São Paulo, domingo, 09 de outubro de 2005

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VALOR AGREGADO

Com veto da Fazenda a emendas no Orçamento, parlamentares e lobbies buscam vantagens em MP de desoneração

Imposto vira nova moeda de barganha política

Sergio Lima - 6.out.05/Folha Imagem
O deputado Inocêncio Oliveira (PL-PE), que se desentendeu com Arlindo Chinaglia (PT-SP) sobre MP


GUSTAVO PATU
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Reduzir os impostos sobre o queijo-de-minas pode render tantos dividendos eleitorais quanto a liberação daquela verba para o ginásio esportivo de uma cidade do interior. E assim a política de desoneração tributária iniciada pelo governo se tornou a nova moeda do varejo político entre o Executivo e o Congresso.
Que o diga Romero Jucá (PMDB-RR), o senador mais assediado da semana passada pela condição de relator da medida provisória apelidada de "MP do Bem", mais recente e maior iniciativa federal para a queda da carga tributária.
"Guarde esse seu pleito porque vem aí a "MP do Bem 2'", respondeu Jucá a um dos muitos engravatados que o abordaram na manhã da última terça-feira, quando ainda estava em elaboração o texto a ser votado. O senador não mentia: está em gestação uma nova medida destinada a baixar impostos, e ministros, parlamentares e empresários já procuram lugar na fila dos beneficiários.
Minutos antes, ao deixar uma reunião com o líder do governo, Aloizio Mercadante (PT-SP), e o secretário da Receita Federal do Brasil, Jorge Rachid, Jucá havia topado com um lobista de melhor sorte, que cobrava a inclusão dos estaleiros navais num programa de incentivo aos investimentos.
"Já está acertado", disse o senador. "Mas o texto está incorreto", respondeu o interlocutor. "O Rachid está arrumando isso", encerrou Jucá, em tom tranqüilizador. Às 19h, de fato, a nova versão da "MP do Bem" divulgada pelo relator contemplava os estaleiros.

Demandas paroquiais
Lobbies e negociações desse tipo não são irregulares nem incomuns. É assim que funciona, no exemplo mais importante, a partilha das verbas orçamentárias destinadas às chamadas emendas parlamentares, pelas quais deputados e senadores atendem a demandas paroquiais de suas bases.
A novidade é que a barganha não se dá mais só pelo lado da despesa, cada vez mais vigiada pelos ministérios da Fazenda e do Planejamento. O lado da receita se tornou mais promissor -porque, pela primeira vez até onde a memória alcança, o governo admite que arrecada demais.
No projeto de Orçamento para o ano eleitoral de 2006, está uma previsão inédita: R$ 2,6 bilhões para, genericamente, desoneração tributária. É mais do que os parlamentares ganharam neste ano para as emendas individuais.
A disputa pela redução de impostos segue os mesmos passos da definição de despesas. Primeiro, no Executivo, ministros e aliados de ocasião lutam por sua área na definição do projeto; já no Congresso, os grupos de pressão são explicitados -empresários, sindicalistas, prefeitos, governadores e até retardatários do Executivo; por fim, quem consegue mais apoio tem o pleito atendido.

Sorte e sono
Um pouco de sorte sempre ajuda. Os mineiros tiveram a felicidade de ver um deputado do Estado, o tucano Custódio Mattos, nomeado relator da "MP do Bem" na Câmara. O texto ganhou benefícios para a extração de gemas e jóias e "queijos tipo mozarela, minas, prato, queijo de coalho, ricota e requeijão".
Na noite da quarta passada, Custódio chegou apressado ao Senado, conduzido pelo presidente do PSDB, senador Eduardo Azeredo (MG). No local reservado ao cafezinho dos senadores, os dois tucanos discutiram com Rachid, da Receita. Depois de muito café com torradas, conseguiram manter no texto a isenção de PIS e Cofins para os queijos, que os senadores ameaçavam tirar da MP.
No plenário, senadores sonolentos aguardavam a conclusão das dezenas de acordos negociados no cafezinho. Um deles admitia, pedindo anonimato, que a maioria ali não sabia o que seria votado. Já os governistas tratavam de desarmar lobbies indesejados com acertos de última hora.
Aos defensores da regularização tributária dos profissionais liberais contratados como pessoa jurídica, foi prometido resolver a pendência na MP 255, recém-chegada da Câmara. Para o lobby pela desoneração da energia elétrica, acenou-se com projeto destinado aos consumidores de baixa renda.
Rachid mostrou que não estava presente só para frear o ímpeto benemerente dos senadores. Discretamente, com Jucá, ajudou a incluir no texto uma regra favorável ao governo, permitindo adiar para o ano seguinte o pagamento de causas judiciais de pequeno valor. Na votação, a emenda passou despercebida -e virou escândalo na Câmara no dia seguinte, ameaçando a aprovação da MP.
"Nesta medida provisória há muito mais do que se discutiu aqui. Fica a impressão de que o segmento que tinha defensores mais espertos conseguiu benefícios; o segmento que não os tinha, não os conseguiu", discursou, sem ser ouvido, o senador oposicionista Álvaro Dias (PSDB-PR) -elogiando, porém, o trabalho do relator, seu colega de partido.
Proselitismo político à parte, a crítica do senador reflete as preocupações de analistas. Embora se elogie a iniciativa de redução da carga tributária, que atingiu o recorde de 35,9% da renda nacional, teme-se a proliferação de medidas casuísticas e o agravamento da confusão reinante na legislação.
O governo começou a política de desoneração em 2004, quando foram aprovadas cinco leis principais, voltadas para investimentos e poupança de longo prazo -e mais uma centena de penduricalhos. Só a legislação de PIS e Cofins foi tratada em pelo menos oito medidas provisórias.
"Com essa maneira de legislar no campo tributário, não há empresa de médio ou grande porte no país que sobreviva sem uma consultoria especializada", diz a advogada Glaucia Lauletta, sócia do escritório Mattos Filho. "A "MP do Bem" virou uma colcha de retalhos, aliás, como as outras MPs que a antecederam."
Há insatisfações também no governo, em especial com a regra introduzida pela Câmara na MP que ampliou os limites para o enquadramento de micro e pequenas empresas no Simples (sistema simplificado de tributação), com custo estimado em R$ 1,7 bilhão.
"Não houve uma discussão racional sobre isso. Apresentaram a emenda, e ninguém teve coragem de votar contra a microempresa. Mas só cerca de 60 mil serão beneficiadas", criticou Mercadante -que acabou desistindo de derrubar a inovação.


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