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OPINIÃO ECONÔMICA
A demissão de Schymura terá efeito retardado
GESNER OLIVEIRA
A coação moral que levou à
saída de Luiz Schymura da
presidência da Anatel (Agência
Nacional de Telecomunicações)
foi um pacote completo de equívocos que o governo federal promoveu em matéria de regulação
econômica em sentido diametralmente oposto àquele que se deseja
para o crescimento da economia.
Se o governo quisesse trocar os
dirigentes das agências reguladoras, como de fato cogitou no início
de 2003, deveria ter proposto uma
mudança na lei de forma democrática e transparente, aproveitando o anteprojeto das agências
reguladoras colocado sob consulta pública. Isso não ocorreu. Pelo
contrário, o relatório interministerial que deu base à proposta governamental considerava positivo que houvesse "mandatos fixos
para os dirigentes e não-coincidentes com as eleições majoritárias".
Diante de tal discrepância, vale
a pergunta: ainda está valendo o
restante do documento que chegou a ser bem recebido pela sociedade por preservar o sistema de
agências reguladoras? Ou dependerá das circunstâncias políticas?
Ou poderá mudar de acordo com
o loteamento de cargos de uma
nova reforma ministerial?
A mesma questão vale para outras propostas importantes na
área de infra-estrutura, como a
do novo modelo institucional para o setor elétrico. Depois de convidar o presidente da Anatel a se
dedicar a outras atividades, o que
se pode esperar em relação à
Aneel, cujo papel de fiscalização
continua importante, embora erroneamente diminuído, no novo
modelo elétrico? E em relação à
Agência Nacional do Petróleo?
O discurso ponderado do novo
presidente da Anatel, Pedro Ziller, por ocasião de sua posse, não
é suficiente para dissipar as dúvidas quanto à orientação que o governo pretende imprimir em matéria regulatória.
As dúvidas quanto à estabilidade dos dirigentes das agências
transcende a área de infra-estrutura. As mesmas inquietações valem para órgãos tão importantes
como a CVM (Comissão de Valores Mobiliários), ao mesmo tempo em que diminuem as apostas
quanto à determinação do governo de levar adiante o projeto de
autonomia do Banco Central.
Os efeitos negativos desse ambiente de incerteza e instabilidade de regras não são sentidos de
forma imediata. Seria ingênuo
imaginar que aqueles agentes cujos negócios dependem diretamente das decisões do governo
iriam protestar publicamente. Ou
que iriam promover mudanças
imediatas em suas operações.
Alterações arbitrárias marco regulatório têm efeito retardado. O
ziguezague da política governamental é primeiramente analisado pelos executivos e quadros de
conselhos administrativos e de investimento. Diante de justificadas
dúvidas quanto ao grau de interferência política em áreas sensíveis de regulação, um maior coeficiente de risco é atribuído a novos empreendimentos, elevando o
custo do capital e retardando os
projetos de ampliação de capacidade.
As consequências para um país
carente de capital e infra-estrutura como o Brasil são nefastas, ainda que imperceptíveis à primeira
vista. O país pode crescer no curto
prazo em meio a uma conjuntura
internacional particularmente
favorável, mas com uma vulnerabilidade crescente em relação a
gargalos em áreas como energia,
transportes e telecomunicações.
No médio prazo, tais dificuldades
abortam o processo de crescimento da produção e do emprego.
Uma análise fria do episódio de
demissão branca do presidente da
Anatel leva à conclusão de que foi
um grande erro, algo impensado
como o casamento de Britney
Spears. Mas que, infelizmente,
não pode ser desfeito com a mesma rapidez.
Gesner Oliveira, 47, é doutor em economia pela Universidade da Califórnia
(Berkeley), professor da FGV-EAESP, sócio-diretor da Tendências e ex-presidente do Cade.
Internet: www.gesneroliveira.com.br
E-mail - gesner@fgvsp.br
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