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OPINIÃO ECONÔMICA
O que é que a Índia tem
BENJAMIN STEINBRUCH
Um amigo que esteve na Índia neste ano voltou assustado com algumas coisas que viu.
Nas grandes cidades, como Mumbai (ex-Bombaim), Nova Déli e
até na capital asiática do software, Bangalore, a miséria é agressiva. As ruas, sujas e empoeiradas,
estão sempre cheias de milhares
de pessoas paupérrimas. É impossível parar no sinal de trânsito
sem que um pedinte se aproxime,
bata no vidro do carro e implore
por uma esmola. Mães jovens e
desdentadas com bebês no colo,
crianças e pessoas de todas as idades com deficiência física compõem um quadro urbano assustador até para quem está acostumado com a pobreza brasileira.
As estradas de rodagem, com
pistas estreitas, passam no meio
de cidades e são invadidas pelo
comércio ambulante. Triciclos
motorizados trafegam na contramão e atrapalham o tráfego tanto
quanto enormes carroças puxadas por camelos. Uma viagem de
apenas 190 km, de Nova Déli até
Agra, onde está o Taj Mahal,
maior atração turística do país,
leva pelo menos quatro horas.
Conto essas coisas não para menosprezar esse heróico país asiático. O objetivo, ao contrário, é
mostrar que a Índia -onde
grande parte dos atuais problemas se deve à herança deixada
pelo colonizador inglês, que dominou o país até 1947- adota
hoje uma política econômica ousada, que a coloca entre os líderes
do desenvolvimento mundial. Difíceis problemas sociais e de infra-estrutura não desencorajam os
indianos, que mantêm planos
agressivos de apoio ao capital local e crescimento econômico, a
ponto de o PIB do país ter aumentado 31% nos últimos cinco anos
(7,4% na estimativa para 2003).
Foi uma feliz coincidência o
presidente Lula ter visitado a Índia dias depois da decisão do
Banco Central brasileiro, até agora incompreensível, de manter a
taxa de juros em 16,5%. Lula certamente pôde constatar quão ousados são os indianos, não só em
seus planos de desenvolvimento
-baseados no apoio à empresa
nacional, na criação de tecnologia própria e na formação de
mão-de-obra especializada- como também na política monetária. As taxas de juros na Índia são
de 4,24% ao ano para operações
de curto prazo, segundo a revista
"The Economist".
Por essas características, o guru
Peter Drucker, semanas atrás,
disse apostar muito mais na Índia
do que na China como o provável
motor da economia mundial no
próximo decênio. A China tem
sua fraqueza exatamente naquilo
em que a Índia se torna cada vez
mais forte: a formação de profissionais qualificados. Na Índia,
formam-se anualmente 200 mil
engenheiros de nível mundial,
que falam inglês e que representam a base da mais moderna indústria de software do mundo. No
ano passado, o país exportou cerca de US$ 10 bilhões em software.
O capital estrangeiro, a despeito
disso tudo, continua arredio com
a Índia. No ano passado, os investimentos externos diretos somaram apenas US$ 3,4 bilhões, bem
menos do que os US$ 10 bilhões
investidos no Brasil. Isso aborrece
os indianos, mas não os desanima. Os planos de desenvolvimento continuam ousados e prevêem,
por exemplo, expansão das exportações de software para US$
80 bilhões em 2008. Para que isso
seja possível, empresas de software não pagarão Imposto de Renda
até 2010.
No setor farmacêutico, outra vitrine indiana, o sucesso também
adveio do forte apoio ao capital
nacional e da capacidade de eleger prioridades com base nas necessidades locais. A indústria de
medicamentos genéricos, que exige pouco investimento em pesquisa e desenvolvimento, foi a chave
do sucesso desse setor, que já emprega mais de 500 mil pessoas e
fornece 75% dos remédios consumidos pela população de 1 bilhão
de habitantes.
Para quem visita a Índia pela
primeira vez, o cenário das grandes metrópoles é desolador por
conta das enormes deficiências
expostas nas ruas e estradas. Afinal, há 700 milhões de indianos
pobres. Apesar disso, observa-se
que o país não está de braços cruzados. Adota políticas corajosas
de desenvolvimento, com forte
apoio ao capital nacional, juros
moderados, câmbio ajustado para estimular exportações, política
industrial voltada para as potencialidades locais e cuidado na formação de profissionais qualificados. Por tudo isso, a despeito da
pobreza ainda imensa, há esperança.
Benjamin Steinbruch, 50, empresário,
é diretor-presidente da Companhia Siderúrgica Nacional e presidente do conselho de administração da empresa.
E-mail - bvictoria@psi.com.br
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