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LIÇÕES CONTEMPORÂNEAS
O nosso dinheiro e o dinheiro deles
MARIA DA CONCEIÇÃO TAVARES
Pronto! Uma volta a mais na
"ciranda financeira internacional" que capturou o Brasil na
armadilha do endividamento
externo contínuo e o pessoal já
está soltando foguetes de novo.
Se fosse só o pessoal deles, que
joga com o "nosso dinheiro" como se estivesse num cassino viciado, ainda vá lá. Infelizmente,
os nossos ex-burgueses associados ou "dependentes" também
entraram na roleta russa. Na
ânsia de seguir o jogo global e de
se converter em conglomerados
poderosos, vários deles se endividaram em centenas de milhões de dólares e agora pagam
as penas do jogo: serão devidamente esquartejados e desnacionalizados pelo tão almejado
"investimento direto" necessário para fechar as contas externas neste ano da (des)graça de
1999.
Não há por que chorar pela
perda do dinheiro deles, convertidos quase todos em rentistas
individuais multimilionários.
Sim, mas o que fazer com as perdas causadas ao setor público e
ao povo brasileiro em geral?
Traduzindo: o que faremos para
recuperar o "nosso dinheiro" e o
emprego da nossa gente?
Com a depreciação cambial,
muitos se congratularam por estarmos finalmente libertos do
círculo vicioso que impedia o
nosso crescimento. Doce ilusão!
Aí voltam à carga os donos do
pensamento único que aceitam
a recessão, a continuidade do
"financiamento" externo com
capital especulativo e a desnacionalização completa como
uma fatalidade ou até mesmo
como uma benesse.
Com a morte do real forte, instalou-se o medo da catástrofe
-inflação descontrolada, quebradeira generalizada ou moratória das dívidas internas e externas- que assolou os dias e as
noites das pessoas bem intencionadas deste país. Esse sentimento de pânico levou quase todas
as elites do "mercado" e fora dele a celebrar com alívio a renovação do acordo com o FMI. Todos parecem ter aceitado, de alma leve, as espinafrações do diretor do Fundo que não pouparam ninguém, desde o ex-quase
presidente do BC ao presidente
da República.
O primeiro, coitado, saiu como
bode expiatório das estripulias e
conivências das nossas "autoridades monetárias" com o "mercado". Pelo andar da carruagem, será talvez a única vítima
moral da famosa CPI dos Bancos, que, pelas declarações do
nosso presidente, não assusta
ninguém. Aliás, como confessou
em entrevista recente ao "Jornal
do Brasil", o primeiro mandatário só perdeu mesmo o sono
quando o Congresso em dezembro passado não votou a espoliação dos aposentados. Estes,
que só contam como números no
"nosso" ajuste fiscal permanente, além de terem uma alegria de
pouca duração ainda foram
considerados o estopim da crise
cambial!!
O Veríssimo tem razão: o cinismo é contagioso. As piadas
chulas que circulam no "mercado" -refastelado com os bilhões de lucros nas mudanças de
posições no mercado futuro à
véspera da desvalorização cambial- dão prova disso. As piadas não são publicáveis, mas podem ser traduzidas pelo seguinte mote: podem bater desde que
voltem.
Pois bem, o "dinheiro deles"
bateu pesado no "nosso pobre
dinheiro", mas voltou sob a asa
protetora do novo empréstimo
do Fundo e sua vigilância draconiana. Voltaram a operar no
Brasil com a desenvoltura de
quem está num "paraíso fiscal".
Desta vez as "regras de convivência" impostas pelo dinheiro
deles são explícitas: nada de imposto, nada de controles, e aceitem a distribuição de carteira
que mais interessar ao cassino.
O nosso(?) Banco Central acompanha as instruções coordenadas dos três grandes: Citibank,
Morgan e Merryl Lynch. Eles indicam o casamento das posições
no mercado futuro, fazem a primeira movida e todos os piranhas nacionais e internacionais
vão atrás.
O capital especulativo, devidamente monitorado, se esbaldou em março! Entraram US$
750 milhões em "nossas" Bolsas,
puxando os preços desbaratados
em dólar das "blue chips", teles,
elétricas e Petrobrás, reforçando
a subida prévia das ADRs na
Bolsa de Nova York. Entrou
também US$ 1,9 bilhão de aplicação em títulos de renda fixa,
com um cupom em dólar de fazer água na boca (deles). Não
contentes com isso, pediram os
bons serviços do BC para gastar
US$ 1 bilhão das "novíssimas reservas" em pré-pagamentos no
mercado secundário de bradies,
o que ajudou e muito os detentores privados desses títulos.
É assim que se cumpre o cronograma de intervenção no mercado de câmbio pautado no novo
acordo com o FMI até julho. O
resto é conversa fiada.
E a depreciação cambial não
surtiu efeito sobre as exportações? Nenhum até agora. Os preços em dólares das commodities
caíram e o valor das exportações
captado pelos produtores foram
para o brejo, o que, se bem ajuda
a combater a inflação, não é nada bom para a renda nacional
nem para produzir o almejado
ajuste do balanço em transações
correntes. A reversão do déficit
comercial está sendo feita à custa de uma recessão cavalar da
indústria, que cortou drasticamente as importações de matérias-primas e de partes e peças, e
será lida no futuro por algum
economista desavisado como
"substituição de importações".
Não dá para ver tantos bons
amigos de alma pura serem convencidos de que o pior já passou
e que uma nova bolha de capitais especulativos garantiria
uma expansão de crédito que
nos permitiria retomar o crescimento com tranquilidade. E
ainda ter de aturar (de novo!) a
propaganda de que os fiadores
da "nossa" credibilidade são outra vez as reformas fiscal e da
Previdência que "eles" querem
nos impingir!
Vou entrar em recesso espiritual. Quero deixar de ler jornais
(ao menos por um mês) e concentrar-me na releitura dos
meus velhos textos do "Auge e
declínio da substituição de importações ao capitalismo financeiro", passando pelo "Além da
estagnação" que escrevi a quatro mãos com o Serra.
Quem sabe assim ganhe ânimo para explicar aos meus novos alunos, que ainda não tinham nascido quando escrevi
esses textos, as armadilhas que
pesam sobre o nosso futuro: a
novíssima substituição de importações sem crescimento do
mercado interno. A nova onda
de privatizações e desnacionalização do que sobra da indústria
e dos bancos nacionais, conduzindo à mais gigantesca acumulação e centralização do capital
financeiro (deles), à custa de um
encilhamento sem precedentes
das (nossas) contas públicas. De
como está sendo produzido neste país um rentismo de novo estilo capaz de deixar pálida de
inveja a "burguesia compradora" dos velhos tempos e matar
de susto, se estivesse vivo, o velho Keynes.
Definitivamente, preciso escrever um outro "Além da estagnação" com novos companheiros de jornada. Terei de reunir
todas as energias utópicas de luso-brasileira para tentar celebrar os nossos 500 anos (de Cabral ao Capitalismo Virtual) e
ajudar os muitos jovens a recuperar a nossa difícil memória
histórica. De preferência antes
que acabem de vez com o "nosso
dinheiro" e a nossa esfarrapada
soberania.
Maria da Conceição Tavares, 68, economista, é professora emérita da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), professora associada da Universidade de Campinas (Unicamp) e ex-deputada federal (PT-RJ).
www.abordo.com.br/mctavares
e-mail: mctavares@cdsid.com.br
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