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LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS
A bonança mal aproveitada
A alteração estrutural no comércio exterior domina a mudança na balança
de pagamentos brasileira
VENHO, repetidas vezes, chamando a atenção do leitor da
Folha para as alterações pelas quais a economia brasileira vem
passando em razão da incrível mudança nas nossas contas externas.
Uso a expressão "economia aberta
com sobra de dólares" para definir
a situação atual, em contrapartida
a uma "economia aberta com escassez de dólares" que caracterizou
quase todo o governo FHC. Posteriormente elaborei um pouco mais
esse conceito tomando a volatilidade do valor do real como principal
medida dessas duas situações antagônicas.
O leitor pode se perguntar por
que volto a essa questão agora. A
minha motivação é muito simples.
O Banco Central divulgou nesta semana as estatísticas referentes ao
movimento de dólares no país, entradas e saídas, no mês de novembro, e elas são impressionantes.
Nesses 11 meses de 2006 "sobrou"
no mercado de câmbio um total de
US$ 40,7 bilhões, resultado de um
saldo de US$ 49,8 bilhões no mercado comercial (exportações superiores às importações) e de uma
saída líquida de capitais financeiros da ordem de US$ 9 bilhões.
A maior parte dos dólares que sobraram foi parar no caixa do governo no exterior, por meio do acúmulo de reservas externas. Fica claro
porque a presença do Banco Central como comprador de dólares de
última instância tem sido importante para evitar uma indigestão de
dólares na economia brasileira.
Sem ela, a taxa de câmbio seria valorizada ainda mais e nós, brasileiros, seríamos levados a uma UTI
como pacientes terminais da chamada "doença holandesa".
Felizmente nossa autoridade
monetária, embora com atraso, resolveu defender uma taxa de câmbio fixa, como fazem hoje os governos da China e outras nações asiáticas. Ao fazer isso abandonou uma
terapia diferente da de um grupo
de economistas que defende liberdade total no mercado de câmbio,
sem intervenção para defender um
piso para a cotação de nossa moeda. Alguns desses continuam vociferando contra essa política, mas
agora sem exercer influência maior
na ação do BC.
Mas vamos voltar às estatísticas
divulgadas ontem e que me levaram a essas reflexões. Essa sobra de
dólares já existia em 2000, ano em
que começa de forma mais clara a
pressão da demanda chinesa por
commodities sobre os preços desses produtos. Neste ano sobraram
quase US$ 12 bilhões, US$ 6 bilhões via entrada de capitais financeiros e US$ 6 bilhões vindos do
saldo comercial. Entre 2001 e 2003
a sobra de dólares do comércio exterior acelerou-se para mais de
US$ 40 bilhões anuais, mas as saídas financeiras aumentaram muito
em razão dos temores de um governo Lula em sua versão esquerdista.
Com isso, o saldo final naqueles
dois anos foi próximo de zero.
É só a partir do segundo semestre
de 2003, com o novo Lula conservador e a favor dos mercados, que a
fuga de capitais termina e a sobra
de dólares aparece em toda a sua
intensidade. O saldo cambial no
segmento comercial acelerou-se
para US$ 37 bilhões em 2004, US$
52 bilhões em 2005 e, provavelmente, vai chegar a US$ 54 bilhões
em 2006. Para 2007 os economistas da Quest esperam um saldo
próximo a US$ 48 bilhões, o que
nos levará a um total de US$ 150 bilhões em três anos. Esse valor equivale a praticamente toda a dívida
externa do Brasil hoje. É mole?
Uma outra observação importante a ser feita diz respeito à percepção que ainda existe em parte
dos analistas de que são os juros
elevados o principal fator por trás
da valorização do real. Os juros
reais altos exercem certamente influência na entrada de dólares, mas
não na intensidade imaginada pelos defensores dessa tese. Quando
olhamos para a taxa de juros em
termos reais, isto é, acima da inflação, podemos observar que o excesso de dólares se mantém mesmo quando há queda significativa
daquela.
A alteração estrutural no nosso
comércio exterior é dominante
nessa mudança na balança de pagamentos do Brasil, que é duradoura
e talvez permaneça até o fim do segundo mandato do presidente Lula. Cabe agora discutir a melhor alternativa para perenizar esses ganhos e usá-los como indutores de
uma economia de mercado mais
racional e mais eficiente. Outro caminho a ser trilhado, e que me parece ser o que vai sair da confusão
de idéias do governo, é o de continuar transformando esses melhores tempos em benefícios de curto
prazo via aumento do consumo do
governo e de parcela de nossa população.
Em outras palavras, temos a
oportunidade de escolher entre a
racionalidade de prazo mais longo
e a demagogia. Voltarei a esse tema.
LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS, 64, engenheiro e
economista, é economista-chefe da Quest Investimentos.
Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações
(governo FHC).
lcmb2@terra.com.br
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