São Paulo, Quinta-feira, 11 de Março de 1999
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LUÍS NASSIF

A boa privatização que não sai

A Caixa Econômica Federal estima em R$ 50 bilhões o rombo do FGTS. Parte decorrente de empréstimos malconcedidos; parte de ações judiciais, que passaram a conceder IPC para os devedores do Fundo, e correção integral dos diversos planos econômicos para os credores (os trabalhadores que sacaram seu dinheiro). Se todos os correntistas do FGTS pretenderem sacar seus depósitos, não conseguirão mais do que 30% do que lhes é devido.
A União tem um conjunto de ativos: estatais que não foram privatizadas, créditos a receber, títulos públicos etc. A proposta do "encontro de contas" visa permitir ao governo utilizar as estatais para bancar esses rombos. Se FHC se recusar a utilizar as estatais para tal propósito, e persistir no único fim de atrair dólares para fechar as contas externas (problema profundamente minimizado pelas mudanças cambiais), significará deixar no prejuízo milhões de brasileiros.
No entanto, a proposta não avança. No governo Itamar, foi feito o reconhecimento de parte dos débitos do FGTS, na conta do Fundo de Compensação das Variações Salariais (FCVS). Qual a única moeda contemplada? Os créditos que o sistema bancário tinha junto ao FCVS. O crédito dos correntistas nem sequer foi analisado, a não ser com a possibilidade vaga de se sacar o saldo para participar individualmente dos leilões de privatização.
A única contra-indicação a essa proposta é da parte dos futuros beneficiários da privatização -os grupos econômicos de olho nas estatais a serem vendidas.
Do ponto de vista social, não haveria objetivo mais nobre do que utilizar as estatais para quitar passivos sociais. Do ponto de vista econômico, a proposta seria saudada pelos organismos internacionais, porque ajudaria a resolver definitivamente problemas estruturais crônicos da economia brasileira -os passivos ocultos do setor público. Do ponto de vista nacional, permitiria a criação de um mercado de capitais moderno, com a democratização do capital e um saldo expressivo nos fundos de pensão -maiores financiadores de economias modernas.
Então, por que não sai? O álibi da complexidade não vale. No fundo, não sai porque significaria mudar substancialmente a natureza da privatização, permitindo que seus benefícios fossem distribuídos pelo conjunto dos contribuintes.
FHC recusou muitas medidas de cunho social que considerava -com razão- paternalistas e comprometedoras das contas públicas. Moldou um discurso onde definia que o verdadeiro defensor das questões sociais era quem se preocupasse com a modernização da economia.
Qual o argumento para se recusar a analisar essa proposta, se ela é defensável sob qualquer critério de responsabilidade pública, e de gestão moderna da economia?

E-mail: lnassif@uol.com.br


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