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São Paulo, segunda-feira, 11 de agosto de 2003

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OPINIÃO ECONÔMICA

Mensagem que Lula não leu

MARCOS CINTRA

Esta carta foi dirigida a um amigo, que é um dos mais próximos colaboradores do presidente da República.
Por meio desse portador, pretendia conseguir uma audiência com o presidente Lula e assim poder expressar uma visão sobre a reforma tributária, que está entalada na garganta de milhões de contribuintes.
Apesar da energia que certamente meu amigo palaciano despendeu e compreendendo as dificuldades de agenda do presidente, não obtive a desejada confirmação. Por isso transformo a missiva em uma carta (que gostaria que tivesse chegado) ao presidente.
"Caro amigo,
Tenho insistido nesse encontro pessoal com o presidente Lula para lhe transmitir algo que considero capaz de mudar, para melhor, a trajetória econômica brasileira. Refiro-me ao Imposto Único, proposta que venho defendendo desde 1990 e que, apesar da oposição sistemática que vem enfrentando, já gerou subprodutos positivos como o Simples (imposto único para micro e pequenas empresas) e a busca por simplicidade e transparência tributárias.
O Imposto Único é protagonista em um dos mais dramáticos divórcios entre a opinião pública e a classe dirigente. Apesar de tachada por seus adversários de ser uma utopia, acusada de ser imposto "em cascata" e, "ipso facto", ineficiente e indesejável, a experiência com a CPMF vem revelando um absoluto sucesso. Em todos os foros internacionais a experiência brasileira é vista como grande novidade tributária que a era da informática legou ao mundo moderno.
Por duas vezes o Datafolha ouviu a opinião pública sobre o tema. A última pesquisa, realizada em julho do ano passado e publicada na Folha em 1º de agosto de 2002, mostrou que aproximadamente 40% da população brasileira já ouviu falar no Imposto Único e 70% se mostraram favoráveis a sua implantação.
Quero enfatizar que, se a proposta do Imposto Único for encaminhada aos escalões técnicos do governo, sofrerá os mesmos vetos de sempre. Apenas a sensibilidade política do presidente Lula poderia desobstruir a discussão, daí a minha insistência no contato pessoal.
O que ainda pode ser feito
1) A reforma tributária já está em andamento, e não seria aconselhável fazê-la retroceder ou alterar suas principais decisões e orientações, já discutidas com a sociedade e viabilizadas politicamente.
2) Contudo há espaço para melhorá-la. Sugiro um passo em direção ao ideal do Imposto Único. Seria um aperfeiçoamento que ampliaria o apoio e a legitimação da proposta do governo perante a sociedade ao incluir conceitos na direção de criar no Brasil um modelo futuro não-declaratório, insonegável, universal e justo.
3) O projeto do Executivo seria pouco alterado. A única modificação se daria na CPMF e na proposta de financiamento da seguridade social.
4) Seria mantido o espírito original do projeto, que prevê a desoneração da folha de salários das empresas mediante a substituição da contribuição patronal ao INSS por contribuição específica incidente sobre a receita ou faturamento.
5) Enorme progresso seria efetuado se a contribuição patronal ao INSS a ser eliminada fosse substituída por uma nova contribuição sobre movimentação financeira, tipo CPMF. Uma contribuição de 0,5% sobre movimentação financeira seria suficiente e não seria contrária ao texto do governo.
6) A desoneração de folha seria total, estimulando o emprego e a formalização do trabalho. A nova contribuição tem o mérito de ser universal, insonegável, e reduziria significativamente os custos de produção e os preços ao consumidor.
7) O mais importante é que abriria espaço para a elevação de salários reais, sem pressões inflacionárias e com redução de preços e aumento do poder aquisitivo. Seria um projeto de crescimento econômico mediante redistribuição da renda dos sonegadores para os assalariados.
8) Essa proposta já foi discutida com o ministro Berzoini e apresentada em seminário no Ministério da Previdência Social. A grande restrição à proposta foi a cumulatividade da nova contribuição. A equivocada argumentação de que tributos cumulativos são sempre ineficientes tornou-se palavra de ordem no debate nacional.
9) A solução é tornar a contribuição optativa. As empresas que desejarem evitar a cumulatividade teriam a alternativa de compensar o pagamento da nova contribuição com o recolhimento da contribuição ao INSS sobre folha ou sobre faturamento (receita) de forma não-cumulativa, como consta na PEC do Executivo.
10) Minha expectativa é que a opção pelo sistema não-declaratório seria maciça, comprovando a aceitação da filosofia tributária do Imposto Único e abrindo caminho para uma autêntica reforma tributária a ser efetuada futuramente em nosso país.
11) Neste ínterim, a folha de pagamentos das empresas seria desonerada, a massa salarial poderia ser ampliada, o aumento da demanda estimularia o investimento e a retomada do crescimento. O sistema tributário se tornaria menos sonegável, mais justo e mais abrangente. E a acusação de cumulatividade, ou de existência de impostos "em cascata", seria totalmente neutralizada."


Marcos Cintra Cavalcanti de Albuquerque, 57, doutor pela Universidade Harvard, professor titular e vice-presidente da FGV, é secretário das Finanças de São Bernardo do Campo e autor de "A verdade sobre o Imposto Único" (LCTE, 2003). Escreve às segundas-feiras, a cada 15 dias, nesta coluna. Internet: www.marcoscintra.org

E-mail -
mcintra@marcoscintra.org


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