São Paulo, segunda-feira, 09 de abril de 2007

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EUA perdem flexibilidade para negociar Rodada Doha

Termina prazo para Congresso ser informado de acordos sob a égide da "via rápida"

Com a TPA, Legislativo dos EUA autoriza presidente a fechar acordos que, depois, os congressistas só podem aprovar ou rejeitar em bloco


CLÓVIS ROSSI
COLUNISTA DA FOLHA

O governo norte-americano não pode mais negociar a Rodada Doha sob a proteção da TPA (Trade Promotion Authority), o mecanismo pelo qual o Congresso autoriza o presidente a fechar acordos comerciais que, depois, os congressistas só podem aprovar ou rejeitar em bloco, sem emendar nada.
A TPA vence só em 30 de junho, mas, 90 dias antes (ou seja, no domingo passado), acabou o prazo dado pelo próprio mecanismo para que o Executivo notificasse o Congresso sobre quais acordos pretende fechar sob a égide da autorização.
O único acordo notificado foi com a Coréia do Sul, para a criação de uma zona de livre comércio. Ficou de fora a Rodada Doha, a mais abrangente tentativa de liberalização comercial, lançada há seis anos, no Qatar.
Parece uma tecnicalidade, mas é vital para o sucesso da negociação. Todos os grandes parceiros dos EUA nas negociações de Doha, Brasil inclusive, dizem que, sem a TPA, é arriscado fechar qualquer acordo.
Poderia ocorrer o seguinte, como exemplo: os EUA põem no acordo que vão reduzir ou até zerar a tarifa extra que cobram para a entrada do etanol brasileiro, em troca, digamos, de concessões brasileiras em bens industriais ou serviços.
Como o eventual acordo de Doha não está mais coberto pela obrigação de aprovação ou rejeição em bloco, pode ocorrer que um congressista vete a liberação do etanol brasileiro. Derruba a vantagem para o Brasil, mas mantém a vantagem que o Brasil concedeu, como contrapartida, aos norte-americanos.
Péssima barganha, portanto.
O fim do prazo para notificações passou quase sem ser notado, a ponto de surpreender até diplomatas brasileiros bem informados. Caso do porta-voz do Itamaraty, o embaixador Ricardo Neiva Tavares, que, consultado pela Folha, duvidou que houvesse o prazo.
Duvidou com razões: Neiva Tavares participou de discussões entre autoridades brasileiras e americanas sobre Doha nos últimos dias, inclusive durante a visita do presidente Lula aos EUA, no fim de março.
Em nenhum momento, os norte-americanos mencionaram o prazo de 1º de abril para notificar o Congresso.
Mas ele existe, sim, conforme a Folha confirmou com Sean Spicer, o porta-voz do USTr, espécie de ministério do Comércio Exterior dos EUA.
Quer dizer, então, que a Rodada Doha, que já cambaleava desde o seu lançamento, em 2001, acaba de receber um tiro na linha de flutuação? Não necessariamente, a julgar pelo que diz Spicer.
Ele lembra que o Executivo já pediu ao Congresso prorrogação da TPA. Seria, em tese, uma forma de driblar o prazo de notificação já vencido e o de 30 de junho, quando se encerra o próprio mecanismo.
Mas a ONG Global Trade Watch, que combate ferozmente certo tipo de liberalização comercial, diz, em nota oficial, que não há hipótese de nova prorrogação, pois a TPA só prevê um adiamento, que já foi concedido, em 2005.
Entra-se aí no território da interpretação, que acabará sendo feita pelo Congresso, hoje de maioria democrata e com visível apetite para criar dificuldades para Bush em todos os itens de sua agenda, liberalização comercial incluída.

G4
É por isso que os principais parceiros da negociação entraram em um ritmo frenético, depois da letargia dos últimos nove meses. Nesta semana, haverá a primeira reunião do G4 desde que foi anunciada, em janeiro, em Davos, a retomada dos entendimentos, que estavam hibernando desde julho.
O G4 é formado por EUA, União Européia, Brasil e Índia. Um acordo entre eles certamente destravaria a rodada, embora ainda precise passar pelos demais 146 participantes das negociações.
A pressa se deve à necessidade de mostrar ao Congresso dos EUA que há um pacote palatável à mão, a fim de convencê-lo a conceder a prorrogação da TPA.
É possível haver um acordo básico? "Os negociadores podem borrifar a nuvem, mas não garantir que vai chover", responde um dos maiores especialistas brasileiros em negociações na área agrícola, pedindo reserva do nome.
O histórico de Doha recomenda a prudência: os negociadores levam seis anos borrifando as nuvens, mas ainda não choveu.


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