São Paulo, sexta-feira, 08 de dezembro de 2000

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OPINIÃO ECONÔMICA


O que esperar da economia em 2001



LUIS CARLOS MENDONÇA DE BARROS


O s olhos dos analistas econômicos já estão voltados para o ano de 2001. E também os dos que acompanham a cena política brasileira. No próximo ano o cenário político será definido conforme a situação da economia e das propostas dos potenciais candidatos à corrida presidencial de 2002. Tenho defendido a tese de que a sociedade brasileira vai escolher seus próximos governantes em razão de seus projetos para alcançar o crescimento econômico sustentado. Isso será possível, pois os anos FHC consolidaram, como valores marcantes de nossa sociedade, a estabilidade de preços, a responsabilidade fiscal e a democracia representativa. Não se discutirão mais essas questões, pois elas serão comuns a todos os candidatos com chance de sucesso. O que esperar da economia brasileira no próximo ano é, portanto, uma informação básica para todos.
Vou tentar refletir um pouco sobre essa questão com os leitores. O primeiro ponto que me parece importante nesse exercício é a construção de um cenário externo, envolvendo os Estados Unidos, a Europa e a Ásia. Para um país como o Brasil, que se abre cada vez mais ao exterior, o futuro desses mercados é fundamental para avaliar o dinamismo de sua economia. Não só pelo lado do comércio exterior, principalmente de nossas exportações, mas também pela dinâmica financeira de nossa relação com os mercados internacionais de capitais. O Brasil tem hoje uma dependência importante em relação aos movimentos de capitais, de empréstimos e de risco, para equilibrar sua balança de pagamentos. Sem esses recursos, podemos entrar em dificuldades financeiras, que afetarão o funcionamento do lado real de nossa economia.
O mundo central, principalmente os Estados Unidos, está encerrando um dos mais longos períodos -ciclos, como gostam de chamar os economistas- de crescimento econômico de nossa história. Esse ciclo não só foi muito longo, mais de dez anos, mas, na sua fase final, caracterizou-se por um crescimento extremamente acelerado. O PIB da maior economia do planeta cresceu a taxas superiores a 5% ao ano por vários anos. Outra marca desse período de bonança econômica e financeira foi a ocorrência de uma intensa mudança tecnológica, que levou a uma verdadeira revolução na forma de produzir e distribuir bens e serviços, principalmente no setor industrial. Com isso, houve aumento da produtividade das economias no mundo desenvolvido, permitindo a queda expressiva dos chamados níveis estruturais de desemprego. Os Estados Unidos, por exemplo, quebraram o tabu de que, abaixo de uma taxa de desemprego de 5%, a inflação apareceria. Ela chegou a 3,9% da população que efetivamente procura trabalho sem que a estabilidade dos preços fosse quebrada. Na França de hoje, em razão da pressão sobre o mercado de trabalho, está em definição um programa do governo socialista para punir os franceses que preferem viver do seguro desemprego em vez de buscar um emprego no setor privado.
Mas esse período róseo chegou ao fim e teremos de enfrentar a desaceleração da atividade em âmbito mundial. Ela está começando nos Estados Unidos, mas vai, ao longo de 2001, atingir os demais países. Discute-se apenas a intensidade dessa desaceleração. Nesse novo cenário, o comércio mundial vai ser menor, e nossas exportações, principalmente as de bens industriais, vão sofrer. Do lado positivo de nossa balança comercial, temos o cenário esperado para o mercado de petróleo. A redução do dinamismo nas economias centrais vai reduzir a pressão sobre os preços desse produto, e o Brasil poderá economizar cerca de US$ 1 bilhão em importações.
Mas o que mais me preocupa é o lado financeiro dessa equação. Já existe uma tensão muito grande nos mercados internacionais de crédito, com o aparecimento de um fosso imenso entre os bons e os maus riscos. Para os primeiros teremos redução dos juros cobrados e aumento da oferta de crédito; para os ativos de pior qualidade, como os papéis brasileiros, aumento expressivo do chamado "spread" de risco, além de disponibilidade muito menor de recursos. É o que se chama de "fuga para a qualidade". Nessa situação, será muito mais caro e mais difícil financiar nosso déficit, estimado para 2001 em algo perto de US$ 26 bilhões. Além da rolagem de dívidas que vencem, da ordem de US$ 35 bilhões.
Mesmo o volume de investimentos diretos, que vêm financiando em grande parte nosso déficit em conta corrente, deve reduzir-se, afetado pelas dificuldades nos mercados internacionais de crédito. Quando uma multinacional faz investimentos no Brasil, para participar de uma privatização, por exemplo, esses recursos vêm de um lançamento de títulos pela matriz ou pela filial brasileira. Com o mercado internacional extremamente nervoso devido ao elevado endividamento das empresas internacionais neste fim de ciclo, qualquer endividamento adicional para comprar ativos em mercados de maior risco, como o Brasil pode detonar uma reação irracional dos investidores. Isso já aconteceu no caso do fracasso recente da privatização da Cesp e deve continuar ao longo do próximo ano. As matrizes das empresas interessadas na aquisição da estatal paulista decidiram ficar fora do leilão com medo de que os mercados de crédito internacionais punissem seus papéis em mãos dos investidores.
Esse cenário externo menos favorável vai provocar o aparecimento de pelo menos quatro fatores negativos sobre o nosso crescimento. O primeiro será uma menor arrecadação, pelo governo federal, de recursos na venda de seus ativos. Neles estão incluídas as licenças de exploração das novas gerações de celulares que irão a leilão em 2001 e que estão no Orçamento federal como recursos correntes. Em segundo lugar, em razão da redução dos ingressos de recursos externos para investimentos, teremos aumento no volume de recursos que terão de ser tomados nos mercados de crédito, pressionando os "spreads" dos papéis brasileiros. Em terceiro lugar, graças à percepção, pelos mercados, de um maior risco financeiro e uma volatilidade maior no mercado de câmbio. Com isso, o apetite das empresas privadas por empréstimos em dólares deve diminuir, aumentando a pressão sobre os recursos em reais.
Finalmente, em razão desse ambiente financeiro mais tenso, deveremos ter uma pressão maior sobre os juros internos. Se o Banco Central não acomodar a oferta de crédito bancário interno, pela redução forte do nível atual do compulsório bancário, poderemos ter uma elevação importante do custo financeiro das empresas e dos consumidores. O principal motor da recuperação de nossa produção industrial tem sido a expansão do crédito ao consumidor, que aumentou mais de 50% neste ano. Maiores juros e maior cautela dos bancos na expansão de seus ativos vão afetar o crescimento de nossa indústria de bens de consumo.
O que não está claro ainda é a intensidade da deterioração do cenário externo. Devemos esperar mais algum tempo para ter um desenho mais claro desse quadro. O único ponto positivo e mais tranquilo para 2001 será o comportamento da inflação, que deve convergir para os 4% buscados pelo Banco Central.


Luiz Carlos Mendonça de Barros, 58, engenheiro e economista, é sócio e editor do site de economia e política Primeira Leitura. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações (governo FHC).
Internet: www.primeiraleitura.com.br
E-mail - lcmb2@terra.com.br



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