São Paulo, quarta-feira, 09 de agosto de 2000


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OPINIÃO ECONÔMICA

Além da fabricação

ANTONIO BARROS DE CASTRO

Os puristas da economia defendem a idéia de que cabe às forças do mercado -e exclusivamente a elas- decidir sobre a assignação (ou alocação) dos recursos. E isso se aplicaria, inclusive, às decisões das multinacionais acerca de onde instalar suas fábricas. Mais precisamente, a decisão de exportar para um país ou nele produzir deveria permanecer, inteiramente, em mãos das empresas, não devendo ser objeto de políticas de qualquer espécie.
O mais óbvio equívoco desse tipo de postura consiste em supor que as decisões econômicas -e muito particularmente as decisões de investimento- se fazem num vácuo sociopolítico. Na realidade, porém, as escolhas econômicas estão sujeitas a pressões de atores cujos interesses não coincidem, especialmente no curto prazo, com os interesses das empresas. Entre eles se destacam os sindicatos, a administração e os próprios políticos (preocupados com as eleições e, digamos, com o desemprego). Aliás, a lista dos integrantes desse conjunto de forças extramercado não pára por aí. Assim, por exemplo, haveria que ter em conta as regiões ou localidades ameaçadas pelo possível fechamento de fábricas. Recentemente, a forte reação ao fechamento de uma fábrica da Renault, na Bélgica, deixou isso bastante claro.
Um outro equívoco consiste em ignorar a importante questão do "timing". Enquanto (supostamente) amadurecem as decisões de investimento nos centros produtores, pode naufragar o balanço de pagamentos e a própria moeda de países candidatos a receber os investimentos. Ilustrando: o número de veículos importados pelo Brasil saltou de 20 mil em 1992 para 190 mil em 1994 e teria ultrapassado meio milhão em 1995 não fosse o freio colocado pela nova política de proteção do mercado e atração de investimentos. Enquanto isso, do lado de lá, os membros do pacto político (implícito) acima aludido agiam no sentido de preservar as atividades locais e esse esforço só perderia força, presumivelmente, ao ser eliminada a capacidade ociosa existente das plantas presentemente em operação.
Por analogia com o que acaba de ser dito, focalizemos agora a questão das funções corporativas superiores das empresas que estão ingressando (ou meramente reforçando as suas posições) neste país. O planejamento, o marketing, as atividades de pesquisa e o design -as referidas funções nobres- tendem a permanecer concentradas nas matrizes. Seria, no entanto, obviamente interessante que uma parte significativa dessas funções fosse também atraída para o país. E isso não apenas pelos altos salários nelas pagos, como pela difusão de conhecimento inerente a esse conjunto de atividades. A rigor, enquanto a construção de fábricas requer a formação maciça de capital físico, as funções superiores requerem, essencialmente, a formação de competências locais.
Em suma, uma enxurrada de investimentos tem chegado ao país. Será que vamos esperar para que a mão invisível do mercado transfira parte das funções superiores para cá? Ou há espaço para negociar a aceleração da sua vinda, possivelmente com benefícios para as próprias empresas?
Não estou falando de questões abstratas ou de possibilidades remotas. A Índia tem praticado políticas agressivas de atração de serviços de toda natureza, conectados às multinacionais. No Brasil, o governo do Rio Grande do Sul está comemorando o êxito alcançado na atração de um centro avançado de pesquisas (Ceitec) da Motorola. Ou sendo ainda mais concreto: a razão pela qual o automóvel não se transformou em commodity é que ele foi convertido em campo de provas para a experimentação de novos materiais (aços especiais, plásticos engenheirados, informática, produtos inteligentes), bem como um espaço destacado para o design. Diante da incessante criação de novas soluções nesses campos, a mera fabricação é cada dia menos importante.


Antonio Barros de Castro, 58, professor titular da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) e ex-presidente do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), escreve às quartas-feiras, a cada 15 dias, nesta coluna.

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