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São Paulo, quinta-feira, 10 de julho de 2003

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Para indústria, fenômeno pode significar prejuízo e quebradeira

JOSÉ ALAN DIAS
DA REPORTAGEM LOCAL

A deflação registrada no IPCA de junho pode ser saudada pelo mercado financeiro como sinal "da vitória da política monetária" do Banco Central, mas, para o setor produtivo, significa o risco de ter que praticar preços que nem sempre cobrem seus custos, reduzir investimentos e se defrontar com eventual quebradeira.
Ao decidir produzir, explica o professor Fernando Cardim, da UFRJ, uma empresa considera determinada expectativa de preços para o produto ou serviço. ""Deflação significa que está recebendo menos do que esperava. Em tese, esse produtor ou prestador de serviço terá que vender mais para receber os mesmos reais de antes", diz Cardim.
O problema é que deflação resulta normalmente de uma grande desaceleração da economia ou de um quadro de recessão já existente -ou seja, nessas duas hipóteses o consumo interno tende a estar em níveis muito baixos, a exemplo do que ocorre no Brasil.
Para Cardim, a deflação no IPCA de junho serve como ""alerta". ""Se o governo não for teimoso, espera-se que essa deflação, muito pequena, sirva para o BC tomar atitude sensata e baixar os juros de forma mais agressiva."
Flávio Castelo Branco, coordenador de política econômica da CNI (Confederação Nacional da Indústria), sustenta que a deflação registrada mês passado não se repetirá nos próximos indicadores. Usa como principal argumento os reajustes em preços administrados, como os de telefonia. ""Mas a inflação ficará em níveis muito reduzidos, quase exigindo uma queda de juros."
Reinaldo Gonçalves, também da UFRJ, apresenta uma perspectiva mais sombria. ""Pode [a deflação] ser o primeiro sinal de um círculo vicioso, em que temos queda de consumo, com o aprofundamento da crise econômica, perda de poder de investimentos e quebra das empresas", afirma.
De acordo com ele, o que pesará nos indicadores de inflação nos próximos meses serão justamente os preços controlados (que utilizam mecanismos de reajustes acordados entre governo e concessionárias) ou os preços praticados pelos oligopólios. Os dos chamados setores competitivos (máquinas, bens de capital), argumenta Gonçalves, continuarão a ver seus preços deflacionados, por conta da falta de demanda.
"Na prática, haverá transferência de renda de um setor da economia para outro, do setor competitivo para os oligopólios ou os que têm preços indexados."
Diz o relatório diário do banco Modal, assinado pelo economista Alexandre Póvoa, distribuído ontem: "A forte deflação observada no atacado [preços agrícolas desde abril e custos industriais desde maio], começa a se refletir no varejo". Prossegue: ""[o resultado] representa a consolidação da vitória da política monetária" do BC. "O governo precisou fazer opção entre bolhas de crescimento, com inflação, ou crescimento sustentável, sem inflação. Corretamente, elegeu a segunda. O custo foi colocar a atividade econômica em uma zona perigosa. Agora é possível baixar os juros, não digo 2 ou 3 pontos por reunião, mas 1 ou 1,5 e terminar o ano com uma taxa de 20%, 21%", afirma Póvoa.


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