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São Paulo, quinta-feira, 10 de julho de 2003

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OPINIÃO ECONÔMICA

O segundo casamento

PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.

"O triunfo da esperança sobre a experiência." Assim definiu Bernard Shaw o segundo casamento. Lembrei-me dessa frase a propósito da política econômica adotada pelo governo Lula no seu primeiro semestre, essencialmente uma reedição da que vinha sendo seguida, sem sucesso e com crescente rejeição, pelo governo anterior.
Por que daria certo desta vez? Vejamos. Seria a nova equipe do Ministério da Fazenda e do Banco Central mais eficiente do que sua antecessora? Pouco plausível. Em alguns postos-chave permaneceram as mesmas pessoas; em outros, trocou-se seis por meia dúzia. A equipe do ministro Palocci é composta quase totalmente por pessoas que serviram ou poderiam perfeitamente ter servido sob Collor ou FHC.
A nova equipe teria a vantagem de ter aprendido com os erros da anterior? Menos plausível ainda. Não só a fórmula geral é basicamente a mesma mas alguns dos erros pontuais são também iguais (valorização cambial exagerada e metas excessivamente ambiciosas de inflação, por exemplo). Fórmula velha, erros velhos. O ministro Palocci ainda nos deve os erros novos que prometeu cometer.
Estaria o governo Lula em condições de levar o "casamento" com a ortodoxia mais a sério, aplicando a mesma velha fórmula econômica com mais rigor e severidade? Segundo alguns economistas, o erro não estaria na fórmula, mas na sua aplicação deficiente e frouxa no governo passado. Típico devaneio de economista acadêmico. O mais provável é que, dadas as circunstâncias concretas, o governo Lula tenha mais dificuldades de sustentar uma abordagem econômica ortodoxa do que o governo FHC.
Resta, evidentemente, uma esperança. A esperança de que o ambiente internacional e outras variáveis exógenas à política econômica, notadamente o ambiente político nacional, se mostrem mais favoráveis para Lula do que foram para FHC. Pode-se contar com essa sorte? Ninguém sabe, mas parece temerário. O quadro mundial é difícil e conturbado. E as dificuldades políticas do governo Lula serão maiores depois do fim, já próximo, da sua "lua-de-mel" com o país.
Em condições semelhantes de temperatura e pressão, o melhor que se pode esperar para a economia brasileira é uma trajetória tipo "vôo da galinha", imagem que bem caracteriza diversos momentos do período FHC. A economia cresce um pouco, durante algum tempo, para recair em seguida na estagnação e no desemprego. Naturalmente, a pergunta é: o país suportará com paciência mais um governo medíocre?
Acumulam-se indicações de que a resposta a essa pergunta é negativa. Desde maio, ainda em plena "lua-de-mel", cresceu a reação política e social contra a política econômica, particularmente contra os juros extravagantes praticados pelo Banco Central e o resto do sistema bancário.
A área política do governo e o próprio presidente da República, surpresos talvez com a intensidade e a velocidade da reação, não demoraram a acusar o golpe. Responderam inicialmente com algumas medidas pontuais na área creditícia e, sobretudo, com uma inflexão do discurso (sucessivas promessas de "fase dois", "nova economia" e até "espetáculo do crescimento").
Mais recentemente, o ministro Palocci aderiu ao novo mote. Declarou que o Brasil precisa de três coisas: crescimento, crescimento e crescimento.
Ótimo. Não vamos desprezar a importância dos discursos. As guerras se ganham com palavras também. De Churchill, por exemplo, já se disse que ele "mobilizou a língua inglesa e a enviou para o front".
Por outro lado, como diria o Conselheiro Acácio, palavras não bastam (e não vamos comparar a retórica inspirada de um Churchill com o discurso meio capenga dos políticos brasileiros). Até agora pouco se fez de efetivo para mudar a política econômica e direcioná-la para o crescimento e a geração de empregos.
A equipe comandada por Palocci ainda não deu indicações de que vai se mobilizar para essa guerra. Um sintoma: o presidente do Banco Central, em momento infeliz, mas talvez revelador, considerou "extraordinário", nas atuais circunstâncias, o crescimento de 1,5% do PIB projetado para 2003...
Correndo o risco de confundir meus desejos com a realidade, termino hoje com uma profecia: esse segundo "casamento" com a ortodoxia vai durar bem menos do que o primeiro.

Paulo Nogueira Batista Jr., 48, economista, pesquisador visitante do Instituto de Estudos Avançados da USP e professor da FGV-EAESP, escreve às quintas-feiras nesta coluna. É autor do livro "A Economia como Ela É..." (Boitempo Editorial, 3ª edição, 2002).
E-mail - pnbjr@attglobal.net


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