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PÚBLICO-PRIVADO
Emendas idênticas para o mesmo tema são apresentadas por diferentes parlamentares no Congresso
"MP do Bem" expõe a ação dos lobistas
GUSTAVO PATU
HUMBERTO MEDINA
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
Editada no mês passado, a medida provisória batizada de "MP
do Bem" mobiliza os lobbies empresariais no Congresso. A MP,
que reduz tributos para diversos
setores, recebeu 443 propostas de
modificação, das quais 103 apresentadas, de forma idêntica, por
dois ou mais parlamentares.
Emendas -como são chamadas as propostas de modificação- idênticas até no texto de
justificativa que as acompanha
são os sinais mais claros da atuação dos lobbies. Apresentadas
formalmente por deputados ou
senadores, elas foram elaboradas
por empresas ou entidades setoriais influentes.
A prática não chega a ser incomum nem é irregular. No caso da
"MP do Bem", a quantidade é que
chama a atenção e fornece mostras do poder de cada lobby no
Congresso.
Nada menos que 21 emendas
iguais foram apresentadas para
reduzir a tributação de PIS e Cofins, duas contribuições federais,
sobre os produtos lácteos, especificando que a alíquota será zero
para "queijos tipo mozarela, minas, prato, queijo de coalho, ricota
e requeijão".
A bancada do queijo supera as
de partidos como PSB, PDT, PPS
e PC do B na Câmara e no Senado.
São 25 parlamentares, a maior
parte do grupo ruralista, mas incluindo ainda cinco deputados da
esquerda petista que assinam juntos uma das emendas.
Segundo Claudio Vignatti (PT-SC), a emenda tem origem numa
associação de cooperativas de
produtores de leite e derivados
conhecida como G200, organizada após a crise da Parmalat. "O
objetivo é estimular o consumo
de lácteos no Brasil, que é baixo."
A explicação reforça a do deputado Luis Carlos Heinze (PP-RS),
um dos líderes ruralistas, que diz
ter recebido o texto da emenda do
Sindilat (Sindicato da Indústria
de Laticínios e Derivados do Rio
Grande do Sul).
Excluídos
A "MP do Bem" contemplou,
principalmente, os setores exportador, imobiliário, de informática,
de inovação tecnológica e de previdência privada, além de ter criado benefícios para o IR da pessoa
física e para empresas instaladas
em regiões pobres. Há emendas
destinadas a ampliar as vantagens
em todas essas áreas.
Entre os setores excluídos, os
mais ativos na apresentação de
emendas foram os de infra-estrutura -com 59 propostas, das
quais 30 do setor elétrico- e o rural, com 46.
As empresas do setor elétrico
aproveitaram a MP para tentar retomar a disputa por benefícios tributários e tentar vencer batalhas
perdidas quando foi aprovado o
novo modelo do setor elétrico, no
início do ano passado.
Distribuidoras de energia elétrica tentam reverter o aumento de
carga tributária resultante da elevação de alíquota e mudança de
forma de cálculo do PIS e da Cofins nos últimos anos.
Há 15 emendas idênticas ou
praticamente iguais destinadas a
desonerar as empresas e reduzir
as tarifas, com três modelos básicos de textos de justificativa.
"Os gastos com energia elétrica
consomem 5% do orçamento das
famílias com rendimento per capita de até um salário mínimo",
repetem as emendas do senador
Rodolpho Tourinho (PFL-BA),
ex-ministro de Minas e Energia, e
dos deputados Marcello Siqueira
(PMDB-MG), José Militão (PTB-MG), Eduardo Gomes (PSDB-GO) e Sandro Mabel (PL-GO). Os
mineiros Siqueira e Militão dizem
que a emenda foi proposta a eles
pela Cemig (Centrais Elétricas de
Minas Gerais). "A gente não domina todos os assuntos. Sempre
que vou à palestras dou meu e-mail e peço sugestões", diz Mabel.
Tourinho, o senador Valdir
Raupp (PMDB-RO) e o deputado
Eduardo Gomes (PSDB-TO)
apresentaram outra emenda
idêntica, reduzindo PIS, Cofins e
IPI para a importação de equipamentos que serão usados em atividades de geração de energia. Segundo a assessoria de Raupp, a
emenda foi proposta pela Câmara
Brasileira dos Investidores de
Energia Elétrica.
Os deputados federais Eduardo
Sciarra (PFL-PR) e Max Rosenmann (PMDB-PR) apresentaram
emendas idênticas para beneficiar
empresas que já participaram de
licitações para construção de usinas e, na ocasião, tiveram de pagar pelo "uso do bem público"
(UPB). A emenda foi proposta pela Associação Brasileira dos Produtores Independentes de Energia Elétrica.
Deputados e partidos
A apresentação de emendas
também segue a lógica do perfil
dos parlamentares e dos partidos.
O campeão de propostas, com 28
apresentadas, é o deputado Julio
Semeghini (PSDB-SP), engenheiro eletrônico com larga atuação
no setor de informática antes de
chegar à Câmara.
Outro deputado com destaque
na lista de emendas é Francisco
Dornelles (PP-RJ), ex-secretário
da Receita e ex-ministro da Fazenda e do Trabalho, que, sozinho
ou em coincidência com outros
parlamentares, apresentou 25
propostas.
Entre os partidos, a estratégia
mais claramente identificável foi a
do PSDB. Aproveitando-se do
conforto da oposição, os tucanos
jogaram para a platéia de classe
média, apresentando quase todas
as emendas voltadas para o IRPF
e a previdência privada -que,
por se tratarem de consenso de
bancada, não foram incluídas na
contagem de emendas idênticas.
Como trunfo, o partido tem o
relator da MP na Câmara. Para
desgosto dos petistas, Custódio
Mattos (MG) ganhou o posto por
nomeação do presidente da Casa,
Severino Cavalcanti (PP-PE).
Mattos, entretanto, diz que não
aproveitará a oportunidade para
ampliar exageradamente as bondades da "MP do Bem" -que, diz
o governo, gerará uma perda de
receita de R$ 1,5 bilhão neste ano e
R$ 3,3 bilhões em 2006.
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