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OPINIÃO ECONÔMICA
Mensagem das urnas
PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.
Com a divulgação do resultado das eleições de domingo,
ficou ainda mais claro que prevalece no país, por larga margem, o
desejo de mudança. Na eleição
presidencial, confirmou-se o que
indicavam as pesquisas de intenção de voto: mais de três quartos
dos votos válidos ficaram com os
cinco candidatos que se colocaram em oposição ao governo Fernando Henrique Cardoso e em especial à sua orientação econômica. O principal candidato de oposição quase levou no primeiro
turno.
Outro fato significativo, que
merece ser mencionado mais
uma vez, é que mesmo José Serra
não foi até agora um defensor da
política econômica oficial, tendo
mantido nesse particular uma
posição ambígua e até crítica ao
longo da campanha. Procura, em
geral, fugir da discussão do passado. E também se apresenta como
candidato da mudança. A área
econômica do governo ficou órfã
nesta eleição.
Há, evidentemente, motivos para tal. A rejeição dos brasileiros à
política econômica atual e seus
efeitos sociais é de tal ordem que
um candidato que resolvesse se
apresentar como continuação pura e simples do governo não teria
muita chance de sucesso. Ademais, embora poucos eleitores
saibam disso, José Serra tem credibilidade pessoal para se diferenciar do modelo econômico em
vigor, posto que foi um crítico interno de primeira hora (e nem
sempre muito discreto) de aspectos centrais da atuação da Fazenda e do Banco Central.
Os resultados das eleições para
o Congresso e os governos estaduais confirmaram a força da onda oposicionista. Os partidos de
oposição avançaram de maneira
significativa. Os partidos da base
do governo FHC perderam posições. O partido do presidente da
República, o PSDB, foi o que
maior redução registrou no tamanho da sua bancada na Câmara dos Deputados. Em suma, a
maioria esmagadora dos eleitores
clama por mudanças.
Por que frisar tanto esse ponto?
A razão é a seguinte: há um evidente descompasso entre as urnas
e o mercado. Boa parte do poder
econômico, em especial os mercados financeiros domésticos e internacionais, prefere a continuidade e abomina mudanças. Esses
setores vêm tentando de todas as
maneiras intimidar os eleitores
brasileiros. Depois das eleições
vão querer voltar ao "business as
usual", valendo-se do seu poder
de pressão e de lobby para tentar
enquadrar o novo governo e revogar, no fundamental, o resultado
das urnas.
Será um desastre para o Brasil
se o mercado conseguir se sobrepor às urnas. Afinal, como negar
o fracasso do modelo econômico a
que se pretende dar sobrevida? A
crise cambial de 2002 foi, com frequência, atribuída às eleições, à
falta de clareza das propostas dos
candidatos, em alguns momentos
ao "risco Ciro", em outros, ao
"risco Lula".
Não há dúvida de que as eleições contribuíram para a turbulência financeira dos últimos meses. Mas não se deve perder de vista o mais fundamental: a crise de
2002 é a última de uma sucessão
de crises de balanço de pagamentos que marcaram os dois mandatos de FHC.
O balanço do seu reinado beira
o inacreditável. A economia brasileira experimentou crises cambiais em nada menos que seis dos
últimos oito anos: em 1995, depois
da crise no México; em 1997, depois da crise no leste da Ásia; em
1998, depois da moratória da
Rússia; em 1999, com o colapso da
banda cambial do Plano Real; em
2001, depois da crise na Argentina
e do ataque de 11 de setembro; e
agora em 2002, depois da onda de
escândalos corporativos nos EUA
e do aumento generalizado da
aversão ao risco nos mercados financeiros e de capital. Cada um
desses períodos de asfixia cambial
produziu os mesmos efeitos básicos sobre a economia brasileira:
prejudicou as finanças públicas,
abortou o crescimento da produção e gerou desemprego.
FHC diz, e continuará dizendo,
que o seu governo foi uma vítima
inocente de choques externos ou
da perversa e assimétrica "globalização". A esta altura, poucos
darão ouvidos a essa ladainha.
Nenhum dos episódios de instabilidade internacional acima mencionados teve o caráter de crise
global. E mais: muito poucos países apresentaram a extraordinária suscetibilidade a choques externos que tanto caracterizou o
desempenho da economia brasileira desde 1995.
Agora que vai perder o emprego
de presidente da República, FHC
bem que poderia aproveitar os
seus talentos de retórico e de sociólogo para escrever um livro sobre essa temática. Um bom título
talvez fosse: "Implicações sociais e
políticas das crises de balanço de
pagamentos - Um guia de sobrevivência".
Paulo Nogueira Batista Jr., 47, economista, pesquisador visitante do Instituto
de Estudos Avançados da USP e professor da FGV-SP, escreve às quintas-feiras
nesta coluna. É autor do livro "A Economia como Ela É..." (Boitempo Editorial, 3ª edição, 2002).
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pnbjr@attglobal.net
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