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OPINIÃO ECONÔMICA
Além da fabricação
ANTONIO BARROS DE CASTRO
Os puristas da economia
defendem a idéia de que cabe às forças do mercado -e exclusivamente a elas- decidir sobre a assignação (ou alocação)
dos recursos. E isso se aplicaria,
inclusive, às decisões das multinacionais acerca de onde instalar
suas fábricas. Mais precisamente,
a decisão de exportar para um
país ou nele produzir deveria permanecer, inteiramente, em mãos
das empresas, não devendo ser
objeto de políticas de qualquer espécie.
O mais óbvio equívoco desse tipo de postura consiste em supor
que as decisões econômicas -e
muito particularmente as decisões de investimento- se fazem
num vácuo sociopolítico. Na realidade, porém, as escolhas econômicas estão sujeitas a pressões de
atores cujos interesses não coincidem, especialmente no curto prazo, com os interesses das empresas. Entre eles se destacam os sindicatos, a administração e os próprios políticos (preocupados com
as eleições e, digamos, com o desemprego). Aliás, a lista dos integrantes desse conjunto de forças
extramercado não pára por aí.
Assim, por exemplo, haveria que
ter em conta as regiões ou localidades ameaçadas pelo possível fechamento de fábricas. Recentemente, a forte reação ao fechamento de uma fábrica da Renault, na Bélgica, deixou isso bastante claro.
Um outro equívoco consiste em
ignorar a importante questão do
"timing". Enquanto (supostamente) amadurecem as decisões
de investimento nos centros produtores, pode naufragar o balanço de pagamentos e a própria
moeda de países candidatos a receber os investimentos. Ilustrando: o número de veículos importados pelo Brasil saltou de 20 mil
em 1992 para 190 mil em 1994 e
teria ultrapassado meio milhão
em 1995 não fosse o freio colocado
pela nova política de proteção do
mercado e atração de investimentos. Enquanto isso, do lado de lá,
os membros do pacto político (implícito) acima aludido agiam no
sentido de preservar as atividades
locais e esse esforço só perderia
força, presumivelmente, ao ser
eliminada a capacidade ociosa
existente das plantas presentemente em operação.
Por analogia com o que acaba
de ser dito, focalizemos agora a
questão das funções corporativas
superiores das empresas que estão
ingressando (ou meramente reforçando as suas posições) neste
país. O planejamento, o marketing, as atividades de pesquisa e o
design -as referidas funções nobres- tendem a permanecer concentradas nas matrizes. Seria, no
entanto, obviamente interessante
que uma parte significativa dessas funções fosse também atraída
para o país. E isso não apenas pelos altos salários nelas pagos, como pela difusão de conhecimento
inerente a esse conjunto de atividades. A rigor, enquanto a construção de fábricas requer a formação maciça de capital físico, as
funções superiores requerem, essencialmente, a formação de
competências locais.
Em suma, uma enxurrada de
investimentos tem chegado ao
país. Será que vamos esperar para
que a mão invisível do mercado
transfira parte das funções superiores para cá? Ou há espaço para
negociar a aceleração da sua vinda, possivelmente com benefícios
para as próprias empresas?
Não estou falando de questões
abstratas ou de possibilidades remotas. A Índia tem praticado políticas agressivas de atração de
serviços de toda natureza, conectados às multinacionais. No Brasil, o governo do Rio Grande do
Sul está comemorando o êxito alcançado na atração de um centro
avançado de pesquisas (Ceitec)
da Motorola. Ou sendo ainda
mais concreto: a razão pela qual o
automóvel não se transformou
em commodity é que ele foi convertido em campo de provas para
a experimentação de novos materiais (aços especiais, plásticos engenheirados, informática, produtos inteligentes), bem como um
espaço destacado para o design.
Diante da incessante criação de
novas soluções nesses campos, a
mera fabricação é cada dia menos importante.
Antonio Barros de Castro, 58, professor titular da UFRJ (Universidade Federal
do Rio de Janeiro) e ex-presidente do
BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), escreve às
quartas-feiras, a cada 15 dias, nesta coluna.
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