São Paulo, sábado, 11 de janeiro de 2003

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LUÍS NASSIF

Os argumentos do bingo

A Associação Brasileira dos Bingos (Abin) entra em contato para questionar algumas informações do Ministério Público acerca da atividade. A primeira, a de que a atividade serviria para lavagem de dinheiro. Segundo a Abin, a denúncia surgiu após uma importação específica da Itália, supostamente com dinheiro da Máfia. Foi aberto um inquérito que, três anos depois, nada apurou. Além disso, a Abin sustenta que há que se separar as máquinas de padaria daquelas dos bingos oficiais, que seriam honestas e trabalhando com o conceito de rateio.
Não há porque duvidar das informações, mas o buraco é mais embaixo: é a questão do bingo como ameaça à saúde pública.
Em todos os países civilizados, há cada vez mais medidas de repressão às chamadas doenças sociais, como a droga, o alcoolismo, o tabagismo e o jogo. Mas não se pode comparar o ato de beber com o ato de jogar. A disseminação do alcoolismo não depende da quantidade de bares existente, nem os alcoólatras representam porcentagem elevada dos freqüentadores de bares.
Já o jogo -especialmente o bingo- é uma compulsão que depende basicamente da facilidade de acesso aos cassinos. Não se venha com o argumento de que, se proibir o jogo, os viciados irão recorrer a cassinos clandestinos. As donas de casa, os aposentados e as pessoas humildes frequentam bingos pela proximidade e pelo fato de ser atividade legal e aceita pela sociedade. Apenas uma pequena porcentagem aceitaria correr os riscos de frequentar cassinos clandestinos.
No ano passado foi feita pesquisa em um bingo de São José dos Campos que mostrou que 45% (!) dos freqüentadores são jogadores patológicos. Em 1997, outro estudo "Jogo Patológico: Um Estudo Sobre Jogadores de Bingo, Videopoker e Jockey Club", de Maria Paula de Magalhães Tavares de Oliveira, do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo, classificou 33% dos frequentadores como jogadores patológicos.
Os dois estudos foram feitos por pesquisadoras do Proad (Programa de Orientação e Atendimento a Dependentes), da Unifesp. Para o psiquiatra Marcelo Fernandes, que coordena o ambulatório de jogadores patológicos da Unifesp, o bingo democratizou o vício do jogo e já é a modalidade preferida entre dependentes, desbancando inclusive a loteria.
Velho adversário do jogo, das poucas pessoas que tentaram barrar a autorização aos bingos, o ex-senador José Serra escreveu artigo na época (republicado em seu recém lançado livro "Ampliando o Possível"), rebatendo mitos do jogo, como o de que os cassinos significariam mais empregos ou recursos externos para o país.
Em Las Vegas, cidade com a maior concentração de cassinos do mundo, 8,7% da população adulta (ou 70 mil pessoas) tem algum problema ligado ao jogo. No estado de Nevada (onde está Las Vegas e onde existem mais cassinos e há mais tempo nos EUA), o número de casos de suicídio é duas vezes maior do que na média do país. Estudo de 1995, feito em Iowa, mostrou que 5,4% da população do Estado tinham, naquele ano, algum problema mais sério com o jogo, contra apenas 1,7% da população antes da abertura dos barcos-cassinos na região.
Em Atlantic City, metade dos restaurantes da cidade fechou as portas dois anos depois da abertura dos cassinos na cidade, no final dos anos 70. Em Illinois, em 1995, a operação dos cassinos provocou perdas de US$ 1,9 bilhão para o comércio local. No mesmo Estado, todos os efeitos "positivos" trazidos pelos cassinos (pagamento de salários e compras na região) totalizaram US$ 1,8 bilhão também em 1995.
Em Wisconsin, o número de crimes cresceu 6,7% depois da abertura de cassinos. Somando-se os casos de crimes que decorrem indiretamente do jogo (como maus-tratos e agressões cometidas por viciados), o número cresceu para 9%. Como bem lembra Serra, o volume de dinheiro que circula em torno do jogo é suficiente para atrair dinheiro sujo, proveniente do tráfego de drogas e outras atividades ilegais.

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