|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
OPINIÃO ECONÔMICA
"Custo Brasil" e "Custo Fiesp"
JOSÉ ALEXANDRE SCHEINKMAN
Dois argumentos foram
levantados contra a proposta da Fazenda de diminuir alíquotas de importação de manufaturados. Primeiro: por enfrentarem um "custo Brasil" -as
absurdas taxas de juros reais, a
má infra-estrutura, os altos impostos-, os produtores de automóveis ou equipamentos elétricos, por exemplo, precisam ser
protegidos da concorrência externa. Segundo: a proteção à indústria nacional é moeda de troca para obter dos países ricos
concessões na área agrícola.
Os argumentos protecionistas
parecem discussões de Copa do
Mundo -nós contra eles. Mas é
bom lembrar que, ao proteger
um produto com tarifas, impõe-se um custo ao resto da economia brasileira. Quando se protege um bem de consumo, são os
consumidores que pagam. Se o
artigo protegido serve de insumo
para um outro produto, este sofrerá um aumento de custo, e o
país perde competitividade na
sua produção. Em parte como resultado da alta proteção aos fabricantes de máquinas, em 1999,
o Brasil importou apenas 4,2%
do PIB em bens de investimentos,
enquanto a Coréia do Sul importou 10,8%, e Hong Kong, 41% do
PIB. Além de elevar o custo de
produção de manufaturados, a
proteção aos bens de investimento aumenta o nosso atraso tecnológico, porque novas tecnologias
estão incorporadas nos novos
equipamentos.
O "custo Brasil" nos torna mais
pobres, mas não é razão para
mantermos alíquotas elevadas.
O empresário nacional que compra um insumo mais caro por
causa de tarifas enfrenta, além
disso, o "custo Brasil". E o consumidor brasileiro não mora no
Canadá. O que querem os lobistas é que, além de serem onerados pelo "custo Brasil", os consumidores e a vasta maioria dos
empresários brasileiros paguem
também o que poderíamos chamar de "custo Fiesp", o custo da
proteção às indústrias dotadas
de um lobby poderoso.
É interessante observar que está pouco presente nessa discussão a velha história de "indústria
nascente". Segundo ela, o país
precisava proteger os fabricantes
de automóveis porque esses, à
medida que ganhassem experiência e escala, teriam custos
menores e se tornariam mais
competitivos. Esse argumento
não é completamente absurdo,
mas é preciso enfatizar que o mero fato de que experiência e escala diminuam custos unitários
não justifica subsídio ou proteção. Afinal, quando o seu Joaquim abre um bar numa esquina
de São Paulo, ele sabe que, à medida que aprenda a usar o seu
equipamento e se torne mais popular na vizinhança, vai ganhar
escala para pagar custos fixos,
como o aluguel. Mas ninguém
propõe que o governo subsidie
cada cerveja que o seu Joaquim
venda nos primeiros anos. Para
justificar proteção ou subsídio a
uma "indústria nascente", é preciso que outros se beneficiem
gratuitamente dos ganhos de escala e experiência de um fabricante. Além disso, é necessário
que o montante dessas "externalidades" justifique os custos impostos aos compradores do produto protegido. Esse é um teste
difícil, que os defensores da tese
da "indústria nascente" raramente enfrentaram. Desconfio,
no entanto, de que o recuo dessa
tese deva-se menos a sua falta de
suporte empírico do que ao absurdo de defender como "nascentes" indústrias com 50 anos, como a automobilística.
Diminuir o protecionismo
agrícola dos países ricos é importante para o Brasil, e a possibilidade de uma maior abertura comercial aqui pode levar os industriais nas economias avançadas
a se contrapor ao lobby dos agricultores. Mas, seja quais forem os
resultados das negociações na
OMC, precisaremos diminuir as
nossas alíquotas de importação.
José Alexandre Scheinkman, 57, professor de economia na Universidade
Princeton (EUA), escreve quinzenalmente aos domingos nesta coluna.
E-mail -
jose.scheinkman@gmail.com
Texto Anterior: Valor agregado: Negociações expõem desconfiança mútua entre governo e Congresso Próximo Texto: Lições contemporâneas - Aloizio Mercadante: Tempo de crescer Índice
|