São Paulo, terça-feira, 10 de agosto de 2004

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ESTUDO

Se não forem combatidos, déficits fiscal e em conta corrente podem levar os EUA a crise comum ao Terceiro Mundo

Déficits ameaçam retomada americana

FERNANDO CANZIAN
DE WASHINGTON

A atual dimensão do endividamento norte-americano está colocando os EUA na rota de uma crise comum a países do Terceiro Mundo conhecidos como "Repúblicas das Bananas" por causa de sua indisciplina fiscal e leniência em enfrentar déficits.
O problema já afeta as expectativas em relação à atual retomada americana e coloca no horizonte a forte possibilidade de um ""hard landing" (aterrissagem forçada) da economia do país.
Essas conclusões estão no livro "Running on Empty" (Correndo no Vazio), lançado ontem em um concorrido almoço no Institute for International Economics, em Washington, que contou, na primeira fila, com a presença de Alan Greenspan, presidente do Fed (o banco central dos EUA).
O autor, Peter Peterson, ele próprio ex-chefe do Fed de Nova York e ex-secretário de Comércio do presidente Richard Nixon, afirma que o "almoço grátis" que vem sustentado a enorme pujança dos EUA está no fim.
Os EUA carregam hoje os chamados déficits gêmeos (fiscal e em conta corrente) em níveis recordes, ao redor de 5% do PIB (Produto Interno Bruto).
Nenhuma outra economia desenvolvida tem ao mesmo tempo os dois indicadores tão ruins, que são sustentados hoje, no caso americano, por um gigantesco endividamento externo e interno.
Segundo Peterson, o problema atual é que a percepção de investidores e dos países que ainda financiam essa situação está ficando cada vez mais negativa -especialmente quando são agregados ao problema vários novos rombos que os EUA terão de financiar no futuro próximo.
O déficit conjunto do sistema previdenciário e de saúde dos EUA, por exemplo, deve passar de US$ 25 bilhões em 2003 para US$ 783 bilhões daqui a 15 anos.
Segundo cálculos do FMI (Fundo Monetário Internacional), os EUA precisariam aumentar em 60% a sua arrecadação com impostos (ou cortar em 50% os gastos com Previdência e saúde) para fechar as contas no longo prazo -duas alternativas impensáveis do ponto de vista político.

Dólar
Para Robert Rubin, ex-secretário do Tesouro no governo Bill Clinton e presidente do comitê-executivo do Citigroup, a atual depreciação do dólar nada mais é do que "um simples reflexo dessa fragilidade", que deverá ir ficando cada vez mais evidente antes de desencadear uma crise.
"Em um determinado momento, o mercado vai mudar sua atual psicologia de tolerância em relação aos EUA na direção da realidade, como sempre faz", disse Rubin em seus comentários durante a discussão sobre o livro em Washington.
Paul Volcker, ex-presidente do Fed entre 1979 e 1987, vê 75% de chance de os EUA mergulharem, nos próximos cinco anos, em uma "crise da dívida" igual à que países do Terceiro Mundo passam de tempos em tempos.
No início dos anos 1990, quando Clinton assumiu o governo americano, os EUA também viviam uma situação de endividamento, que acabou sendo revertida ao longo dos seus dois mandatos, encerrados em janeiro de 2001.
Ao final dos "anos Clinton", George W. Bush herdou um superávit fiscal projetado em US$ 5,6 trilhões em dez anos.

Fim do superávit
O superávit herdado, no entanto, foi rapidamente transformado em déficit com a política do atual governo na Casa Branca de corte de impostos, principalmente para os mais ricos, usada como estímulo econômico.
Peterson argumenta que o próximo governo, republicano ou democrata, não terá espaço para repetir o feito de Clinton. Boa parte do ajuste imposto pelo ex-presidente foi arrancado de uma redução nos gastos militares e de defesa, que despencaram de 6% do PIB para cerca de 3%.
"Com a guerra ao terror e os gastos em segurança interna, a tendência nessa área é completamente inversa à dos anos 90", argumenta Peterson.
Como solução para o "desastre anunciado", o autor recomenda a criação de uma comissão bipartidária no Congresso para atacar o assunto, a exemplo da que investigou as ações do governo depois dos atentados do 11 de Setembro e que obteve enorme atenção e repercussão. É o mesmo Congresso que vem aprovando verbas sem precedentes à defesa.
Para Peterson, os EUA precisam hoje de "maciças doses de verdade" para reconhecer que irão à falência assim que ficarem sem crédito na praça.


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