|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Prazo influencia mais que juro no crédito
Estudo com dados do BC mostra que, para o tomador de empréstimo, ter mais tempo para pagar vem antes que análise do juro
Segundo levantamento do Ibmec-SP, explicação é que prazo mais dilatado permite redução do valor da parcela, tornando o crédito acessível
TONI SCIARRETTA
DA REPORTAGEM LOCAL
O consumidor pouco olha a
taxa de juros na hora de tomar
um empréstimo no banco. Estudo do Ibmec-SP sobre o uso
racional do crédito mostra que
a variável que mais estimulou o
aumento dos financiamentos
nos últimos anos foi a extensão
dos prazos de financiamento.
Não porque o consumidor
procura alongar, a perder de
vista, o pagamento de suas dívidas, mas pelo fato de que os
prazos maiores permitiram a
redução do valor das prestações, colocando as parcelas no
orçamento restrito de uma parte da população que não tinha
acesso ao crédito. Ou seja, o
prazo maior fez pela expansão
do crédito o que, de outra forma, só um aumento substancial
na renda poderia ter feito.
Autor do estudo, o economista Domingos Pandeló afirma
que a decisão de fazer um empréstimo no banco com juros
proibitivos tem mais a ver com
necessidades pontuais de caixa
e com a comodidade do que
com taxas e prazos. Quanto
mais fácil a adesão ao financiamento -como o cheque especial, o cartão de crédito e os limites pré-aprovados-, mais irracional o consumidor se mostra do ponto de vista econômico, que avalia a relação custo/
benefício, afirma Pandeló.
"O banco conhece o comportamento do cliente e tem o crédito pré-aprovado para isso. As
operações de longo prazo, que
têm maior valor, costumam ser
mais racionais porque não envolvem uma decisão impulsiva.
Ninguém compra um imóvel
por impulso. Tem de negociar o
financiamento. O carro talvez
não se enquadre nisso, apesar
do valor maior. É bem comprado para mostrar a ascensão social -não é racional", disse.
Para quem pensa que as empresas têm um comportamento mais racional na tomada de
crédito, o estudo revela que, em
caso de necessidade, tanto pessoas jurídicas quanto consumidores pessoa física aceitam
qualquer taxa para honrar seus
compromissos. Para as empresas, a irracionalidade no crédito acontece nas operações de
curto prazo, como o desconto
de duplicatas, o capital de giro e
a conta garantida.
Termômetro
Para chegar a essas conclusões, Pandeló pesquisou as séries temporais de volume de
crédito do Banco Central desde
novembro de 1996. A partir daí,
chegou a uma relação de elasticidade para ver o quanto uma
variável, como o aumento de
juros ou a extensão do prazo,
impacta a demanda por crédito.
No caso dos juros, Pandeló
observou que o volume de crédito varia segundo uma correlação que vai de -1 a 1. Quando
mais próximo de -1, maior o
grau de racionalidade, pois significaria que o crédito encolhe
proporcionalmente à medida
que os juros sobem. Já a correlação 1 indica o oposto, um
comportamento irracional em
que o volume de empréstimos
cresce com a alta do juro.
Isso acontece, por exemplo,
com o cheque especial, que tem
elasticidade de 0,09. "É uma
aberração. Significa que, se aumenta a taxa do cheque especial, a demanda cresce um pouquinho. O sujeito está tão endividado que, mesmo aumentando a taxa, precisa tomar mais
porque não consegue cobrir
aquela dívida", disse Pandeló.
No segmento de pessoa física, o comportamento mais racional foi observado no crédito
pessoal, modalidade cuja demanda é mais afetada pelo juro
maior. A modalidade, que inclui o crédito consignado, envolve a negociação direta do
cliente com o gerente do banco.
De 1996 até janeiro de 2004,
a elasticidade do crédito pessoal era de -0,52, uma das mais
racionais vista no estudo. Com
a entrada em vigor do consignado, em 2004, essa relação vai
para -0,31, indicando uma racionalidade menor.
Juros x prazo
No caso do financiamento de
veículos, até o início de 2004, a
elasticidade do crédito estava
em -0,68, seguindo um padrão
de alta racionalidade. Depois
de 2004, quando os prazos começaram a se dilatar, a correlação continuou negativa, mas
em apenas 0,13. Ou seja, com
prazos maiores, eventuais aumentos dos juros passaram a
ser menos importantes na hora
de financiar um carro.
"A explicação para a queda da
racionalidade no financiamento de veículos foi o aumento de
prazo. Você começou a incorporar nesse universo pessoas
que ficavam fora desse mercado. Hoje, você compra carro
novo com prestação entre R$
200 e R$ 300. São pessoas que
não vão tanto pela taxa, e, sim,
pelo valor da prestação", disse.
O mesmo exercício de elasticidade cabe em razão do aumento de prazo de financiamento. No caso, a correlação
também varia de -1 a 1, porém
em sinal invertido: 1 indica o
grau maior de racionalidade,
com a extensão de prazo levando ao aumento do crédito; e -1, a
situação inversa.
Para o financiamento de veículos, o aumento de prazo implica numa elasticidade de 0,28
do crédito, daí a explosão no financiamento de veículos, cuja
carteira saltou de R$ 31,7 bilhões, no fim de 2003, para R$
110,7 bilhões no fim do ano passado -aumento de 250%.
Dos segmentos de financiamento, o cartão de crédito é o
mais sensível ao aumento dos
prazos, com variação de 0,52.
"O parcelamento das compras
em até 12 vezes sem juros é o
que mais estimula o consumidor a comprar. As prestações ficam baixas, quase insignificantes. Só que uma [parcela] se soma a outra. E, quanto maior o
prazo, maior o risco de alguma
coisa dar errada", disse.
Texto Anterior: Mercado Aberto Próximo Texto: Analista comprou carro usado em 60 prestações e não sabe valor dos juros Índice
|