São Paulo, Domingo, 11 de Abril de 1999
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TENDÊNCIAS INTERNACIONAIS

Investimento direto também é perigoso

GILSON SCHWARTZ
da Equipe de Articulistas

No princípio, era a xenofobia, o horror ao capital estrangeiro. Com o tempo, a maioria dos países em desenvolvimento adotou a crença oposta, tratando de atrair investimentos externos a qualquer custo. Agora, talvez estejam surgindo indicações de que é possível uma atitude mais pragmática, madura e responsável.
Atitudes como a do governador do Rio Grande do Sul, Olívio Dutra, que está provocando uma revisão do acordo feito pelo seu antecessor com a Ford do Brasil, podem ser polêmicas do ponto de vista jurídico. Mas, do ponto de vista econômico, elas parecem alinhadas com o que há de mais atual no debate sobre políticas de atração de investimento direto.
Uma obra importante, que apresenta uma ampla revisão da literatura e de casos em todo o mundo, foi publicada no final de 1998 pelo "Institute for International Economics" ("Foreign Direct Investment and Development", de Theodore Moran, da Georgetown University).
O livro examina praticamente todos os modelos e instrumentos de atração de investimento direto. Suas principais conclusões recomendam cautela na guerra por capitais externos. Muitas vezes o custo de atrair uma empresa é bem superior ao benefício. Mais ainda, levando em conta a desigualdade entre as nações, os países menos desenvolvidos talvez fizessem melhor combatendo a guerra global por investimentos, pois muitas vezes não têm chances de competir com os incentivos oferecidos pelos governos dos países mais industrializados.
Um dos pontos sublinhados por Moran é o risco associado à capacidade de mobilização política das empresas multinacionais. Mas, se essas empresas eram criticadas pela esquerda por apoiarem políticas de direita, o argumento agora aparece invertido.
As empresas, beneficiadas por acordos protecionistas, por subsídios e créditos oficiais, tornam-se defensoras da intervenção do Estado na economia (a seu favor, claro) e inimigas da abertura comercial. Obviamente, nessa mobilização elas organizam lobbies que incluem sindicatos e empresários integrados em suas linhas de produção.
Ou seja, as empresas beneficiadas parecem defender políticas econômicas "de esquerda", em defesa do emprego e da produção local. Segundo Moran, em muitos casos essa estratégia apenas esconde os custos elevados do acordo setorial para o resto da sociedade e mesmo para outros setores econômicos.
Para quem está acompanhando algumas das manifestações públicas de protesto contra a revisão do acordo com a Ford no Rio Grande do Sul, o cenário corresponde como uma luva ao retrato desenhado no livro de Moran.
Há inúmeros outros riscos associados ao IDE (investimento direto estrangeiro). Aliás, em muitos casos é difícil estabelecer a fronteira entre o que é e o que não é investimento direto. Fluxos de IDE podem ser acompanhados de operações de "hedge" cambial, por exemplo. Nesse caso, o dinheiro de longo prazo cria fluxos de curto prazo que podem ser bastante voláteis.
Outras modalidades de fluxo financeiro são apenas aparentemente mais estáveis. Os créditos ao comércio exterior são o melhor exemplo e, como se viu nos últimos meses, podem responder a impulsos tão especulativos quanto os que imperam numa Bolsa de Valores.
Finalmente, é bom lembrar que a participação das fusões e aquisições no total do IDE no mundo tem crescido (passou de 48,2% em 96 para 59% em 97, segundo a Unctad). Ou seja, contabiliza-se como investimento algo que não cria nova capacidade produtiva, só promove mudanças de donos.


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