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ESTUDO
Se não forem combatidos, déficits fiscal e em conta corrente podem levar os EUA a crise comum ao Terceiro Mundo
Déficits ameaçam retomada americana
FERNANDO CANZIAN
DE WASHINGTON
A atual dimensão do endividamento norte-americano está colocando os EUA na rota de uma
crise comum a países do Terceiro
Mundo conhecidos como "Repúblicas das Bananas" por causa de
sua indisciplina fiscal e leniência
em enfrentar déficits.
O problema já afeta as expectativas em relação à atual retomada
americana e coloca no horizonte a
forte possibilidade de um ""hard
landing" (aterrissagem forçada)
da economia do país.
Essas conclusões estão no livro
"Running on Empty" (Correndo
no Vazio), lançado ontem em um
concorrido almoço no Institute
for International Economics, em
Washington, que contou, na primeira fila, com a presença de Alan
Greenspan, presidente do Fed (o
banco central dos EUA).
O autor, Peter Peterson, ele próprio ex-chefe do Fed de Nova
York e ex-secretário de Comércio
do presidente Richard Nixon,
afirma que o "almoço grátis" que
vem sustentado a enorme pujança dos EUA está no fim.
Os EUA carregam hoje os chamados déficits gêmeos (fiscal e
em conta corrente) em níveis recordes, ao redor de 5% do PIB
(Produto Interno Bruto).
Nenhuma outra economia desenvolvida tem ao mesmo tempo
os dois indicadores tão ruins, que
são sustentados hoje, no caso
americano, por um gigantesco
endividamento externo e interno.
Segundo Peterson, o problema
atual é que a percepção de investidores e dos países que ainda financiam essa situação está ficando cada vez mais negativa -especialmente quando são agregados ao problema vários novos
rombos que os EUA terão de financiar no futuro próximo.
O déficit conjunto do sistema
previdenciário e de saúde dos
EUA, por exemplo, deve passar de
US$ 25 bilhões em 2003 para US$
783 bilhões daqui a 15 anos.
Segundo cálculos do FMI (Fundo Monetário Internacional), os
EUA precisariam aumentar em
60% a sua arrecadação com impostos (ou cortar em 50% os gastos com Previdência e saúde) para
fechar as contas no longo prazo
-duas alternativas impensáveis
do ponto de vista político.
Dólar
Para Robert Rubin, ex-secretário do Tesouro no governo Bill
Clinton e presidente do comitê-executivo do Citigroup, a atual
depreciação do dólar nada mais é
do que "um simples reflexo dessa
fragilidade", que deverá ir ficando
cada vez mais evidente antes de
desencadear uma crise.
"Em um determinado momento, o mercado vai mudar sua atual
psicologia de tolerância em relação aos EUA na direção da realidade, como sempre faz", disse
Rubin em seus comentários durante a discussão sobre o livro em
Washington.
Paul Volcker, ex-presidente do
Fed entre 1979 e 1987, vê 75% de
chance de os EUA mergulharem,
nos próximos cinco anos, em
uma "crise da dívida" igual à que
países do Terceiro Mundo passam de tempos em tempos.
No início dos anos 1990, quando
Clinton assumiu o governo americano, os EUA também viviam
uma situação de endividamento,
que acabou sendo revertida ao
longo dos seus dois mandatos,
encerrados em janeiro de 2001.
Ao final dos "anos Clinton",
George W. Bush herdou um superávit fiscal projetado em US$ 5,6
trilhões em dez anos.
Fim do superávit
O superávit herdado, no entanto, foi rapidamente transformado
em déficit com a política do atual
governo na Casa Branca de corte
de impostos, principalmente para
os mais ricos, usada como estímulo econômico.
Peterson argumenta que o próximo governo, republicano ou democrata, não terá espaço para repetir o feito de Clinton. Boa parte
do ajuste imposto pelo ex-presidente foi arrancado de uma redução nos gastos militares e de defesa, que despencaram de 6% do
PIB para cerca de 3%.
"Com a guerra ao terror e os
gastos em segurança interna, a
tendência nessa área é completamente inversa à dos anos 90", argumenta Peterson.
Como solução para o "desastre
anunciado", o autor recomenda a
criação de uma comissão bipartidária no Congresso para atacar o
assunto, a exemplo da que investigou as ações do governo depois
dos atentados do 11 de Setembro e
que obteve enorme atenção e repercussão. É o mesmo Congresso
que vem aprovando verbas sem
precedentes à defesa.
Para Peterson, os EUA precisam
hoje de "maciças doses de verdade" para reconhecer que irão à falência assim que ficarem sem crédito na praça.
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