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OPINIÃO ECONÔMICA
A ortodoxia econômica do governo Lula
GESNER OLIVEIRA
O discurso do governo Lula
está em linha com noções
convencionais sobre a economia
brasileira e em alguns casos com
as correntes mais ortodoxas do
pensamento econômico contemporâneo.
Os conceitos mais gerais talvez
tenham escapado a um mercado
compreensivelmente absorvido
pelos números do superávit fiscal
ou pela novidade da meta ajustada de inflação e seus efeitos sobre
a taxa de juros.
Mas a mudança do discurso governamental foi além da discussão do curto prazo. Do ponto de
vista do campo, o presidente Lula
reafirmou em sua posse a tese do
programa econômico de sua campanha de complementaridade
entre a chamada agricultura empresarial e a familiar. Afastou-se,
assim, da visão retrógrada e contrária à vocação dinâmica do
agronegócio brasileiro de que as
culturas de exportação seriam
nocivas ao desenvolvimento nacional.
Na mesma direção, o presidente
criticou "os escandalosos subsídios agrícolas dos países desenvolvidos, que prejudicam os nossos produtores, privando-os de
suas vantagens comparativas".
Distanciou-se, dessa forma, do
protecionismo dos ricos, incluindo seus defensores mais pitorescos
como José Bové, líder antiglobalização francês que andou agitando o Fórum Social de Porto Alegre
em 2002, entre outras aventuras.
Também chama a atenção no
discurso do presidente Lula a homenagem à noção liberal de
"vantagem comparativa" de David Ricardo, um dos fundadores
da economia clássica.
A definição daquilo que constituiria um novo modelo de desenvolvimento não contém nenhuma marca de marxismo ou de
pós-keynesianismo. Segundo o
presidente Lula, "o ponto principal do modelo para o qual queremos caminhar é a ampliação da
poupança interna e da nossa capacidade própria de investimento". Trata-se de noção amplamente aceita, mas que discrepa,
por exemplo, da visão de correntes pós-keynesianas, para as quais
a poupança não pode ser criada
antes da acumulação de capital.
Ainda segundo o presidente Lula, "o Brasil necessita valorizar o
seu capital humano, investindo
em conhecimento e tecnologia".
Trata-se de afirmação compatível
com a ênfase que a nova economia clássica e a nova teoria do
crescimento, duas das principais
correntes acadêmicas da ortodoxia atual, colocam sobre o progresso tecnológico.
Deixando-se levar pela saudação à bandeira petista dos últimos anos, o ministro Antonio Palocci Filho afirmou, no final dos
trabalhos da equipe de transição,
que o governo FHC teria apresentado uma excessiva sedução pelos
mercados. Deixando de lado a
política partidária, dificilmente
será possível identificar grandes
diferenças entre aquilo que vem
sendo dito pela administração recém-empossada e o que foi feito
pelo governo FHC.
Mas o ceticismo em relação aos
mercados de um modo geral é
correto e consistente com os melhores programas de pesquisa
econômica das últimas duas décadas. A contribuição da corrente
neokeynesiana tem sido precisamente a de mostrar as inúmeras
imperfeições em mercados estratégicos para a formação dos macropreços da economia, como o de
trabalho e o de crédito.
Quando se trata de discutir a
margem de manobra que deve ser
deixada para as autoridades, um
dos principais temas de debate da
macroeconomia durante décadas, o governo Lula tem revelado,
pelo menos por enquanto, uma
preferência pela adoção de regras.
Restringe-se, assim, o espaço para
a tomada de decisões à discrição
do responsável pela política econômica. O possível apoio à autonomia do Banco Central ilustra
essa atitude no terreno da política
monetária.
No Brasil, tal preferência guarda pouca relação com a discussão
acadêmica dos EUA de inconsistência intertemporal das decisões
de política econômica. A opção
pela regra decorre do problema
de reputação do PT, algo relevante em uma conjuntura de aversão
ao risco como a atual. Nessas circustâncias, é recomendável assumir compromisso com regras simples e transparentes. Seja como
for, também na adoção de regras
a macroeconomia do governo Lula se afina à ortodoxia econômica.
Rótulos à parte, o discurso econômico do novo governo merece
apoio naquilo que propõe de correto. Como no caso da reforma da
Previdência, tantas vezes bloqueada pela oposição no governo
passado.
Gesner Oliveira, 46, é doutor em economia pela Universidade da Califórnia (Berkeley), professor da FGV-EAESP, sócio-diretor da Tendências e ex-presidente do Cade.
Internet: www.gesneroliveira.com.br
E-mail - gesner@fgvsp.br
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