São Paulo, terça-feira, 11 de julho de 2006

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BENJAMIN STEINBRUCH

O país do "deixa pra lá'

Por que os brasileiros saíram de campo contra a França como se tivessem perdido um jogo de campeonato regional?

RESISTI QUANTO pude à idéia de retomar o tema da Copa do Mundo. A decepção com a derrota da seleção brasileira para a França foi tão grande que parecia melhor esquecer o assunto, na suposição de que esse infortúnio seria apenas esporte, nada mais. Mas me dei conta de que as coisas não são bem assim.
Nós, brasileiros, não podemos nos acostumar com uma espécie de comportamento que não apura responsabilidades e, principalmente, não tira lições de seus erros e fracassos. Coisa parecida costuma ocorrer em outras áreas. No caso do mensalão, por exemplo, depois de todo o barulho que se fez, a maior parte das dúvidas foi jogada para debaixo do tapete, para que seja esquecida.
Há que resistir à cultura do "deixa pra lá", muito comum no país. Não se trata de cobrar a seleção pela derrota -derrotas fazem parte do futebol e da vida. Ela tem de ser cobrada pelo comportamento dos jogadores e da comissão técnica. Por que o técnico não escalou os jogadores que estavam em melhor condição, mais motivados, principalmente os mais jovens? Por que insistiu com outros que pareciam apenas interessados em quebrar recordes pessoais? Por que os jogadores brasileiros não mostraram determinação para buscar as vitórias durante toda a Copa? Por que saíram de campo no jogo contra a França como se tivessem perdido uma partida qualquer de um campeonato regional?
É preciso buscar respostas para essas perguntas, porque, se isso não for feito, tudo pode se repetir na próxima Copa. Algumas lições já estão muito claras. Não se pode mais, por exemplo, formar toda a seleção com jogadores que atuam no exterior, os chamados "estrangeiros". Esses atletas, com honrosas exceções, são pessoas "globalizadas", que já não carregam como os jogadores do passado o sentimento forte de brasilidade. Terminada a Copa, um vai para uma balada em Madri, outro para Nova York, outro para Milão. Nenhuma lágrima. Desembarcam no Brasil apenas alguns reservas bois de piranha e dois ou três que atuam em clubes daqui.
A segunda lição, banal, que se adota também nas corporações empresariais, é que sempre se deve mesclar experiência com juventude. Nada contra jogadores veteranos. Zidane, com 34 anos, estava no Estádio Olímpico de Berlim, na final de domingo, quando a Itália ganhou seu tetracampeonato, e jogava bem até o momento em que perdeu a cabeça e agrediu o zagueiro italiano Materazzi. Mas nossos veteranos estavam fora de forma, e a comissão técnica, que se gaba de formar equipes vencedoras, não teve coragem para substituí-los. Muito diferente do que fez Vicente Feola na distante Copa de 1958, na Suécia, quando pôs em campo, no lugar de velhas estrelas, um garoto de 18 anos, Pelé, e um jovem ponta-direita de pernas tortas, Garrincha.
Talvez escape à percepção de jogadores e de membros da comissão técnica o fato de que Copa do Mundo não é apenas futebol. Em tempos de paz, essa competição, mais do que qualquer outra, é a exibição on-line de qualidades nacionais. Durante um mês, o mundo fica parado diariamente por horas a fio diante das TVs. Bilhões de pessoas interrompem suas atividades, gostem ou não de futebol, para ver nações em combate. Jogadores são quase soldados com pés de baionetas. Nesse contexto, o que ocorreu no jogo contra a França foi uma deserção. Nossos soldados desistiram da batalha e perderam sem honra.
Portugal, por exemplo, comandado pelo treinador brasileiro Luiz Felipe Scolari, é um caso exemplar. Perdeu com honra e foi aclamado por sua torcida. Em 1982, a seleção brasileira formada pelo técnico Telê Santana foi eliminada pela Itália na Copa da Espanha, mas voltou ao Brasil sob aplausos e até hoje é citada como uma das melhores de todos os tempos.
A campanha da Copa 2010, na África do Sul, começa já, com uma obrigatória modificação completa da comissão técnica. Por coincidência, as escolhas dos novos dirigentes se darão ao mesmo tempo em que o país escolhe também seus novos representantes no governo. Está na hora de escolher melhor essa gente, seja no futebol, seja na política. Volta, Felipão!


BENJAMIN STEINBRUCH , 52, empresário, é diretor-presidente da Companhia Siderúrgica Nacional, presidente do conselho de administração da empresa e primeiro vice-presidente da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo).
@ - bvictoria@psi.com.br


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