São Paulo, quarta-feira, 09 de agosto de 2000


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LUÍS NASSIF

Uma voz contra o arbítrio

O caso Delza Curvello Rocha é o mais grave alerta até agora formulado contra o poder absurdo concedido a essa aliança entre uma facção radical do Ministério Público e a mídia.
Como coordenadora da 5ª Câmara de Coordenação e Revisão, Delza opinou que não cabia ao MP deliberar sobre liberações de verba em relação a um pedido de sustação de verbas para o TRT.
Com base nesse voto, Luiz Francisco Fernandes de Souza e outros procuradores de seu grupo fizeram uma representação contra ela e contra seu colega Washington Bolívar de Brito Júnior.
Logo em seguida, a informação vazou para a imprensa. O "Correio Braziliense" e depois os demais jornais publicaram matérias dizendo que a procuradora e seu colega que participara da votação estavam "sob suspeita" de participarem da máfia do TRT.
Aí o grupo radical do MP pegou as cópias dos jornais, com as matérias fornecidas por eles próprios, colocou dentro de uma capa de processo e assinou um pedido para apurar as denúncias, fazendo uma representação contra seus colegas.
Reduziu a reportagem a um escrito, grifou o nome de Delza e de seu colega dizendo que, "diante da gravidade dos fatos", o MP tinha que apurar. E mandou protocolizar abertamente.
O rapaz do protocolo fez o que lhe foi pedido, colocou Delza e Washington como suspeitos e, como interessados, 16 procuradores que assinaram o documento.
Quando Delza entrou junto à Justiça para obter a liminar e ter acesso ao processo, os denunciantes perceberam que, com o nome de ambos na capa, abria-se espaço para uma ação ordinária contra eles.
Luiz Francisco mandou, então, a menina do protocolo tirar o nome dos colegas como suspeitos, colocando no lugar a Secretaria do Tesouro Nacional. Mas a condenação já estava estampada em todos os jornais.
A reação de Luiz Francisco foi atribuir a culpa à imprensa.
"A notícia publicada no jornal "Correio Braziliense", transcrita pela doutora Delza, não é exata quando diz que a investigação seria para apurar o envolvimento de dois subprocuradores na liberação de R$ 12,9 milhões. Não, o procedimento investigatório visa apurar como ocorreu a liberação dos quase R$ 13 milhões, com todas as circunstâncias. O procedimento tem como finalidade apurar os fatos e não investigar pessoas. Na medida em que a apuração sobre os fatos (verbos) for feita, surgirão os suspeitos (sujeitos dos verbos)."
Depois de esperar em vão pela posição do procurador-geral, a doutora Delza resolveu apelar para o Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana. Sua intenção é que, jogando o caso lá, a ABI e a OAB entrem na questão e lhe dêem a retaguarda que não conseguiu junto ao seu procurador-geral.
Na semana passada, recebi dela a seguinte carta com a representação, que reproduzo a seguir:
"Prezado Luís,
(...)O custo que certamente pagarei pela ousadia do documento será elevadíssimo, eu sei.
"Mas prefiro correr todo e qualquer risco a ter inserido no ordenamento jurídico nacional um Ministério Público com tantos poderes e tão pouca consciência das responsabilidades de que se encontra investido.
"É certo que o Ministério Público não se resume às pessoas contra as quais representei.
"A turma é grande e boa, mas está amedrontada -tanto quanto eu- diante da cobertura que essas ações temerárias vêm recebendo da mídia, colocando-os como "os salvadores da pátria" (como se nós outros -que não nos utilizamos da mesma "metodologia" por eles utilizada- fôssemos os "traidores").
"(...)Creio que ambos -imprensa e Ministério Público- necessitam se sentar e se repensar, pois são duas forças que, juntas, poderão, se assim desejarem, levar uma nação ao caos.
"(...) Peço que você e a redação desse conceituado jornal façam uma reflexão profunda em torno do papel da imprensa na formação da opinião pública, não permitindo que ela seja manipulada, que seja um instrumento contra o indivíduo e em consequência contra a própria sociedade.
"Tenho pensado muito sobre minha instituição -e sei que, da forma como ela vem se comportando em face do indivíduo, ela está muito mal.
"Fique certo, Luís, que aqui fora não está nada fácil sobreviver.
"Desculpe-me pelo desabafo.
"Um abraço
"Delza".


E-mail - lnassif@uol.com.br



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