São Paulo, segunda, 9 de junho de 1997.



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CRIAÇÃO & CONSUMO
Apenas um profissional de negócios

AFFONSO SERRA JR.
Tempos atrás, disse uma frase que acabou criando polêmica entre os meus pares. Daquelas dignas de campanha em julgamento no Conar. "Quem atende cliente é a telefonista."
Alguns a criticaram veementemente, outros tantos me apoiaram em gênero, número e grau. Acredito piamente, porém, que o número de críticos deve ter diminuído consideravelmente.
Afinal, no Brasil de hoje, desculpe-me os que ainda chamam assim aos profissionais desta área das agências de publicidade, quem atende cliente é telefonista. E quem carrega envelopes da agência para a sede de clientes são os mensageiros. E com a comparação, não há qualquer intenção de desmerecer, obviamente, o digno trabalho de telefonistas e mensageiros. Mas apenas uma intenção de buscar a denominação correta para uma categoria profissional.
O coração das agências é feito da mistura de homens e mulheres de criação com homens e mulheres de negócio. Planejadores. Estrategistas. Profissionais pró-ativos, que se antecipam às necessidades dos clientes. E que fazem muito mais do que levar layouts ao cliente.
Ou pelo menos é o que deveríamos ter na área que muitos até hoje conhecem como atendimento, em um país de economia estável, competição crescente, busca contínua e cada vez mais difícil de diferenciais, e necessidade premente de construção e fortalecimento de marcas.
A qualificação desses profissionais não mais é apenas pivô de discussão meramente teórica entre muitos líderes do setor (publicitários e anunciantes). Hoje, esta falha é séria candidata a calcanhar-de-aquiles de uma agência, o pior ponto nevrálgico de sua relação com os clientes. É o que mostram pesquisas feitas anualmente sobre o relacionamento agência-cliente. Nelas, nota-se que esta continua a ser uma das áreas vulneráveis -ou adjetivadas abertamente como fracas- na avaliação dos clientes.
Preocupadas com isto, algumas agências vêm investindo maciçamente no treinamento de seus profissionais. Inclusive com imersões -literais- periódicas no negócio do cliente. Por imersão, entenda-se entrar numa rota de caminhão, conhecer a distribuição, a política de preço, enfim, todo o negócio de uma empresa. O atendimento do "eu acho" ou "eu acredito" está liquidado. Ou se é um executivo tecnicamente preparado, sabendo o que -e porque- falar com os clientes, ou se está fora do negócio.
Propaganda é um negócio caríssimo. Muito caro para ser intuitivo e mais caro ainda quando não dá resultado. Nestas horas, infelizmente o que deveria ser investimento em propaganda se transforma em gasto em propaganda. Desperdício. Marketing é um composto de ações e não apenas colocar no ar um comercial imbuído da esperança de ser a chave do sucesso. Se a distribuição não estiver correta, se o preço estiver equivocado, se a embalagem for contra a evolução dos hábitos do consumidor, o comercial significará, tão somente, milhares de reais jogados fora.
Pior ainda, um comercial pode gerar interesse por um produto com problemas graves de posicionamento mercadológico. Aí, então, acabou-se: no impacto contra a demanda crescente, o produto está liquidado. E vai custar muito reposiconá-lo depois.
Por isso, homens de negócios, executivos de conta, seja lá como venha a se chamar estes profissionais -nossa realidade impõe a aposentadoria compulsória do termo "atendimento"-, têm de ter conhecimentos para questionar o preço de um produto, a distribuição, a embalagem.
Como é que um "homem que atende" pode defender uma ousada idéia criativa, desconhecendo as necessidades de marketing da marca, estando desatualizado sobre as principais tendências de criação, ignorando as ferramentas tecnológicas e, sobretudo, sem ser alguém "antenado" estética e culturalmente com o mercado consumidor? Só pode fazê-lo alguém que rejeita o limitado, arcaico e improdutivo papel de carregador de layouts. No que me toca, só duas pessoas atendem os clientes: Ana e Zelita, as telefonistas da DM9.


Affonso Serra Jr., 37, sócio-diretor geral de operações da DM9 Publicidade.



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