São Paulo, Domingo, 11 de Abril de 1999
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DESVALORIZAÇÃO CAMBIAL
Mudança no câmbio acelera investimentos para fabricação local de produtos antes importados
País testa ciclo de substituição de importado

RICARDO GRINBAUM
da Reportagem Local

O produto made in Brazil voltou à moda. Na última Automec, a feira dos fabricantes de autopeças realizada em março, o sinal foi dado pelas montadoras de veículos. Fiat e Mercedes-Benz apresentaram peças importadas usadas em seus carros e pediram aos fabricantes brasileiros que fizessem propostas de produção por um preço mais baixo. Só a montadora italiana cadastrou 180 novos potenciais fornecedores.
A Natura, um dos maiores fabricantes brasileiros de cosméticos, está negociando a vinda para o país de três fornecedores da França e dos Estados Unidos. Em Americana, no interior de São Paulo, os donos de confecções estão confiantes na recuperação do mercado perdido para os importados.
"Há dois anos tivemos de abandonar nosso carro-chefe, os tecidos para vestuário feminino, por causa dos importados. Agora, estamos investindo para aumentar a produção", diz Alexandre Dahruj Jr., dono de uma confecção que fatura R$ 30 milhões por ano e que acaba de comprar duas novas máquinas, por R$ 500 mil.
Mesmo com a recessão e a incerteza que rondam a economia, os empresários estão fazendo planos para aumentar as compras no Brasil. O objetivo é se adaptar a uma mudança trazida pela desvalorização do real: ficou mais barato produzir no país do que trazer as mercadorias do exterior.
A mudança traz de volta uma velha estratégia. Neste século, a política de substituição de importações foi um dos principais motores da indústria. Surtos industriais, como a era Vargas, os 50 anos em 5 de Juscelino Kubitschek e o milagre econômico da ditadura militar, foram baseados na troca das importações pela produção local.
"Deve haver uma reconstituição dos elos da cadeia produtiva que tinham sido substituídos por importados devido à abertura atabalhoada da economia", diz o ex-ministro João Paulo dos Reis Velloso. "O país também deve começar a fabricar produtos que não eram feitos aqui por falta de competitividade".

Nacionalização
Ainda é cedo para saber as dimensões do novo processo de substituição de importações e se o país continuará se recuperando como prevê o governo. Mas uma coisa é certa: a mexida no câmbio provocou uma virada na base da economia.
"Quando o governo começou a abrir a economia, em 1990, a moeda já estava sobrevalorizada em relação a média da década de 80", diz Maurício Mesquita, economista do BNDES. "Como se valorizou ainda mais 35% até 98, provocou exagero na substituição de produtos nacionais por importados."
A participação dos importados no mercado de produtos industriais saltou de 4,8% para 18,8% entre 1989 e 1998. O maior avanço ocorreu entre os fabricantes de aparelhos eletrônicos e de comunicação, um aumento de 11,6%, em 1989, para 60,4%, em 1998.
Outras indústrias muito atingidas foram as de máquinas e de equipamentos. Em 1989, os importados representavam 13,3% do mercado, contra 51,4% no ano passado. Agora, a expectativa é de que os fabricantes brasileiros recuperem espaço. "Estamos recebendo muitas consultas, mas os negócios ainda não foram fechados porque os investidores estão cautelosos com a economia", diz Luiz Carlos Delben Leite, presidente da associação dos fabricantes de máquinas.

Proteção do governo
Há uma grande diferença entre o atual processo de substituição de importações e os ciclos das décadas de 50 e de 70. No passado, o governo fechou a economia aos importados e deu subsídios para as empresas se desenvolverem.
É pouco provável que isso volte a ocorrer. O Brasil assinou acordos, como o do Mercosul, que prevêem uma crescente abertura da economia. O governo também se comprometeu a ajustar suas contas, o que dificulta a concessão de novos subsídios.
" Brasil ainda é incrivelmente fechado" diz o economista Eduardo Gianetti da Fonseca. "Nosso problema não é reduzir as importações, mas aumentar as exportações e nossa participação no comércio mundial."
A rigor, a taxa de importação da economia brasileira ainda é baixa, quando comparada a de outros países, como Itália ou Alemanha. O problema, segundo especialistas, é que a abertura foi feita de maneira descontrolada. A combinação de abertura com câmbio sobrevalorizado e juros altos deixou empresas em situação frágil.
Agora, as indústrias podem recuperar terreno, mas numa situação diferente.
Como a economia continua progressivamente sendo aberta aos importados, as indústrias terão de se manter eficientes para não perder espaço.
"O governo deve ajudar as indústrias e os fornecedores a se organizar para substituir importações, mas não deve incentivar a produção local de empresas sem escala e qualidade internacional porque prejudicaria toda a cadeia produtiva", diz o economista Luciano Coutinho.
Para o ex-ministro Mailson da Nóbrega, as empresas estão hoje numa situação melhor para enfrentar a competição internacional do que nos tempos de economia fechada.
"Por força da abertura e do câmbio, um grupo importante de empresas brasileiras se modernizou e atingiu padrões de qualidade que não devem nada aos do exterior."


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