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LIÇÕES CONTEMPORÂNEAS
O grande ajuste imprescindível
LUCIANO COUTINHO
Será uma tarefa hercúlea efetuar, num prazo relativamente curto, o esforço de aumento das
exportações e de substituição de
importações necessário para reduzir drasticamente a vulnerabilidade externa da economia brasileira. Esse esforço é imprescindível a uma nova política macroeconômica, benigna, capaz de
manter juros baixos e sustentar o
crescimento.
A maxidepreciação de 1999 permitiu que um crescente desequilíbrio da balança comercial (de
US$ 8 bilhões por ano) recuasse
até atingir um déficit bem menor
(em torno de US$ 1 bilhão). Prevê-se, agora, que, depois da máxi
de 2001, dependendo do ritmo de
expansão da economia brasileira
e do comércio mundial em 2002, o
estímulo cambial possa resultar
em superávit comercial na faixa
entre US$ 3 bilhões e US$ 5 bilhões. Esse superávit poderá continuar crescendo em 2003 e 2004
para perto de US$ 8 bilhões por
ano se a taxa real de câmbio não
voltar a se apreciar (isso pressupõe que o Banco Central não permitirá a apreciação, optando
sempre por cortar mais a taxa de
juros).
Conclui-se, portanto, que o estímulo cambial recente não é, per
se, suficiente para corrigir mais
efetivamente o desequilíbrio do
balanço de pagamentos. Na verdade, seria necessário que o superávit comercial alcançasse pelo
menos US$ 15 bilhões nos próximos três anos para reduzir o déficit em conta corrente a uma cifra
mais facilmente manejável. A
composição da pauta brasileira
de exportação, concentrada em
commodities agrícolas, agroindustriais e minerais, explica essa
baixa elasticidade-câmbio das
exportações. Os estímulos cambiais não funcionam tão bem
num contexto de crescimento
mais lento do comércio mundial,
em que os preços das commodities podem cair um pouco mais.
De outro lado, a depreciação
cambial tende a ser efetiva no que
toca à redução da importação de
bens de consumo supérfluos e à
diminuição dos gastos de turismo
no exterior. Esse efeito é, porém,
quantitativamente limitado. Para obter resultados mais expressivos na balança comercial em prazo mais curto (isto é, de três anos)
sem onerar a sociedade com uma
estagnação prolongada, é indispensável contar com políticas industriais e comerciais ativas, estruturadas por cadeias setoriais.
A primeira grande tarefa é ampliar o saldo dos setores tradicionalmente competitivos de commodities (agricultura, agroindústrias, minérios processados, celulose-papel, siderurgia, alumínio),
que hoje representam superávit
comercial de US$ 17 bilhões. Esses
setores precisariam agregar, até
2004, mais US$ 6 bilhões ao superávit comercial, o que exigiria a
conquista de novos mercados e a
agregação de valor aos produtos,
além de substanciais investimentos para aumentar a capacidade
produtiva. A segunda tarefa relevante é recuperar e ampliar os
saldos comerciais de setores manufatureiros com razoável potencial competitivo. Vários desses setores já ostentaram superávits expressivos, que depois recuaram
por causa da política de valorização cambial do Plano Real. Cadeias setoriais como couro-calçados, têxteis-vestuário, eletrodomésticos, automobilístico-autopeças etc., que hoje geram superávit de US$ 2 bilhões, poderiam
mais que dobrar sua contribuição, adicionando mais US$ 3 bilhões ao saldo atual. A consecução desse resultado exige a ampliação de participações existentes e a conquista de novos mercados, a melhoria da qualidade e do
design dos produtos e a promoção
comercial muito ativa.
Finalmente, a terceira grande
tarefa é reduzir substancialmente
os onerosos déficits nos setores do
complexo eletrônico (telecomunicações, informática, componentes), químico (petroquímicos, especialidades, plásticos, fármacos
e farmacêutica) e de bens de capital (máquinas e equipamentos especializados, sob encomenda e seriados), cujo montante ascende a
US$ 16 bilhões. É necessário substituir importações numa escala
mínima de US$ 6 bilhões por
meio de uma firme política industrial de incentivo à produção no
país, o que exige financiamentos
a juros reduzidos e tratamento
tributário-tarifário estimulante
para novos projetos, a serem negociados principalmente com
grandes empresas estrangeiras.
Por fim, é ainda indispensável
que a Petrobras perfaça seu programa de aumento da oferta doméstica de petróleo e derivados.
Mencione-se, ainda, um incisivo
esforço comercial a ser efetuado
no setor de turismo.
Resumo: é viável, embora árdua, a transição para um regime
macroeconômico benigno. Porém, esse processo exige grande
mobilização de energias empresariais e requer o primado, por
vários anos, desses objetivos de
comércio exterior sobre a orientação geral da política econômica.
Luciano Coutinho, 54, é professor titular do Instituto de Economia da Universidade de Campinas (Unicamp). Foi secretário-geral do Ministério da Ciência e
Tecnologia (1985-88).
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