São Paulo, sexta-feira, 11 de janeiro de 2002

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OPINIÃO ECONÔMICA

E la nave va

LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS

O ano de 2002 começa a "pegar no breu", como diz a sabedoria popular. No Brasil, só a Quarta-Feira de Cinzas marca efetivamente o início do ano novo para a sociedade! Mas, no mundo dos negócios, a dinâmica é outra. Já estamos vivendo com intensidade o último ano da era FHC. Para o analista das coisas da política e da economia de nosso país, os eventos estão ocorrendo com uma velocidade impressionante. Quem bobear ou ficar preso a seus valores ideológicos menores corre o risco de ficar desmoralizado. A força dos eventos da política será bastante forte e merece uma atenção especial de todos.
Vivemos também no exterior um momento de revisão de alguns valores, que marcaram e deram segurança à economia internacional nos últimos anos. Principalmente nos EUA, onde até o endeusado Alan Greenspan está sob acusação de ter feito vista grossa a uma nova era de irresponsabilidade fiscal do Partido Republicano. Terminou a era do delírio ultraliberal e as expectativas dos agentes econômicos estarão mais comedidas e realistas. A economia mundial deve voltar a uma fase de crescimento sustentado e de expectativas diminuídas.
Vamos aos fatos! A mudança mais marcante que estamos vivendo hoje está no quadro eleitoral brasileiro. A candidatura Roseana zerou a disputa pela Presidência da República, em outubro próximo. Destruiu as candidaturas alternativas de Ciro Gomes e Itamar Franco e mostrou que a de Lula tem pés de barro. O candidato do PT está estacionado há mais de um ano nos 30% de apoio declarado do eleitorado e corre o risco de cair para a faixa alta dos 20% nas próximas pesquisas. Uma de suas âncoras externas, o presidente da Venezuela, começa a viver seu inferno astral depois de alguns anos de ilusória liderança, na triste pátria de Simon Bolívar. Seu último confronto com a imprensa daquele país parece marcar o início de seu fim. Será muito ruim para a candidatura de Lula a vinculação com um ditador decadente e que foi documentada fartamente por toda a imprensa brasileira.
Nesse cenário, a possibilidade de duas candidaturas que saem do grupo que dá apoio político a FHC passou a ser uma realidade. Roseana com o apoio do PFL, do PTB e do PPB e José Serra com o PSDB e PMDB de seu lado. Isso abre um campo riquíssimo de manobra para um político hábil como nosso presidente. Poderemos ter em abril um quadro eleitoral que tire um fantasma importante que está aparecendo nas expectativas do mercado sobre a economia brasileira.
Um segundo vetor importante para as cores do ano no Brasil é a evolução do drama argentino. Os fatos ganharam uma dinâmica muito forte a partir da ruptura definitiva do sistema monetário e cambial que vigorou nos últimos anos. Nas próximas semanas, ficará claro se a crise atual vai desembocar em uma saída exitosa, como ocorreu no México em 1995 e no Brasil em janeiro de 1999, ou se vai repetir o mesmo México em 1982. O nó principal da situação na Argentina está no descasamento entre ativos em peso e passivos em dólares que passou a existir no sistema bancário argentino, depois do fim da paridade cambial. São mais de US$ 10 bilhões, que podem levar os bancos à falência. Duas saídas são possíveis: a cobertura da diferença com títulos do Tesouro ou a nacionalização do sistema financeiro. A hipótese de prejuízos elevados para o investidor estrangeiro pode criar alguma dificuldade para a normalização de nossas relações financeiras com os mercados internacionais e atrasar um pouco a recuperação de nosso crescimento econômico.
Mas, de qualquer maneira, o descolamento entre as duas economias e o volume elevado de investimento estrangeiro ao longo de dezembro são indicadores a mais dessa situação já garantindo um cenário econômico mais positivo para 2002. Principalmente depois que as chuvas de verão eliminaram definitivamente do cenário o fantasma da restrição no consumo de energia elétrica.
Outra força relevante para a construção do cenário brasileiro em 2002 será o comportamento da economia americana ao longo do ano. Uma recuperação do nível de atividade na economia líder do mundo será fundamental para a volta do otimismo nos investidores e empresas em relação ao futuro. Os analistas americanos estão ainda divididos em relação a esse tema, embora a corrente majoritária esteja otimista em relação ao último semestre do ano. Na minha opinião, o reaquecimento de nossa economia depende hoje muito mais de fatores internos, principalmente juros, mas uma ajuda da economia externa será importante. Reafirmo minha previsão de que o crescimento do PIB deve voltar ao nível de 4% ao ano à época das eleições presidenciais. Não devemos ter grandes mudanças no quadro do emprego e do salário real, mas a volta do crescimento deve afetar positivamente o humor do eleitor.


Luiz Carlos Mendonça de Barros, 59, engenheiro e economista, é sócio e editor do site de economia e política Primeira Leitura. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações (governo FHC).

Internet: www.primeiraleitura.com.br

E-mail: lcmb2@terra.com.br



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