São Paulo, segunda-feira, 09 de junho de 2008

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Prazo influencia mais que juro no crédito

Estudo com dados do BC mostra que, para o tomador de empréstimo, ter mais tempo para pagar vem antes que análise do juro

Segundo levantamento do Ibmec-SP, explicação é que prazo mais dilatado permite redução do valor da parcela, tornando o crédito acessível

TONI SCIARRETTA
DA REPORTAGEM LOCAL

O consumidor pouco olha a taxa de juros na hora de tomar um empréstimo no banco. Estudo do Ibmec-SP sobre o uso racional do crédito mostra que a variável que mais estimulou o aumento dos financiamentos nos últimos anos foi a extensão dos prazos de financiamento.
Não porque o consumidor procura alongar, a perder de vista, o pagamento de suas dívidas, mas pelo fato de que os prazos maiores permitiram a redução do valor das prestações, colocando as parcelas no orçamento restrito de uma parte da população que não tinha acesso ao crédito. Ou seja, o prazo maior fez pela expansão do crédito o que, de outra forma, só um aumento substancial na renda poderia ter feito.
Autor do estudo, o economista Domingos Pandeló afirma que a decisão de fazer um empréstimo no banco com juros proibitivos tem mais a ver com necessidades pontuais de caixa e com a comodidade do que com taxas e prazos. Quanto mais fácil a adesão ao financiamento -como o cheque especial, o cartão de crédito e os limites pré-aprovados-, mais irracional o consumidor se mostra do ponto de vista econômico, que avalia a relação custo/ benefício, afirma Pandeló.
"O banco conhece o comportamento do cliente e tem o crédito pré-aprovado para isso. As operações de longo prazo, que têm maior valor, costumam ser mais racionais porque não envolvem uma decisão impulsiva. Ninguém compra um imóvel por impulso. Tem de negociar o financiamento. O carro talvez não se enquadre nisso, apesar do valor maior. É bem comprado para mostrar a ascensão social -não é racional", disse.
Para quem pensa que as empresas têm um comportamento mais racional na tomada de crédito, o estudo revela que, em caso de necessidade, tanto pessoas jurídicas quanto consumidores pessoa física aceitam qualquer taxa para honrar seus compromissos. Para as empresas, a irracionalidade no crédito acontece nas operações de curto prazo, como o desconto de duplicatas, o capital de giro e a conta garantida.

Termômetro
Para chegar a essas conclusões, Pandeló pesquisou as séries temporais de volume de crédito do Banco Central desde novembro de 1996. A partir daí, chegou a uma relação de elasticidade para ver o quanto uma variável, como o aumento de juros ou a extensão do prazo, impacta a demanda por crédito.
No caso dos juros, Pandeló observou que o volume de crédito varia segundo uma correlação que vai de -1 a 1. Quando mais próximo de -1, maior o grau de racionalidade, pois significaria que o crédito encolhe proporcionalmente à medida que os juros sobem. Já a correlação 1 indica o oposto, um comportamento irracional em que o volume de empréstimos cresce com a alta do juro.
Isso acontece, por exemplo, com o cheque especial, que tem elasticidade de 0,09. "É uma aberração. Significa que, se aumenta a taxa do cheque especial, a demanda cresce um pouquinho. O sujeito está tão endividado que, mesmo aumentando a taxa, precisa tomar mais porque não consegue cobrir aquela dívida", disse Pandeló.
No segmento de pessoa física, o comportamento mais racional foi observado no crédito pessoal, modalidade cuja demanda é mais afetada pelo juro maior. A modalidade, que inclui o crédito consignado, envolve a negociação direta do cliente com o gerente do banco.
De 1996 até janeiro de 2004, a elasticidade do crédito pessoal era de -0,52, uma das mais racionais vista no estudo. Com a entrada em vigor do consignado, em 2004, essa relação vai para -0,31, indicando uma racionalidade menor.

Juros x prazo
No caso do financiamento de veículos, até o início de 2004, a elasticidade do crédito estava em -0,68, seguindo um padrão de alta racionalidade. Depois de 2004, quando os prazos começaram a se dilatar, a correlação continuou negativa, mas em apenas 0,13. Ou seja, com prazos maiores, eventuais aumentos dos juros passaram a ser menos importantes na hora de financiar um carro.
"A explicação para a queda da racionalidade no financiamento de veículos foi o aumento de prazo. Você começou a incorporar nesse universo pessoas que ficavam fora desse mercado. Hoje, você compra carro novo com prestação entre R$ 200 e R$ 300. São pessoas que não vão tanto pela taxa, e, sim, pelo valor da prestação", disse.
O mesmo exercício de elasticidade cabe em razão do aumento de prazo de financiamento. No caso, a correlação também varia de -1 a 1, porém em sinal invertido: 1 indica o grau maior de racionalidade, com a extensão de prazo levando ao aumento do crédito; e -1, a situação inversa.
Para o financiamento de veículos, o aumento de prazo implica numa elasticidade de 0,28 do crédito, daí a explosão no financiamento de veículos, cuja carteira saltou de R$ 31,7 bilhões, no fim de 2003, para R$ 110,7 bilhões no fim do ano passado -aumento de 250%.
Dos segmentos de financiamento, o cartão de crédito é o mais sensível ao aumento dos prazos, com variação de 0,52. "O parcelamento das compras em até 12 vezes sem juros é o que mais estimula o consumidor a comprar. As prestações ficam baixas, quase insignificantes. Só que uma [parcela] se soma a outra. E, quanto maior o prazo, maior o risco de alguma coisa dar errada", disse.


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