São Paulo, sábado, 10 de julho de 2004

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Amorim vê "dores do crescimento"

ELIANE CANTANHÊDE
DIRETORA DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

"São as dores do crescimento", disse o ministro Celso Amorim (Relações Exteriores) ontem sobre a decisão da Argentina de impor barreiras à importação de geladeiras, lavadoras e fogões brasileiros e o tom duro que vem sendo usado pelo país vizinho, inclusive pelo presidente Néstor Kirchner.
Mantendo o tom complacente, apesar das cobranças internas, ele disse que a disputa só existe "em decorrência da intensidade das relações".
A Argentina é o segundo parceiro comercial do Brasil, voltou a crescer depois de intensa crise interna e, pela primeira vez, desde 1995, deixa de ser superavitária nas trocas com o Brasil.
Comparando a competição Brasil-Argentina com a vivida entre Estados Unidos e Canadá, o ministro ironizou: "Nós não teríamos um contencioso com o Camboja, por exemplo. Se é para ter, que seja com países competitivos, como a Argentina".
Muito questionado sobre a atitude considerada excessivamente polida e passiva em relação às barreiras anunciadas pelos argentinos de forma inesperada e a dois dias de uma visita do presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao país, Amorim disse, em entrevista coletiva, que "não há complacência" e provocou os que desejam uma reação mais incisiva.
"Tem gente querendo ver guerra comercial onde nós [governo] não vemos. Nós vemos tudo isso como coisa natural que precisa ser tratada com maturidade e paciência. É preciso acomodar certos interesses", disse.

Cautela
Durante toda a entrevista, no seu gabinete do Itamaraty, no meio da tarde, Amorim foi cauteloso e se esforçou para demonstrar compreensão com os problemas e com a decisão argentina.
Lembrou que as exportações brasileiras dos produtos da chamada "linha branca" vêm crescendo muito para a Argentina, em torno de 70% a 80% só neste ano, e que há, "naturalmente", alguma ansiedade desse setor.
"Até porque é um dos poucos setores do país com capital nacional", fez questão de frisar.
Amorim, porém, admitiu a hipótese de o governo Kirchner rever a imposição de barreiras a partir de uma reunião na próxima quarta-feira entre empresários dos dois países, com mediação do Ministério do Desenvolvimento e apoio do Itamaraty.
"Se não fosse para mexer, não haveria reunião nenhuma", disse o ministro, fazendo "uma aposta no otimismo".

OMC em Paris
O ministro estava com viagem marcada ontem mesmo para Paris, onde se encontra, hoje e amanhã, com representantes do chamado NG5, o "não-grupo", ou grupo informal, que reúne Brasil, Índia, Austrália, Estados Unidos e União Européia em torno de um dos temas mais sensíveis da OMC (Organização Mundial do Comércio): agricultura.
Ele também terá café da manhã à parte com o comissário da UE, Pascal Lamy, em torno do tema agricultura e da possibilidade crescente de os europeus recuarem nos subsídios agrícolas.
Na pauta das duas reuniões, o que os negociadores chamam de três pilares das negociações na área de agricultura: subsídios às exportações; subsídios à produção interna; acesso a mercados.
De Paris, Amorim irá às Ilhas Maurício, na África, para um encontro do G90 -os países mais pobres, que representam mais da metade da OMC e que também pressionam pelo fim dos subsídios agrícolas dos países ricos.
Um dos acertos mais difíceis na área agrícola é conseguir um "paralelismo" entre a UE e os EUA. Os europeus querem relaxar os subsídios, mas com o compromisso de os americanos seguirem o mesmo caminho. Até agora, não há esse compromisso.
De acordo com Amorim, as conversas sobre a Alca (Área de Livre Comércio das Américas) também serão retomadas: "Terão que ser reativadas as negociações. E é fácil. Basta retomar o arcabouço de Miami [em que ficaram acertadas negociações básicas para todos, com possibilidades de flexibilização em blocos ou bilateralmente]".
Amorim provocou os EUA com uma comparação: "Os anglo-saxões [americanos] têm fama de serem mais pragmáticos, mas estão sendo mais doutrinários do que os europeus".
Depois, foi diplomático: "Mas não quero botar a culpa [pelo emperramento da Alca] em ninguém".


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