São Paulo, quinta-feira, 10 de outubro de 2002

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OPINIÃO ECONÔMICA

Mensagem das urnas

PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.

Com a divulgação do resultado das eleições de domingo, ficou ainda mais claro que prevalece no país, por larga margem, o desejo de mudança. Na eleição presidencial, confirmou-se o que indicavam as pesquisas de intenção de voto: mais de três quartos dos votos válidos ficaram com os cinco candidatos que se colocaram em oposição ao governo Fernando Henrique Cardoso e em especial à sua orientação econômica. O principal candidato de oposição quase levou no primeiro turno.
Outro fato significativo, que merece ser mencionado mais uma vez, é que mesmo José Serra não foi até agora um defensor da política econômica oficial, tendo mantido nesse particular uma posição ambígua e até crítica ao longo da campanha. Procura, em geral, fugir da discussão do passado. E também se apresenta como candidato da mudança. A área econômica do governo ficou órfã nesta eleição.
Há, evidentemente, motivos para tal. A rejeição dos brasileiros à política econômica atual e seus efeitos sociais é de tal ordem que um candidato que resolvesse se apresentar como continuação pura e simples do governo não teria muita chance de sucesso. Ademais, embora poucos eleitores saibam disso, José Serra tem credibilidade pessoal para se diferenciar do modelo econômico em vigor, posto que foi um crítico interno de primeira hora (e nem sempre muito discreto) de aspectos centrais da atuação da Fazenda e do Banco Central.
Os resultados das eleições para o Congresso e os governos estaduais confirmaram a força da onda oposicionista. Os partidos de oposição avançaram de maneira significativa. Os partidos da base do governo FHC perderam posições. O partido do presidente da República, o PSDB, foi o que maior redução registrou no tamanho da sua bancada na Câmara dos Deputados. Em suma, a maioria esmagadora dos eleitores clama por mudanças.
Por que frisar tanto esse ponto? A razão é a seguinte: há um evidente descompasso entre as urnas e o mercado. Boa parte do poder econômico, em especial os mercados financeiros domésticos e internacionais, prefere a continuidade e abomina mudanças. Esses setores vêm tentando de todas as maneiras intimidar os eleitores brasileiros. Depois das eleições vão querer voltar ao "business as usual", valendo-se do seu poder de pressão e de lobby para tentar enquadrar o novo governo e revogar, no fundamental, o resultado das urnas.
Será um desastre para o Brasil se o mercado conseguir se sobrepor às urnas. Afinal, como negar o fracasso do modelo econômico a que se pretende dar sobrevida? A crise cambial de 2002 foi, com frequência, atribuída às eleições, à falta de clareza das propostas dos candidatos, em alguns momentos ao "risco Ciro", em outros, ao "risco Lula".
Não há dúvida de que as eleições contribuíram para a turbulência financeira dos últimos meses. Mas não se deve perder de vista o mais fundamental: a crise de 2002 é a última de uma sucessão de crises de balanço de pagamentos que marcaram os dois mandatos de FHC.
O balanço do seu reinado beira o inacreditável. A economia brasileira experimentou crises cambiais em nada menos que seis dos últimos oito anos: em 1995, depois da crise no México; em 1997, depois da crise no leste da Ásia; em 1998, depois da moratória da Rússia; em 1999, com o colapso da banda cambial do Plano Real; em 2001, depois da crise na Argentina e do ataque de 11 de setembro; e agora em 2002, depois da onda de escândalos corporativos nos EUA e do aumento generalizado da aversão ao risco nos mercados financeiros e de capital. Cada um desses períodos de asfixia cambial produziu os mesmos efeitos básicos sobre a economia brasileira: prejudicou as finanças públicas, abortou o crescimento da produção e gerou desemprego.
FHC diz, e continuará dizendo, que o seu governo foi uma vítima inocente de choques externos ou da perversa e assimétrica "globalização". A esta altura, poucos darão ouvidos a essa ladainha. Nenhum dos episódios de instabilidade internacional acima mencionados teve o caráter de crise global. E mais: muito poucos países apresentaram a extraordinária suscetibilidade a choques externos que tanto caracterizou o desempenho da economia brasileira desde 1995.
Agora que vai perder o emprego de presidente da República, FHC bem que poderia aproveitar os seus talentos de retórico e de sociólogo para escrever um livro sobre essa temática. Um bom título talvez fosse: "Implicações sociais e políticas das crises de balanço de pagamentos - Um guia de sobrevivência".


Paulo Nogueira Batista Jr., 47, economista, pesquisador visitante do Instituto de Estudos Avançados da USP e professor da FGV-SP, escreve às quintas-feiras nesta coluna. É autor do livro "A Economia como Ela É..." (Boitempo Editorial, 3ª edição, 2002).

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