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LUÍS NASSIF
A desospitalização da saúde
O pilar central da revolução
que ocorre no setor de saúde,
em âmbito mundial, é um palavrão: desospitalização, tirar
o paciente do hospital.
Essa é a síntese do trabalho
"A Reengenharia do Sistema
de Serviços de Saúde no Nível
Local: a Gestão da Atenção à
Saúde", de Eugênio Villaça
Mendes, professor de saúde pública e consultor da Organização Mundial da Saúde. Villaça
é autor do "Uma agenda para
a saúde", que, após menção na
coluna, transformou-se em
uma das obras referenciais do
governo para definir a nova
política para o setor.
No novo trabalho, Villaça
analisa uma série de experiências mundiais -particularmente a "substituição" na Holanda, a "desinstitucionalização" no Canadá e a "atenção
gerenciada" nos Estados Unidos.
Em todos os casos, uma das
peças centrais dessas mudanças é a "desospitalização", com
a racionalização e redução dos
leitos hospitalares.
Na Califórnia, a introdução
de metas de "atenção gerenciada" -onde há equipes que cuidam do paciente e atuam de
maneira integrada sobre a prevenção- permitiu uma relação de 0,54 leitos hospitalares
por mil beneficiários (contra
média de 3,3 leitos/SUS por mil
beneficiários, e continua-se a
investir em hospitais). Projetada para o Estado da Califórnia, significaria uma necessidade de 17 mil leitos, contra os
78 mil hoje existentes. Se se estender para todo os Estados
Unidos, haveria a redução de
74% no corpo de psiquiatras,
de 66% no de cirurgiões gerais,
de 63% no de neurocirurgiões,
de 57% no de cardiologistas e
de 55% no de anestesistas. E
com muito mais saúde na população.
Racionalização
Algumas políticas passam pela racionalização da rede hospitalar existente, estimulando
fusões, incorporações e especialização de unidades complexas.
A Província de Saskatchewan, no Canadá, está estimulando o fechamento de hospitais com menos de 50 leitos.
Nos EUA, em 1994, a Sharp
Healthcare reestruturou seus
sete hospitais, diminuiu 80%
dos gerentes. Outros hospitais
estão concentrando procedimentos em uma única cidade
-a exemplo dos consórcios de
saúde que estão se organizando em Minas Gerais, no âmbito do SUS.
Paralelamente, há aumento
do número de internações por
lei e a redução da permanência média, conjugado às seguintes mudanças:
1) Transformação do hospital
em local exclusivo para eventos agudos.
2) Revisão da utilização de
serviços hospitalares, por meio
de um segundo juízo clínico.
3) Definição de uma equipe
de saúde que se responsabiliza
pela atenção ao paciente durante toda a duração do processo clínico e analisa a necessidade da atenção e a propriedade dos serviços.
4) Se no âmbito macroeconômico a tecnologia pode ser
considerada vilã (pelo aumento de custos) no nível microeconômico algumas mudanças
tecnológicas têm sido responsáveis por impressionante melhoria na eficiência, qualidade
de serviços e satisfação do
usuário, diz Villaça.
5) Com base na medicina baseada em evidência, sugere-se
a utilização de protocolos clínicos como recomendação preparada de forma sistemática,
com o propósito de influenciar
decisões a respeito de intervenções de saúde (ou seja, que tipo
de procedimento adotar para
cada caso catalogado). Mesmo
provocando alguma tensão
com os médicos, os resultados
dos protocolos têm sido expressivos. Em Sashatchewan, Canadá, reduziu em 30% os gastos com eletrocardiogramas.
6) Atenção primária resolutiva. Em países onde definiu-se a
atenção primária, sob forma
de medicina familiar, os resultados foram mais expressivos
do que nos modelos de atenção
primária de entrada livre -tal
como a maior parte do sistema
americano e brasileiro.
7) Idosos e portadores de
doenças crônicas necessitam
mais de cuidados que de atenção curativa. Muitos países estão convertendo hospitais em
centros de enfermagem.
8) As primeiras experiências
de atenção familiar ocorreram
em Montala, Suécia, em 1967, e
no Hospital Peterborough, no
Reino Unido, em 1978. No Brasil, há a experiência pioneira
do antigo Samdu. Recentemente surgiram trabalhos semelhantes na Secretaria Municipal da Saúde de Santos e no
Grupo Hospitalar Conceição,
em Porto Alegre.
9) Práticas alternativas. No
Canadá, estima-se que a busca
de práticas alternativas atinjam 30% das pessoas.
10) Autocuidado. Há duas visões. Uma, visando tornar o
usuário mais informado para
que possa buscar serviços mais
apropriados para sua saúde.
Outra, com forte conotação
culturalista, visando tornar o
usuário livre de relação de dependência com a burocracia
médica.
E-mail: lnassif@uol.com.br
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