|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
OPINIÃO ECONÔMICA
Quando é difícil prever o passado
ANTONIO BARROS DE CASTRO
Há países que teimam em
desafiar teorias e desmentir
expectativas.
Dizia Kuznets nos anos 1950
que há quatro tipos de países: os
desenvolvidos, os subdesenvolvidos, o Japão e a Argentina. Queria com isso dizer que os dois primeiros grupos apresentavam diversas consistências, facilitando o
entendimento do que ali se passava e permitindo o exercício de
previsões. Já o Japão e a Argentina eram órfãos de teorias e pouco
previsíveis. O mesmo podia ser dito acerca da China. Stálin várias
vezes a ela se referiu empregando
a expressão pejorativa "excepcionalismo chinês". Pudera! Ali se
tentava uma revolução comunista liderada por camponeses.
Os países excepcionais parecem
tender a continuar embaraçosamente pouco previsíveis. "O Japão
como número um", do best-seller
de Ezra Vogel, tornou-se o país
doente e estagnado do final do século 20. A China, por muitos referida como "baleia" (por contraste
como os chamados "tigres asiáticos") e acerca da qual prevalecia
o maior pessimismo após a tragédia da praça Tiananmen, teve
um crescimento fulgurante durante os anos 1990 -e continua a
apresentar bons resultados em
meio ao conturbado quadro
atual.
Mas em matéria de imprevisibilidade a Argentina é verdadeiramente um caso a parte. Como dizia Daniel Heymann, numa conferência no Instituto de Economia
da UFRJ, para falar daquele país,
é preciso, antes de mais nada, especificar de que país estamos falando. Há a Argentina de US$
2.500 per capita, há a de US$
15.000 per capita e a de US$ 8.000
(a cada um desses valores corresponde uma pequena nuvem de
pontos, num gráfico em que cada
ano é representado por um ponto). Como falar de crescimento
sustentável nesse país (a partir de
que base?)? Por outro lado, evidentemente, o país de US$ 2.500
não tem como pagar dívidas assumidas no país de US$ 8.000 per
capita!
Mas a Argentina cresceu inusitadamente nos anos 1990. O comércio sofisticou-se espetacularmente. Parecia a velha Argentina. Se questionados hoje, porém,
os argentinos unanimemente dirão que foi um desastre. O passado mudou. Há países em que é
tão difícil prever o futuro quanto
o passado. E aqui cabe uma menção ao Brasil.
Ninguém pode negar que o Brasil tenha passado por profundas
mudanças nos anos 1990. A inflação desapareceu; a produtividade
do trabalho na indústria cresceu
entre 5,5% e 9% ao ano; o agronegócio tornou-se referência mundial; a educação e a saúde apresentam grandes resultados.
Simultaneamente, os resultados
em termos de crescimento mostram-se pífios, as dívidas interna
e externa explodiram, a desigualdade social não retrocedeu, e a
vulnerabilidade do país aos humores das finanças internacionais tornou-se chocante.
Os próximos anos vão definir
não apenas o futuro como o próprio passado. Afinal, o país não é
uma página em branco. Nele foram recentemente inscritas novas
características. Se o país der certo,
as mudanças, no atacado, estarão
aprovadas. Se o país der errado,
as mudanças estarão também
condenadas. Paradoxalmente, o
acerto de um governo de oposição
consagraria, no atacado, a obra
de FHC. E vice-versa.
Antonio Barros de Castro, 58, professor titular da UFRJ (Universidade Federal
do Rio de Janeiro) e ex-presidente do
BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), escreve às
quartas, a cada 15 dias, nesta coluna.
Texto Anterior: Intervenção de Bush nos portos ajuda Bolsa de NY a fechar em alta Próximo Texto: Comércio: Loja negocia "de trás para a frente" Índice
|