São Paulo, quarta-feira, 09 de outubro de 2002

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OPINIÃO ECONÔMICA

Quando é difícil prever o passado

ANTONIO BARROS DE CASTRO

Há países que teimam em desafiar teorias e desmentir expectativas.
Dizia Kuznets nos anos 1950 que há quatro tipos de países: os desenvolvidos, os subdesenvolvidos, o Japão e a Argentina. Queria com isso dizer que os dois primeiros grupos apresentavam diversas consistências, facilitando o entendimento do que ali se passava e permitindo o exercício de previsões. Já o Japão e a Argentina eram órfãos de teorias e pouco previsíveis. O mesmo podia ser dito acerca da China. Stálin várias vezes a ela se referiu empregando a expressão pejorativa "excepcionalismo chinês". Pudera! Ali se tentava uma revolução comunista liderada por camponeses.
Os países excepcionais parecem tender a continuar embaraçosamente pouco previsíveis. "O Japão como número um", do best-seller de Ezra Vogel, tornou-se o país doente e estagnado do final do século 20. A China, por muitos referida como "baleia" (por contraste como os chamados "tigres asiáticos") e acerca da qual prevalecia o maior pessimismo após a tragédia da praça Tiananmen, teve um crescimento fulgurante durante os anos 1990 -e continua a apresentar bons resultados em meio ao conturbado quadro atual.
Mas em matéria de imprevisibilidade a Argentina é verdadeiramente um caso a parte. Como dizia Daniel Heymann, numa conferência no Instituto de Economia da UFRJ, para falar daquele país, é preciso, antes de mais nada, especificar de que país estamos falando. Há a Argentina de US$ 2.500 per capita, há a de US$ 15.000 per capita e a de US$ 8.000 (a cada um desses valores corresponde uma pequena nuvem de pontos, num gráfico em que cada ano é representado por um ponto). Como falar de crescimento sustentável nesse país (a partir de que base?)? Por outro lado, evidentemente, o país de US$ 2.500 não tem como pagar dívidas assumidas no país de US$ 8.000 per capita!
Mas a Argentina cresceu inusitadamente nos anos 1990. O comércio sofisticou-se espetacularmente. Parecia a velha Argentina. Se questionados hoje, porém, os argentinos unanimemente dirão que foi um desastre. O passado mudou. Há países em que é tão difícil prever o futuro quanto o passado. E aqui cabe uma menção ao Brasil.
Ninguém pode negar que o Brasil tenha passado por profundas mudanças nos anos 1990. A inflação desapareceu; a produtividade do trabalho na indústria cresceu entre 5,5% e 9% ao ano; o agronegócio tornou-se referência mundial; a educação e a saúde apresentam grandes resultados.
Simultaneamente, os resultados em termos de crescimento mostram-se pífios, as dívidas interna e externa explodiram, a desigualdade social não retrocedeu, e a vulnerabilidade do país aos humores das finanças internacionais tornou-se chocante.
Os próximos anos vão definir não apenas o futuro como o próprio passado. Afinal, o país não é uma página em branco. Nele foram recentemente inscritas novas características. Se o país der certo, as mudanças, no atacado, estarão aprovadas. Se o país der errado, as mudanças estarão também condenadas. Paradoxalmente, o acerto de um governo de oposição consagraria, no atacado, a obra de FHC. E vice-versa.


Antonio Barros de Castro, 58, professor titular da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) e ex-presidente do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), escreve às quartas, a cada 15 dias, nesta coluna.

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