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EUFORIA
Maioria dos recursos foi trazida por bancos em operações de curto prazo; segundo analistas, benefícios são "ilusórios"
Captações não beneficiam economia real
SANDRA BALBI
DA REPORTAGEM LOCAL
As captações de bancos e empresas brasileiras no exterior já
totalizam US$ 5,9 bilhões neste
ano. Ontem o Bradesco colocou
mais US$ 100 milhões em eurobônus, sua quinta colocação no ano.
Na segunda-feira o banco Votorantim captou um montante
igual.
No entanto, segundo analistas
ouvidos pela Folha, o foguetório
do mercado e do governo em torno da reabertura do crédito ao
país não se justifica. "É um dinheiro ruim, que só engorda o lucro dos bancos e apenas indiretamente beneficia a economia real
- mesmo assim sem consistência no longo prazo", diz Paulo
Possas, diretor da Eagle Capital.
Quase 64% desses recursos que
ingressaram no país foram trazidos por bancos brasileiros, por
meio de operações de curto prazo,
para aproveitar a diferença entre
as taxas de juros pagas lá fora, e as
que obtêm aqui aplicando em títulos do governo ou mesmo financiando o capital de giro de
empresas locais.
É a chamada "arbitragem de taxas", no jargão do mercado. "O
dinheiro está entrando, pois os
bancos estão fazendo arbitragem
de juros sem nenhum risco: eles
captam lá fora e fazem uma operação de hedge [proteção cambial] aqui, operando no curtíssimo prazo", diz o economista e deputado Delfim Neto.
Os bancos afirmam que os recursos captados são usados para
alavancar a economia real: "as
captações do Bradesco são 100%
destinadas à financiar o capital de
giro de empresas locais", diz José
Guilherme Lembi de Faria, diretor-executivo do banco.
Para quem toma crédito no
país, entretanto, a enxurrada de
dinheiro novo trazido de fora não
oferece grande vantagem. Por ser
uma operação atrelada à moeda
estrangeira, os recursos destinam-se apenas a grandes empresas, capazes de assumir financiamentos indexados ao dólar.
O custo desses empréstimos
também é alto. "A principal vantagem do tomador desse tipo de
crédito é poder contar com um
prazo maior do que as operações
em reais e não pagar o IOF", diz
Lembi. O filé mignon da operação
fica com os bancos.
Na captação fechada ontem pelo Bradesco, por exemplo, o banco pagará aos investidores dos
seus eurobônus uma taxa de
5,375% ao ano. "Ao emprestar esse dinheiro às empresas aqui, a taxa cobrada é a do cupom cambial,
acrescida de uma taxa de risco de
crédito que varia de 1% a 5% ao
ano, dependendo do perfil da empresa", diz Faria.
O cupom cambial é uma projeção do valor da taxa de juros em
dólar da BM&F (Bolsa de Mercadorias e Futuros). Ele está hoje em
torno de 9% ao ano, para os contratos que vencem neste mês. Assim, no caso do Bradesco, por
exemplo, os recursos captados
ontem serão emprestados a juros
em torno de 10% a 14% ao ano,
em dólar.
No entanto, segundo Possas, da
Eagle Capital, "até fevereiro os
bancos que fizeram captações externas estavam aplicando 100%
dos recursos em títulos do governo. Creio que continuaram fazendo isso até 15 dias atrás", diz ele. O
ganho, nesse caso é maior, com a
Selic batendo nos 26,5% ao ano.
Economia real
Para os analistas, a entrada de
dinheiro novo tem efeitos indiretos na economia real. "As captações derrubaram a taxa de câmbio, o que melhora a situação de
empresas endividadas em dólar,
repercute na inflação que começa
a recuar e abre espaço para a queda dos juros", observa Jorge Simino, diretor da UAM (Unibanco
Asset Management).
Neste mês, os juros no mercado
futuro caíram mais de um ponto
percentual na BM&F e, desde janeiro, a queda já supera os dois
pontos percentuais.
O problema é que o impacto positivo na economia é ainda muito
tênue e frágil. "O dinheiro que entra, não tem a ver com uma melhora da economia. Com a mesma
facilidade que vem ele sai, pois se
trata de captação em "bonds" que,
em muitos casos, nem é internalizada. Os dólares ficam em uma
conta do banco fora do país", diz
o economista Ricardo Carneiro,
professor da Unicamp.
Esse tipo de operação, para Delfim, acaba gerando muita volatilidade no câmbio. "As flutuações
atuais são perniciosas para a economia real: elas aumentam o risco
do investimento no setor exportador, por exemplo", diz ele.
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