|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
EUA perdem flexibilidade para negociar Rodada Doha
Termina prazo para Congresso ser informado de acordos sob a égide da "via rápida"
Com a TPA, Legislativo dos EUA autoriza presidente a fechar acordos que, depois,
os congressistas só podem aprovar ou rejeitar em bloco
CLÓVIS ROSSI
COLUNISTA DA FOLHA
O governo norte-americano
não pode mais negociar a Rodada Doha sob a proteção da TPA
(Trade Promotion Authority),
o mecanismo pelo qual o Congresso autoriza o presidente a
fechar acordos comerciais que,
depois, os congressistas só podem aprovar ou rejeitar em
bloco, sem emendar nada.
A TPA vence só em 30 de junho, mas, 90 dias antes (ou seja,
no domingo passado), acabou o
prazo dado pelo próprio mecanismo para que o Executivo notificasse o Congresso sobre
quais acordos pretende fechar
sob a égide da autorização.
O único acordo notificado foi
com a Coréia do Sul, para a criação de uma zona de livre comércio. Ficou de fora a Rodada
Doha, a mais abrangente tentativa de liberalização comercial,
lançada há seis anos, no Qatar.
Parece uma tecnicalidade,
mas é vital para o sucesso da
negociação. Todos os grandes
parceiros dos EUA nas negociações de Doha, Brasil inclusive,
dizem que, sem a TPA, é arriscado fechar qualquer acordo.
Poderia ocorrer o seguinte,
como exemplo: os EUA põem
no acordo que vão reduzir ou
até zerar a tarifa extra que cobram para a entrada do etanol
brasileiro, em troca, digamos,
de concessões brasileiras em
bens industriais ou serviços.
Como o eventual acordo de
Doha não está mais coberto pela obrigação de aprovação ou
rejeição em bloco, pode ocorrer
que um congressista vete a liberação do etanol brasileiro. Derruba a vantagem para o Brasil,
mas mantém a vantagem que o
Brasil concedeu, como contrapartida, aos norte-americanos.
Péssima barganha, portanto.
O fim do prazo para notificações passou quase sem ser notado, a ponto de surpreender
até diplomatas brasileiros bem
informados. Caso do porta-voz
do Itamaraty, o embaixador Ricardo Neiva Tavares, que, consultado pela Folha, duvidou
que houvesse o prazo.
Duvidou com razões: Neiva
Tavares participou de discussões entre autoridades brasileiras e americanas sobre Doha
nos últimos dias, inclusive durante a visita do presidente Lula aos EUA, no fim de março.
Em nenhum momento, os
norte-americanos mencionaram o prazo de 1º de abril para
notificar o Congresso.
Mas ele existe, sim, conforme a Folha confirmou com
Sean Spicer, o porta-voz do
USTr, espécie de ministério do
Comércio Exterior dos EUA.
Quer dizer, então, que a Rodada Doha, que já cambaleava
desde o seu lançamento, em
2001, acaba de receber um tiro
na linha de flutuação? Não necessariamente, a julgar pelo
que diz Spicer.
Ele lembra que o Executivo
já pediu ao Congresso prorrogação da TPA. Seria, em tese,
uma forma de driblar o prazo
de notificação já vencido e o de
30 de junho, quando se encerra
o próprio mecanismo.
Mas a ONG Global Trade
Watch, que combate ferozmente certo tipo de liberalização comercial, diz, em nota oficial, que não há hipótese de nova prorrogação, pois a TPA só
prevê um adiamento, que já foi
concedido, em 2005.
Entra-se aí no território da
interpretação, que acabará
sendo feita pelo Congresso, hoje de maioria democrata e com
visível apetite para criar dificuldades para Bush em todos
os itens de sua agenda, liberalização comercial incluída.
G4
É por isso que os principais
parceiros da negociação entraram em um ritmo frenético, depois da letargia dos últimos nove meses. Nesta semana, haverá a primeira reunião do G4
desde que foi anunciada, em janeiro, em Davos, a retomada
dos entendimentos, que estavam hibernando desde julho.
O G4 é formado por EUA,
União Européia, Brasil e Índia.
Um acordo entre eles certamente destravaria a rodada,
embora ainda precise passar
pelos demais 146 participantes
das negociações.
A pressa se deve à necessidade de mostrar ao Congresso dos
EUA que há um pacote palatável à mão, a fim de convencê-lo
a conceder a prorrogação da
TPA.
É possível haver um acordo
básico? "Os negociadores podem borrifar a nuvem, mas não
garantir que vai chover", responde um dos maiores especialistas brasileiros em negociações na área agrícola, pedindo
reserva do nome.
O histórico de Doha recomenda a prudência: os negociadores levam seis anos borrifando as nuvens, mas ainda não
choveu.
Texto Anterior: Luiz Carlos Bresser-Pereira: Desindustrialização e doença holandesa Próximo Texto: Guerra fiscal barra freio no PIB da China Índice
|