São Paulo, segunda-feira, 11 de fevereiro de 2008

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Psicanalista vê "otimismo cego" na Bolsa

Vera Rita de Mello Ferreira, da PUC, recomenda aos investidores olhar o extrato bancário apenas uma vez por ano

Os economistas erram nas previsões porque é difícil analisar rapidamente e com isenção o que vai acontecer, diz a professora

TONI SCIARRETTA
DA REPORTAGEM LOCAL

A psicanalista Vera Rita de Mello Ferreira, professora de psicologia econômica da PUC-SP, diz que o "excesso de otimismo" levou os investidores a minimizarem os riscos. Ela afirma que a Bolsa "não é para qualquer um". Para alguns, ela recomenda "realizar prejuízo" para "não enlouquecer". Como conselho, diz: "Só olhe o extrato de investimentos uma vez por ano". A seguir, os principais trechos da entrevista.  

FOLHA - Como Freud explicaria a crise nos mercados?
VERA RITA FERREIRA
- O otimismo excessivo faz as pessoas esquecerem que o mercado passa por ciclos. Quando tudo vai bem, é muito difícil incorporar o fato de que há risco de perdas. A gente tem inúmeras limitações cognitivas. A nossa memória é falha. Tudo o que deu errado, você ou não lembra ou culpa terceiros. Também odeia frustração. A gente só pensa o que consegue aceitar. Por isso, achamos que tudo vai dar certo.

FOLHA - Como as pessoas que tomaram o primeiro tombo na Bolsa podem manter a serenidade?
FERREIRA
- A psicologia econômica diz para só olhar para os seus investimentos uma vez ao ano. Tem gente que é melhor sair agora, realizar prejuízo, mas não enlouquecer. A Bolsa não é para todo mundo.

FOLHA - Como a psicologia vê a decisão de investir com risco?
FERREIRA
- A recomendação é comprar na baixa e vender na alta, mas muitos vêem a Bolsa caindo, caindo... Como vou entrar agora? É o melhor momento. As pessoas não têm aversão a risco, mas a perdas.

FOLHA - Por que há pessoas que toleram mais perder?
FERREIRA
- Há pessoas que têm mais conhecimento e tolerância à frustração -então não entram com tanta ingenuidade e sabem jogar. Pouca gente faz a conta do quanto já ganhou -então pode perder um pouco.

FOLHA - Economistas falam que, ao socorrer com juro menor, o Fed estimula a irresponsabilidade do investidor. Como a psicologia vê isso?
FERREIRA
- O Fed [BC dos EUA] passa a mensagem de que vai socorrer sempre. Estimula a tendência de empurrar com a barriga e jogar a conta para a frente. Só que a conta chega.

FOLHA - A medida que mais acalmou foi o socorro às seguradoras. Por que um socorro funciona mais do que um estímulo na economia?
FERREIRA
- Tenho dúvida se foi aquilo que acalmou ou se ninguém agüentava mais tanta angústia. Qualquer coisa que fizessem naquele momento poderia ter a mesma função. Depois, cai tudo de novo.

FOLHA - No balanço dos culpados, todos lembram das agências de risco. Por que precisamos que um terceiro faça a avaliação do nosso risco?
FERREIRA
- Ninguém gosta de se responsabilizar, então prefere que venha um Deus ou uma autoridade para dizer o que está certo. As agências fizeram isso para os títulos imobiliários.

FOLHA - Os investidores comportam-se como manada? Por que é difícil pensar com a própria cabeça?
FERREIRA
- Às vezes, os primeiros estudaram as alternativas e pensaram com a própria cabeça. Os outros decidem fazer igual, mas não sabem o raciocínio completo. É como num telefone sem fio. Aconteceu isso na bolha da internet. Os primeiros pensavam em comprar uma empresa de busca; os últimos viam: termina com pontocom, então eu compro.

FOLHA - Por que os economistas sempre falham em suas previsões?
FERREIRA
- Ninguém tem bola de cristal nem sabe o que vai acontecer. Desesperada, a pessoa inventa qualquer coisa -ela acredita, faz os seus modelos. Sob tortura, estatística confessa qualquer coisa.


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