São Paulo, sábado, 11 de abril de 1998

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ARTIGO
Óculos para um país moderno

SYNÉSIO BATISTA DA COSTA
O município de Pauini, no sul da floresta amazônica, é o que registra o maior índice de analfabetismo do país: 81,65% de seus 18 mil habitantes não sabem ler nem escrever.
Intrigada, uma equipe da Escola Paulista de Medicina examinou recentemente 524 pauinienses, muitos deles alunos dos cursos de alfabetização. Resultado: 58% necessitam de óculos, cirurgias e tratamento oftalmológico. Detalhe: o município não tem uma única ótica.
Com exceção do índice de analfabetismo mais baixo, a realidade brasileira é surpreendentemente semelhante à de Pauini no que tange à situação oftalmológica.
Estima-se que cerca de 60% da população brasileira -cerca de 90 milhões de pessoas- sofra de algum tipo de deficiência visual. Desses, 42 milhões não estão cuidando do problema, sobretudo por razões financeiras.
Basta olhar os números da indústria ótica. O setor comercializou 20 milhões de pares de lentes, 15 milhões de óculos de receituário e 20 milhões de óculos de sol em 1997. O faturamento foi de R$ 500 milhões, 7,5% superior ao de 1996.
No entanto, os 150 fabricantes nacionais de lentes, blocos, armações, óculos de sol e equipamentos para óticas poderiam rapidamente elevar a produção e baratear os preços, para tornar os óculos cada vez mais acessíveis.
Para tanto, é necessário, primeiramente, um combate firme ao contrabando e ao subfaturamento no setor. Juntos, ambos responderam por nada menos que 38% do mercado consumidor em 97. Tornou-se urgente a adoção de ações efetivas e permanentes para combater tais práticas, desde repressão da Polícia Federal e da Receita Federal até a formatação de um esquema de valoração aduaneira.
Além disso, está na hora de corrigir algumas distorções tributárias. As lentes de vidro e outros materiais são corretamente consideradas como remédios, tendo alíquota zero de IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados). Já as lentes multifocais, embora tão utilizadas como as demais, continuam injustificadamente taxadas com alíquota de 8%.
Também não há explicação para o fato de as armações serem tributadas (10%), quando suas únicas finalidades são servir de suporte às lentes de grau e propiciar segurança na prevenção de acidentes de trabalho.
É fundamental que gastos com aquisição de produtos para correção visual possam vir a ser abatidos no cálculo do Importo de Renda para pessoas físicas. Não faz sentido permitir a dedução do preço da consulta ao oftalmologista e proibir a dos gastos com óculos.
Se a essas medidas se juntar um programa de financiamento do BNDES e da Finep, com taxas de juros de longo prazo idênticas às praticadas no mercado internacional, a indústria ótica responderá positivamente ao desafio de fazer mais brasileiros enxergarem melhor.
Investir R$ 300 milhões em produtividade, dobrar de 4.000 para 8.000 o número de trabalhadores e estabelecer um programa de qualidade são algumas das contrapartidas da indústria, que permitirão elevar a oferta e baratear os preços dos óculos até o ano 2000.
Evidentemente, o governo também poderá fazer a sua parte, se instituir exames de acuidade visual na rede pública e nas comunidades carentes. Centrais empresariais e sindicais poderão empreender mutirões, promovendo esses exames para os trabalhadores já existentes e exigindo-os dos que estiverem para ser admitidos.
Todas essas ações são relativamente simples. Um bom começo seria a sensibilização das várias instâncias de governo para a questão. Afinal, não poderemos viabilizar a mais importante de todas as reformas -a da educação, rumo ao Brasil moderno- se os brasileiros a serem atingidos por ela enxergam mal.


Synésio Batista da Costa, 41, economista, é presidente da Abrinq (Associação Brasileira dos Fabricantes de Brinquedos), da Abiótica (Associação Brasileira da Indústria de Produtos e Equipamentos Ópticos) e coordenador-executivo do Pró-Brasil - Movimento de Valorização do Produto Brasileiro.



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