UOL


São Paulo, terça-feira, 09 de setembro de 2003

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

OPINIÃO ECONÔMICA

É tempo de ousar

BENJAMIN STEINBRUCH

Um leitor economista de Campinas nos escreveu para elogiar o artigo da semana passada sobre o desemprego entre os jovens e fez uma pergunta: você não acha que renovar o acordo com o FMI em condições bem mais flexíveis ou até não renovar esse acordo constitui um dos aspectos fundamentais para o crescimento econômico?
Concordo com a primeira parte da pergunta do leitor. O Brasil deve, sim, renovar o acordo com o Fundo, mas em nenhuma hipótese poderá aceitar as condições dos últimos anos, que impuseram drásticas receitas recessivas ao país.
Essa posição pode parecer pretensiosa e arrogante, mas não é. O Brasil cumpriu rigorosamente os últimos acordos feitos com o Fundo. Pagou caro por isso -com estagnação e desemprego-, mas, por ironia, acabou adquirindo a condição de menino prodígio do Fundo.
Para o FMI, é importante que o Brasil dê certo. A instituição tem sido massacrada pela crítica internacional por suas desastrosas intervenções em países como Argentina, Rússia, Malásia e Indonésia. Na década passada, a Argentina também foi considerada a garota prodígio do Fundo, porque dominou a hiperinflação e estabilizou a taxa de câmbio. Mas a terapia imposta a impediu de crescer, e o câmbio fixo, tolerado pelo Fundo, a levou à sua mais grave crise de balanço de pagamentos. Quando veio o desastre argentino, o Fundo se omitiu, o país foi obrigado entrar em moratória e, em consequência, enfrentou uma recessão brutal.
Não há por que imaginar que algo tão grave possa ocorrer no Brasil. As condições são muito diferentes e há muito nos livramos do câmbio fixo, uma das causas do colapso argentino. Até o economista-chefe do Banco Mundial para a América Latina, Guillermo Perry, disse, na semana passada, que o Brasil não precisa de um novo acordo com o Fundo, mas considerou que isso seria "conveniente".
Lúcida observação. Qualquer pessoa que já tenha negociado com credores sabe que, quanto mais se necessita de um crédito, mais difícil e mais caro ele se torna. Credores adoram oferecer empréstimos a quem não precisa deles. Então, se o próprio economista do Bird acha que o Brasil não precisa dos recursos do Fundo, é hora de procurá-los.
A prudência levou o governo a decidir sacar a parcela de US$ 4 bilhões, a penúltima do acordo anterior. A prudência também indica que se deve renovar o acordo com o Fundo, que termina em dezembro. Primeiro, porque a parte mais difícil do ajuste já foi feita pelo Brasil. Segundo, porque o país não conta ainda com um nível de reservas internacionais suficiente para dar tranquilidade no manejo das contas externas. Uma crise financeira que atinja o mercado internacional pode interromper o fluxo de capitais e colocar em risco a solvência externa do país, quem tem um pesado serviço anual da dívida externa.
Ainda estão frescos na memória os eventos de 1997 e 1998. O Brasil saboreava o sucesso do Plano Real e se preparava para iniciar programas de crescimento quando sobrevieram as crises da Ásia e da Rússia. Imediatamente, capitais que aqui estavam debandaram e o país foi obrigado a recorrer ao Fundo e apertar mais ainda o cinto.
Tudo indica que o Fundo, escaldado pelos insucessos recentes, esteja hoje mais maleável para acordos que preservem o crescimento econômico. E não há muito mistério nas coisas a negociar. Em primeiro lugar, não se deve aceitar a imposição de superávits fiscais exageradamente elevados. Neste ano, o governo obteve uma receita que superou as despesas (sem incluir juros) em R$ 44,3 bilhões de janeiro a julho, saldo que ficou R$ 5 bilhões acima do próprio nível acertado com o Fundo. Um superávit menor (o nível deste ano é 4,25% do PIB) abriria espaço para investimentos do governo, que promoveriam crescimento e criariam empregos. Em segundo lugar, pode-se negociar a exclusão de investimentos sociais e de algumas estatais autônomas (que não dependam de recursos do orçamento) do cálculo do déficit público.
Até porque não precisa desesperadamente dos recursos, o governo atual pode se dar ao luxo de ousar nas suas negociações com o FMI. Nos acordos passados, jogou-se sempre na defesa, com metas rigorosas contra o déficit público, sem qualquer preocupação com seus efeitos negativos para a atividade econômica. Agora, pode-se pensar também no estabelecimento de metas para o crescimento da economia. Uma espécie de "acordo em tempos de paz".


Benjamin Steinbruch, 50, empresário, é presidente do conselho de administração da Companhia Siderúrgica Nacional.

E-mail - bvictoria@psi.com.br


Texto Anterior: Acerto estimula reestatização, diz especialista
Próximo Texto: Lusco-fusco: Consumo de energia cresce menos do que o projetado no 1º semestre
Índice

UOL
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.