São Paulo, sábado, 10 de janeiro de 2004

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OPINIÃO ECONÔMICA

A demissão de Schymura terá efeito retardado

GESNER OLIVEIRA

A coação moral que levou à saída de Luiz Schymura da presidência da Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações) foi um pacote completo de equívocos que o governo federal promoveu em matéria de regulação econômica em sentido diametralmente oposto àquele que se deseja para o crescimento da economia.
Se o governo quisesse trocar os dirigentes das agências reguladoras, como de fato cogitou no início de 2003, deveria ter proposto uma mudança na lei de forma democrática e transparente, aproveitando o anteprojeto das agências reguladoras colocado sob consulta pública. Isso não ocorreu. Pelo contrário, o relatório interministerial que deu base à proposta governamental considerava positivo que houvesse "mandatos fixos para os dirigentes e não-coincidentes com as eleições majoritárias".
Diante de tal discrepância, vale a pergunta: ainda está valendo o restante do documento que chegou a ser bem recebido pela sociedade por preservar o sistema de agências reguladoras? Ou dependerá das circunstâncias políticas? Ou poderá mudar de acordo com o loteamento de cargos de uma nova reforma ministerial?
A mesma questão vale para outras propostas importantes na área de infra-estrutura, como a do novo modelo institucional para o setor elétrico. Depois de convidar o presidente da Anatel a se dedicar a outras atividades, o que se pode esperar em relação à Aneel, cujo papel de fiscalização continua importante, embora erroneamente diminuído, no novo modelo elétrico? E em relação à Agência Nacional do Petróleo?
O discurso ponderado do novo presidente da Anatel, Pedro Ziller, por ocasião de sua posse, não é suficiente para dissipar as dúvidas quanto à orientação que o governo pretende imprimir em matéria regulatória.
As dúvidas quanto à estabilidade dos dirigentes das agências transcende a área de infra-estrutura. As mesmas inquietações valem para órgãos tão importantes como a CVM (Comissão de Valores Mobiliários), ao mesmo tempo em que diminuem as apostas quanto à determinação do governo de levar adiante o projeto de autonomia do Banco Central.
Os efeitos negativos desse ambiente de incerteza e instabilidade de regras não são sentidos de forma imediata. Seria ingênuo imaginar que aqueles agentes cujos negócios dependem diretamente das decisões do governo iriam protestar publicamente. Ou que iriam promover mudanças imediatas em suas operações.
Alterações arbitrárias marco regulatório têm efeito retardado. O ziguezague da política governamental é primeiramente analisado pelos executivos e quadros de conselhos administrativos e de investimento. Diante de justificadas dúvidas quanto ao grau de interferência política em áreas sensíveis de regulação, um maior coeficiente de risco é atribuído a novos empreendimentos, elevando o custo do capital e retardando os projetos de ampliação de capacidade.
As consequências para um país carente de capital e infra-estrutura como o Brasil são nefastas, ainda que imperceptíveis à primeira vista. O país pode crescer no curto prazo em meio a uma conjuntura internacional particularmente favorável, mas com uma vulnerabilidade crescente em relação a gargalos em áreas como energia, transportes e telecomunicações. No médio prazo, tais dificuldades abortam o processo de crescimento da produção e do emprego.
Uma análise fria do episódio de demissão branca do presidente da Anatel leva à conclusão de que foi um grande erro, algo impensado como o casamento de Britney Spears. Mas que, infelizmente, não pode ser desfeito com a mesma rapidez.


Gesner Oliveira, 47, é doutor em economia pela Universidade da Califórnia (Berkeley), professor da FGV-EAESP, sócio-diretor da Tendências e ex-presidente do Cade.

Internet: www.gesneroliveira.com.br
E-mail - gesner@fgvsp.br


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