São Paulo, terça-feira, 10 de fevereiro de 2004

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OPINIÃO ECONÔMICA

O que é que a Índia tem

BENJAMIN STEINBRUCH

Um amigo que esteve na Índia neste ano voltou assustado com algumas coisas que viu. Nas grandes cidades, como Mumbai (ex-Bombaim), Nova Déli e até na capital asiática do software, Bangalore, a miséria é agressiva. As ruas, sujas e empoeiradas, estão sempre cheias de milhares de pessoas paupérrimas. É impossível parar no sinal de trânsito sem que um pedinte se aproxime, bata no vidro do carro e implore por uma esmola. Mães jovens e desdentadas com bebês no colo, crianças e pessoas de todas as idades com deficiência física compõem um quadro urbano assustador até para quem está acostumado com a pobreza brasileira.
As estradas de rodagem, com pistas estreitas, passam no meio de cidades e são invadidas pelo comércio ambulante. Triciclos motorizados trafegam na contramão e atrapalham o tráfego tanto quanto enormes carroças puxadas por camelos. Uma viagem de apenas 190 km, de Nova Déli até Agra, onde está o Taj Mahal, maior atração turística do país, leva pelo menos quatro horas.
Conto essas coisas não para menosprezar esse heróico país asiático. O objetivo, ao contrário, é mostrar que a Índia -onde grande parte dos atuais problemas se deve à herança deixada pelo colonizador inglês, que dominou o país até 1947- adota hoje uma política econômica ousada, que a coloca entre os líderes do desenvolvimento mundial. Difíceis problemas sociais e de infra-estrutura não desencorajam os indianos, que mantêm planos agressivos de apoio ao capital local e crescimento econômico, a ponto de o PIB do país ter aumentado 31% nos últimos cinco anos (7,4% na estimativa para 2003).
Foi uma feliz coincidência o presidente Lula ter visitado a Índia dias depois da decisão do Banco Central brasileiro, até agora incompreensível, de manter a taxa de juros em 16,5%. Lula certamente pôde constatar quão ousados são os indianos, não só em seus planos de desenvolvimento -baseados no apoio à empresa nacional, na criação de tecnologia própria e na formação de mão-de-obra especializada- como também na política monetária. As taxas de juros na Índia são de 4,24% ao ano para operações de curto prazo, segundo a revista "The Economist".
Por essas características, o guru Peter Drucker, semanas atrás, disse apostar muito mais na Índia do que na China como o provável motor da economia mundial no próximo decênio. A China tem sua fraqueza exatamente naquilo em que a Índia se torna cada vez mais forte: a formação de profissionais qualificados. Na Índia, formam-se anualmente 200 mil engenheiros de nível mundial, que falam inglês e que representam a base da mais moderna indústria de software do mundo. No ano passado, o país exportou cerca de US$ 10 bilhões em software.
O capital estrangeiro, a despeito disso tudo, continua arredio com a Índia. No ano passado, os investimentos externos diretos somaram apenas US$ 3,4 bilhões, bem menos do que os US$ 10 bilhões investidos no Brasil. Isso aborrece os indianos, mas não os desanima. Os planos de desenvolvimento continuam ousados e prevêem, por exemplo, expansão das exportações de software para US$ 80 bilhões em 2008. Para que isso seja possível, empresas de software não pagarão Imposto de Renda até 2010.
No setor farmacêutico, outra vitrine indiana, o sucesso também adveio do forte apoio ao capital nacional e da capacidade de eleger prioridades com base nas necessidades locais. A indústria de medicamentos genéricos, que exige pouco investimento em pesquisa e desenvolvimento, foi a chave do sucesso desse setor, que já emprega mais de 500 mil pessoas e fornece 75% dos remédios consumidos pela população de 1 bilhão de habitantes.
Para quem visita a Índia pela primeira vez, o cenário das grandes metrópoles é desolador por conta das enormes deficiências expostas nas ruas e estradas. Afinal, há 700 milhões de indianos pobres. Apesar disso, observa-se que o país não está de braços cruzados. Adota políticas corajosas de desenvolvimento, com forte apoio ao capital nacional, juros moderados, câmbio ajustado para estimular exportações, política industrial voltada para as potencialidades locais e cuidado na formação de profissionais qualificados. Por tudo isso, a despeito da pobreza ainda imensa, há esperança.


Benjamin Steinbruch, 50, empresário, é diretor-presidente da Companhia Siderúrgica Nacional e presidente do conselho de administração da empresa.

E-mail - bvictoria@psi.com.br


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