UOL


São Paulo, quarta-feira, 09 de abril de 2003

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

EUFORIA

Maioria dos recursos foi trazida por bancos em operações de curto prazo; segundo analistas, benefícios são "ilusórios"

Captações não beneficiam economia real

SANDRA BALBI
DA REPORTAGEM LOCAL

As captações de bancos e empresas brasileiras no exterior já totalizam US$ 5,9 bilhões neste ano. Ontem o Bradesco colocou mais US$ 100 milhões em eurobônus, sua quinta colocação no ano. Na segunda-feira o banco Votorantim captou um montante igual.
No entanto, segundo analistas ouvidos pela Folha, o foguetório do mercado e do governo em torno da reabertura do crédito ao país não se justifica. "É um dinheiro ruim, que só engorda o lucro dos bancos e apenas indiretamente beneficia a economia real - mesmo assim sem consistência no longo prazo", diz Paulo Possas, diretor da Eagle Capital.
Quase 64% desses recursos que ingressaram no país foram trazidos por bancos brasileiros, por meio de operações de curto prazo, para aproveitar a diferença entre as taxas de juros pagas lá fora, e as que obtêm aqui aplicando em títulos do governo ou mesmo financiando o capital de giro de empresas locais.
É a chamada "arbitragem de taxas", no jargão do mercado. "O dinheiro está entrando, pois os bancos estão fazendo arbitragem de juros sem nenhum risco: eles captam lá fora e fazem uma operação de hedge [proteção cambial] aqui, operando no curtíssimo prazo", diz o economista e deputado Delfim Neto.
Os bancos afirmam que os recursos captados são usados para alavancar a economia real: "as captações do Bradesco são 100% destinadas à financiar o capital de giro de empresas locais", diz José Guilherme Lembi de Faria, diretor-executivo do banco.
Para quem toma crédito no país, entretanto, a enxurrada de dinheiro novo trazido de fora não oferece grande vantagem. Por ser uma operação atrelada à moeda estrangeira, os recursos destinam-se apenas a grandes empresas, capazes de assumir financiamentos indexados ao dólar.
O custo desses empréstimos também é alto. "A principal vantagem do tomador desse tipo de crédito é poder contar com um prazo maior do que as operações em reais e não pagar o IOF", diz Lembi. O filé mignon da operação fica com os bancos.
Na captação fechada ontem pelo Bradesco, por exemplo, o banco pagará aos investidores dos seus eurobônus uma taxa de 5,375% ao ano. "Ao emprestar esse dinheiro às empresas aqui, a taxa cobrada é a do cupom cambial, acrescida de uma taxa de risco de crédito que varia de 1% a 5% ao ano, dependendo do perfil da empresa", diz Faria.
O cupom cambial é uma projeção do valor da taxa de juros em dólar da BM&F (Bolsa de Mercadorias e Futuros). Ele está hoje em torno de 9% ao ano, para os contratos que vencem neste mês. Assim, no caso do Bradesco, por exemplo, os recursos captados ontem serão emprestados a juros em torno de 10% a 14% ao ano, em dólar.
No entanto, segundo Possas, da Eagle Capital, "até fevereiro os bancos que fizeram captações externas estavam aplicando 100% dos recursos em títulos do governo. Creio que continuaram fazendo isso até 15 dias atrás", diz ele. O ganho, nesse caso é maior, com a Selic batendo nos 26,5% ao ano.

Economia real
Para os analistas, a entrada de dinheiro novo tem efeitos indiretos na economia real. "As captações derrubaram a taxa de câmbio, o que melhora a situação de empresas endividadas em dólar, repercute na inflação que começa a recuar e abre espaço para a queda dos juros", observa Jorge Simino, diretor da UAM (Unibanco Asset Management).
Neste mês, os juros no mercado futuro caíram mais de um ponto percentual na BM&F e, desde janeiro, a queda já supera os dois pontos percentuais.
O problema é que o impacto positivo na economia é ainda muito tênue e frágil. "O dinheiro que entra, não tem a ver com uma melhora da economia. Com a mesma facilidade que vem ele sai, pois se trata de captação em "bonds" que, em muitos casos, nem é internalizada. Os dólares ficam em uma conta do banco fora do país", diz o economista Ricardo Carneiro, professor da Unicamp.
Esse tipo de operação, para Delfim, acaba gerando muita volatilidade no câmbio. "As flutuações atuais são perniciosas para a economia real: elas aumentam o risco do investimento no setor exportador, por exemplo", diz ele.


Texto Anterior: Cem dias: "Virei um hortelão com tantos pepinos", diz presidente do BNDES
Próximo Texto: Entrada de dólares pode virar uma armadilha
Índice


UOL
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.