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ARTIGO
É hora de avaliar minhas crenças no mercado
PAUL KRUGMAN
Na quarta-feira, o governo Bush, que afirma ser a favor do livre comércio e contra a concessão de socorro financeiro,
mais uma vez empregou seu dinheiro de maneira que contradiz
suas próprias palavras. Há menos
de duas semanas o secretário do
Tesouro, Paul O'Neill, criou um
incidente diplomático e provocou
a queda livre da moeda brasileira
quando disse que a ajuda prestada acaba ""em contas bancárias na
Suíça". Agora o FMI, com a bênção de O'Neill, concordou em emprestar ao Brasil o valor inusitado
de US$ 30 bilhões.
Deve ser boa notícia o fato de
que nossos líderes finalmente se
deram conta de duas verdades incômodas: a maior ameaça aos interesses americanos está surgindo
neste hemisfério e fazer o contrário do que Bill Clinton fazia nem
sempre é uma política sensata. Na
realidade, se o Brasil não tivesse
obtido um empréstimo, a crise financeira sul-americana, que já é
comparável à que atingiu a Ásia
em 1997, poderia rapidamente ter
virado algo muito maior. Mesmo
assim, tenho um pressentimento
ruim quanto a tudo isso.
A boa notícia é que a liderança
brasileira atual é altamente responsável. No passado, empréstimos do FMI foram concedidos a
governos que não recolhiam impostos (Rússia) ou comprometidos com taxa de câmbio insustentável (Argentina). Comparado a
eles, o Brasil é modelo de comportamento correto.
Então, por que há uma crise?
Com uma eleição prevista para
outubro, o sucessor escolhido pelo presidente Fernando Henrique
está perdendo de longe para dois
candidatos situados à esquerda
do centro. Os investidores estão
receosos e o resultado vem sendo
uma daquelas espirais descendentes que já conhecemos bem
devido à história das crises monetárias. O medo de que o governo
dê o calote em sua dívida levou a
moeda brasileira a cair e as taxas
de juros a subir vertiginosamente.
A declaração de O'Neill foi imperdoável porque ela reforçou essa espiral descendente mortal; o
empréstimo dado pelo FMI constitui uma tentativa de inverter essa espiral. O resultado final da gafe terrível de O'Neill foi provavelmente a concessão de US$ 10 bilhões adicionais ao Brasil.
Então, por que estou intranquilo? Uma razão é que existe alguma
dúvida quanto a quem, exatamente, está sendo socorrido. No
site cbsmarketwatch.com, Paul
Erdman escreve que ""o pacote de
ajuda ao Brasil também ter dado
uma grande ajuda ao Citigroup e
à FleetBoston, que, juntos, tinham
quase US$ 20 bilhões em risco no
Brasil, dificilmente passará desapercebido na hora de levantar
fundos para campanhas eleitorais
entre a elite de Wall Street".
Mais importante ainda: se você
olhar para além da questão da estabilização financeira de curto
prazo, não poderá deixar de se indagar para onde tudo isso deveria
nos estar levando. As economias
asiáticas estavam se saindo muito
bem antes da crise delas e poderíamos pensar nos pacotes de socorro do FMI como maneira de
fazê-las voltar aos eixos. Mas há
uma razão pela qual a esquerda
está vivendo um ressurgimento
no Brasil e em outras partes da região: nós lhes prometemos um
jardim de rosas, mas, mesmo antes desta crise, parte muito grande
da população só recebia espinhos.
Dez anos atrás, Washington garantiu aos países latino-americanos que, se eles se abrissem para
bens e capitais estrangeiros e privatizassem suas estatais, viveriam
um grande crescimento econômico. Mas isso não aconteceu. A Argentina está uma catástrofe. México e Brasil eram, até alguns meses atrás, vistos como histórias
que deram certo, mas a renda per
capita hoje, nos dois países, está
apenas um pouquinho acima do
que era em 1980. E, como a desigualdade se agravou muito, a
maioria das pessoas provavelmente está em pior situação do
que há 20 anos. Podemos nos surpreender pelo fato de a população
estar farta de ainda mais chamados por austeridade?
Também eu acreditei em boa
parte do Consenso de Washington, se não em tudo; mas
agora, como diz Brad DeLong, de
Berkeley, é hora de avaliar minhas
crenças no mercado. Não há como deixar de enxergar a razão dos
líderes políticos latino-americanos que querem mitigar o entusiasmo pelos livres mercados, aumentando seus esforços para proteger trabalhadores e pobres.
O que isso me leva a crer que os
EUA devem ter cuidado extremo
quanto a o que esperam em troca
de seu dinheiro. Afastar o Brasil
da beira do abismo não significa
estar de novo em condições de
exigir que os latino-americanos
façam as coisas à nossa maneira.
Perdemos muita credibilidade
com nossos vizinhos do sul. Se
exagerarmos em nossa conduta,
vamos perder a pouca credibilidade que ainda nos resta.
Paul Krugman, economista, é professor
na Universidade Princeton (EUA) e colunista do jornal "The New York Times".
Tradução de Clara Allain
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