|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
OPINIÃO ECONÔMICA
Dois equívocos sobre as câmaras setoriais
GESNER OLIVEIRA
Há dois equívocos acerca do
mecanismo das câmaras setoriais, cuja retomada foi proposta nesta semana pelo CDES (Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social) da Presidência da
República.
O primeiro equívoco é achar
que as câmaras setoriais constituem remédio milagroso, capaz
de ressuscitar a economia, que
morreu no primeiro semestre do
governo Lula. Ou entrou tecnicamente em recessão, como registrou o IBGE: o PIB caiu dois trimestres consecutivos, o que resultou em uma contração acumulada da produção de 3,6%.
É um erro imaginar que a política setorial substitua a política
macroeconômica. As ações setoriais e de política monetária e fiscal devem ser harmônicas. Não é
possível reativar a economia com
sucessivos pacotinhos microeconômicos.
Se esses últimos não estiverem
em linha com a política macro,
seu efeito é muito limitado. Ou
pior, podem apenas frustrar expectativas, lançar dúvidas sobre a
consistência da política econômica e acentuar ainda mais as distorções microeconômicas.
Assim, a retomada da economia depende de uma sinalização
de queda da taxa de juros e de
restabelecimento de uma prioridade clara ao setor exportador.
O segundo equívoco é achar que
toda e qualquer política setorial
responde a lobbies específicos, cuja ação estaria necessariamente
em contradição com o interesse
público.
Tal hipótese ignora o fato de
que os lobbies setoriais podem
agir independentemente da existência de câmaras setoriais. Muitas vezes é precisamente a ausência de diretrizes claras de política
e de instâncias transparentes de
decisão que facilita pleitos setoriais ilegítimos. A "não-política
industrial" gera frequentemente
mais distorções do que aquelas
que são tão temidas pelos críticos
da política industrial!
A economia moderna requer
cadeias produtivas solidárias. Tal
organização vertical reduz custos
de transação e constitui fonte de
eficiências para a economia. Contudo tal esforço não ocorre espontaneamente ou pelo menos exclusivamente pelos mecanismos de
mercado.
No Brasil, as dificuldades são
ainda maiores em razão do excesso de burocracia e das distorções
da estrutura tributária. As empresas grandes são induzidas a
um grau de verticalização maior
do que aquele que seria recomendável do ponto de vista da eficiência produtiva. As empresas pequenas e médias, por sua vez, ficam marginalizadas e muitas vezes são vítimas de práticas discriminatórias das grandes e recorrem à informalidade, tornando o
sistema ainda mais distorcido.
Há, portanto, lugar para câmaras setoriais à medida que sirvam
para facilitar a integração da cadeia produtiva. No entanto, do
ponto de vista micro, faltam critérios sólidos para sua constituição
de forma a impedir que câmaras
setoriais comecem a brotar como
cogumelos ao sabor das demandas desse ou daquele setor. E, do
ponto de vista macro, falta uma
estratégia de crescimento capaz
de dar sentido e força às ações localizadas.
Gesner Oliveira, 47, é doutor em economia pela Universidade da Califórnia
(Berkeley), professor da FGV-EAESP, sócio-diretor da Tendências e ex-presidente do Cade.
Internet: www.gesneroliveira.com.br
E-mail - gesner@fgvsp.br
Texto Anterior: Rendimento sobre 8% é mantido Próximo Texto: Luís Nassif: Inflação e câmbio Índice
|