São Paulo, sexta, 10 de outubro de 1997.




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LUÍS NASSIF
A desospitalização da saúde

O pilar central da revolução que ocorre no setor de saúde, em âmbito mundial, é um palavrão: desospitalização, tirar o paciente do hospital.
Essa é a síntese do trabalho "A Reengenharia do Sistema de Serviços de Saúde no Nível Local: a Gestão da Atenção à Saúde", de Eugênio Villaça Mendes, professor de saúde pública e consultor da Organização Mundial da Saúde. Villaça é autor do "Uma agenda para a saúde", que, após menção na coluna, transformou-se em uma das obras referenciais do governo para definir a nova política para o setor.
No novo trabalho, Villaça analisa uma série de experiências mundiais -particularmente a "substituição" na Holanda, a "desinstitucionalização" no Canadá e a "atenção gerenciada" nos Estados Unidos.
Em todos os casos, uma das peças centrais dessas mudanças é a "desospitalização", com a racionalização e redução dos leitos hospitalares.
Na Califórnia, a introdução de metas de "atenção gerenciada" -onde há equipes que cuidam do paciente e atuam de maneira integrada sobre a prevenção- permitiu uma relação de 0,54 leitos hospitalares por mil beneficiários (contra média de 3,3 leitos/SUS por mil beneficiários, e continua-se a investir em hospitais). Projetada para o Estado da Califórnia, significaria uma necessidade de 17 mil leitos, contra os 78 mil hoje existentes. Se se estender para todo os Estados Unidos, haveria a redução de 74% no corpo de psiquiatras, de 66% no de cirurgiões gerais, de 63% no de neurocirurgiões, de 57% no de cardiologistas e de 55% no de anestesistas. E com muito mais saúde na população.
Racionalização
Algumas políticas passam pela racionalização da rede hospitalar existente, estimulando fusões, incorporações e especialização de unidades complexas.
A Província de Saskatchewan, no Canadá, está estimulando o fechamento de hospitais com menos de 50 leitos. Nos EUA, em 1994, a Sharp Healthcare reestruturou seus sete hospitais, diminuiu 80% dos gerentes. Outros hospitais estão concentrando procedimentos em uma única cidade -a exemplo dos consórcios de saúde que estão se organizando em Minas Gerais, no âmbito do SUS.
Paralelamente, há aumento do número de internações por lei e a redução da permanência média, conjugado às seguintes mudanças:
1) Transformação do hospital em local exclusivo para eventos agudos.
2) Revisão da utilização de serviços hospitalares, por meio de um segundo juízo clínico.
3) Definição de uma equipe de saúde que se responsabiliza pela atenção ao paciente durante toda a duração do processo clínico e analisa a necessidade da atenção e a propriedade dos serviços.
4) Se no âmbito macroeconômico a tecnologia pode ser considerada vilã (pelo aumento de custos) no nível microeconômico algumas mudanças tecnológicas têm sido responsáveis por impressionante melhoria na eficiência, qualidade de serviços e satisfação do usuário, diz Villaça.
5) Com base na medicina baseada em evidência, sugere-se a utilização de protocolos clínicos como recomendação preparada de forma sistemática, com o propósito de influenciar decisões a respeito de intervenções de saúde (ou seja, que tipo de procedimento adotar para cada caso catalogado). Mesmo provocando alguma tensão com os médicos, os resultados dos protocolos têm sido expressivos. Em Sashatchewan, Canadá, reduziu em 30% os gastos com eletrocardiogramas.
6) Atenção primária resolutiva. Em países onde definiu-se a atenção primária, sob forma de medicina familiar, os resultados foram mais expressivos do que nos modelos de atenção primária de entrada livre -tal como a maior parte do sistema americano e brasileiro.
7) Idosos e portadores de doenças crônicas necessitam mais de cuidados que de atenção curativa. Muitos países estão convertendo hospitais em centros de enfermagem.
8) As primeiras experiências de atenção familiar ocorreram em Montala, Suécia, em 1967, e no Hospital Peterborough, no Reino Unido, em 1978. No Brasil, há a experiência pioneira do antigo Samdu. Recentemente surgiram trabalhos semelhantes na Secretaria Municipal da Saúde de Santos e no Grupo Hospitalar Conceição, em Porto Alegre.
9) Práticas alternativas. No Canadá, estima-se que a busca de práticas alternativas atinjam 30% das pessoas.
10) Autocuidado. Há duas visões. Uma, visando tornar o usuário mais informado para que possa buscar serviços mais apropriados para sua saúde. Outra, com forte conotação culturalista, visando tornar o usuário livre de relação de dependência com a burocracia médica.

E-mail: lnassif@uol.com.br



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