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ARTIGO
Óculos para um país moderno
SYNÉSIO BATISTA DA COSTA
O município de Pauini, no sul da
floresta amazônica, é o que registra o maior índice de analfabetismo do país: 81,65% de seus 18 mil
habitantes não sabem ler nem escrever.
Intrigada, uma equipe da Escola
Paulista de Medicina examinou
recentemente 524 pauinienses,
muitos deles alunos dos cursos de
alfabetização. Resultado: 58% necessitam de óculos, cirurgias e tratamento oftalmológico. Detalhe: o
município não tem uma única ótica.
Com exceção do índice de analfabetismo mais baixo, a realidade
brasileira é surpreendentemente
semelhante à de Pauini no que
tange à situação oftalmológica.
Estima-se que cerca de 60% da
população brasileira -cerca de 90
milhões de pessoas- sofra de algum tipo de deficiência visual.
Desses, 42 milhões não estão cuidando do problema, sobretudo
por razões financeiras.
Basta olhar os números da indústria ótica. O setor comercializou 20 milhões de pares de lentes,
15 milhões de óculos de receituário e 20 milhões de óculos de sol
em 1997. O faturamento foi de R$
500 milhões, 7,5% superior ao de
1996.
No entanto, os 150 fabricantes
nacionais de lentes, blocos, armações, óculos de sol e equipamentos
para óticas poderiam rapidamente
elevar a produção e baratear os
preços, para tornar os óculos cada
vez mais acessíveis.
Para tanto, é necessário, primeiramente, um combate firme ao
contrabando e ao subfaturamento
no setor. Juntos, ambos responderam por nada menos que 38% do
mercado consumidor em 97. Tornou-se urgente a adoção de ações
efetivas e permanentes para combater tais práticas, desde repressão
da Polícia Federal e da Receita Federal até a formatação de um esquema de valoração aduaneira.
Além disso, está na hora de corrigir algumas distorções tributárias. As lentes de vidro e outros
materiais são corretamente consideradas como remédios, tendo
alíquota zero de IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados). Já
as lentes multifocais, embora tão
utilizadas como as demais, continuam injustificadamente taxadas
com alíquota de 8%.
Também não há explicação para
o fato de as armações serem tributadas (10%), quando suas únicas
finalidades são servir de suporte às
lentes de grau e propiciar segurança na prevenção de acidentes de
trabalho.
É fundamental que gastos com
aquisição de produtos para correção visual possam vir a ser abatidos no cálculo do Importo de Renda para pessoas físicas. Não faz
sentido permitir a dedução do
preço da consulta ao oftalmologista e proibir a dos gastos com óculos.
Se a essas medidas se juntar um
programa de financiamento do
BNDES e da Finep, com taxas de
juros de longo prazo idênticas às
praticadas no mercado internacional, a indústria ótica responderá positivamente ao desafio de fazer mais brasileiros enxergarem
melhor.
Investir R$ 300 milhões em produtividade, dobrar de 4.000 para
8.000 o número de trabalhadores e
estabelecer um programa de qualidade são algumas das contrapartidas da indústria, que permitirão
elevar a oferta e baratear os preços
dos óculos até o ano 2000.
Evidentemente, o governo também poderá fazer a sua parte, se
instituir exames de acuidade visual na rede pública e nas comunidades carentes. Centrais empresariais e sindicais poderão empreender mutirões, promovendo esses
exames para os trabalhadores já
existentes e exigindo-os dos que
estiverem para ser admitidos.
Todas essas ações são relativamente simples. Um bom começo
seria a sensibilização das várias
instâncias de governo para a questão. Afinal, não poderemos viabilizar a mais importante de todas as
reformas -a da educação, rumo
ao Brasil moderno- se os brasileiros a serem atingidos por ela enxergam mal.
Synésio Batista da Costa, 41, economista, é
presidente da Abrinq (Associação Brasileira dos
Fabricantes de Brinquedos), da Abiótica (Associação Brasileira da Indústria de Produtos e
Equipamentos Ópticos) e coordenador-executivo do Pró-Brasil - Movimento de Valorização do
Produto Brasileiro.
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