preços não precisa estar associada a um baixo crescimento real. No Grã-Bretanha, entre 1980 e 1990, a produção cresceu em média 2,2% ao ano, enquanto os preços caíam 0,6%. Muito mais recentemente, em 1998 e 1999, os preços ao produtor no Reino Unido caíram, mas a produção subiu normalmente.
O efeito de uma deflação amena de, digamos, 1% ao ano, é muito inferior à mudança de uma expectativa inflacionária de 10%, como a que prevalecia alguns anos atrás, para a atual meta britânica de 2,5% anuais. O que poderia me manter acordado seria a perspectiva não de deflação, mas de estagflação, devido a uma explosão nos preços do petróleo do Oriente Médio que ao mesmo tempo elevasse os índices mundiais de preços e reduzisse a demanda. Já vimos algo parecido no passado.
Quando ao fim da munição das autoridades, isso só acontecerá se elas perderem a imaginação. A suposição dominante vinha sendo a de que obter uma taxa de inflação baixa, mas positiva, bastaria para estabilizar as economias, e que isso seria realizado exclusivamente por meio de variações nas taxas de juros de curto prazo. Mas, talvez, seja necessário um novo modelo.


Tradução de Paulo Migliacci

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