São Paulo, quarta-feira, 11 de março de 2009

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PAULO RABELLO DE CASTRO

O próximo apagão financeiro


Talvez apenas o abalo sísmico possa fazer os líderes da pátria despertarem de sua própria escuridão

OS "SPREADS" nos mercados dão indicação de um próximo choque financeiro, de proporções semelhantes ao abalo após a quebra do Lehman Brothers.
Se o novo apagão acontecer, será um duro golpe nas previsões dos chamados "otimistas de vento", que insistem em projetar uma recuperação em "V" da economia americana.
Os números mais recentes do desemprego nos EUA -mais 650 mil dispensados apenas em fevereiro- tornam fantasiosas as expectativas de uma reversão rápida do quadro.
As autoridades americanas tentam, agora, abortar os efeitos da crise. O julgamento dos primeiros 60 dias de Obama é duro por dois motivos principais: o tamanho do problema e a natureza do abalo. A equipe do novo presidente herdou um colossal erro de diagnóstico de Paulson, o ex-secretário do Tesouro de Bush, e de Ben Bernanke, chefe do Fed. Ao considerarem o problema dos bancos como essencialmente uma "crise dos créditos subprime", o verdadeiro problema de solvência, advindo de classes múltiplas de ativos problemáticos, foi ignorado.
Nisso o Fed perdeu parte da credibilidade, quando seus ativos e passivos saltaram 100% em 2008, para cerca de U$$ 2 trilhões, em socorros bilionários a bancos e não-bancos.
O novo plano do secretário do Tesouro, o novato Tim Geithner, conseguiu uma proeza a mais: provou aos mercados que o tamanho do problema era, de fato, de vários trilhões de dólares, e que o governo Obama não tinha ideia clara de como lidar com a avalanche por acontecer! Isso foi um mês atrás. Desde então, a confiança dos investidores, que já era quase zero, embicou de vez, jogando fumaça sobre o anúncio do outro plano de Obama, seu pacote de "estímulos", com o qual o presidente pretende sustar a onda de desempregos. Senadores republicanos falam hoje em "deixar os grandes bancos quebrarem" para proteger os contribuintes de ruinosas e aparentemente inúteis operações de socorro.
Infelizmente, o tremor financeiro mundial aconteceu em ambiente de negação. O governo Bush pedalou sua saída de cena, deixando a Obama a batata fumegante. A questão crucial, neste momento, não é só o tamanho do problema, senão também a natureza do abalo. A sincronização planetária da crise gera ondas de impacto através das retrações sucessivas da demanda mundial por exportações. Nunca houve, em período que se tenha notícia, tal eliminação conjugada de gastos de consumo e investimento. Essa característica é totalmente nova, contrariando os otimistas de vento que viam China e demais Brics, inclusive nós, como os sustentadores da demanda cadente no âmbito do G7. Como não há fórmula keynesiana para os EUA se livrarem da retração, os governos vão gastar o dobro ou o triplo para conseguir metade do efeito esperado.
Todos se voltam para o encontro do G20, no dia 2, em Londres, mas ainda não se sabe de uma única ideia para pôr em prática no dia seguinte, ajudando a recompor a confiança.
Por isso, a economia mundial continuará convivendo com números muito desalentadores. O Brasil, bem defendido inicialmente, não escapará de uma deterioração lenta e progressiva, importada dos demais.
Chega a ser chocante, neste cenário de perigos, a absoluta alienação dos políticos em Brasília, que se esgrimam por vagas em arranjos de supostas candidaturas a 2010, numa economia tão prejudicada em sua trajetória de crescimento nos dois anos finais de Lula. Talvez apenas o abalo sísmico, um apagão geral, possa fazer os líderes da pátria despertarem de sua própria escuridão.


PAULO RABELLO DE CASTRO , 59, doutor em economia pela Universidade de Chicago (Estados Unidos), é vice-presidente do Instituto Atlântico e chairman da SR Rating, classificadora de riscos. Preside também a RC Consultores, consultoria econômica, e o Conselho de Planejamento Estratégico da Fecomercio-SP. Escreve às quartas-feiras, a cada 15 dias, nesta coluna.

paulo@rcconsultores.com.br



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