São Paulo, domingo, 11 de novembro de 2001

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LIÇÕES CONTEMPORÂNEAS

O grande ajuste imprescindível

LUCIANO COUTINHO

Será uma tarefa hercúlea efetuar, num prazo relativamente curto, o esforço de aumento das exportações e de substituição de importações necessário para reduzir drasticamente a vulnerabilidade externa da economia brasileira. Esse esforço é imprescindível a uma nova política macroeconômica, benigna, capaz de manter juros baixos e sustentar o crescimento.
A maxidepreciação de 1999 permitiu que um crescente desequilíbrio da balança comercial (de US$ 8 bilhões por ano) recuasse até atingir um déficit bem menor (em torno de US$ 1 bilhão). Prevê-se, agora, que, depois da máxi de 2001, dependendo do ritmo de expansão da economia brasileira e do comércio mundial em 2002, o estímulo cambial possa resultar em superávit comercial na faixa entre US$ 3 bilhões e US$ 5 bilhões. Esse superávit poderá continuar crescendo em 2003 e 2004 para perto de US$ 8 bilhões por ano se a taxa real de câmbio não voltar a se apreciar (isso pressupõe que o Banco Central não permitirá a apreciação, optando sempre por cortar mais a taxa de juros).
Conclui-se, portanto, que o estímulo cambial recente não é, per se, suficiente para corrigir mais efetivamente o desequilíbrio do balanço de pagamentos. Na verdade, seria necessário que o superávit comercial alcançasse pelo menos US$ 15 bilhões nos próximos três anos para reduzir o déficit em conta corrente a uma cifra mais facilmente manejável. A composição da pauta brasileira de exportação, concentrada em commodities agrícolas, agroindustriais e minerais, explica essa baixa elasticidade-câmbio das exportações. Os estímulos cambiais não funcionam tão bem num contexto de crescimento mais lento do comércio mundial, em que os preços das commodities podem cair um pouco mais. De outro lado, a depreciação cambial tende a ser efetiva no que toca à redução da importação de bens de consumo supérfluos e à diminuição dos gastos de turismo no exterior. Esse efeito é, porém, quantitativamente limitado. Para obter resultados mais expressivos na balança comercial em prazo mais curto (isto é, de três anos) sem onerar a sociedade com uma estagnação prolongada, é indispensável contar com políticas industriais e comerciais ativas, estruturadas por cadeias setoriais.
A primeira grande tarefa é ampliar o saldo dos setores tradicionalmente competitivos de commodities (agricultura, agroindústrias, minérios processados, celulose-papel, siderurgia, alumínio), que hoje representam superávit comercial de US$ 17 bilhões. Esses setores precisariam agregar, até 2004, mais US$ 6 bilhões ao superávit comercial, o que exigiria a conquista de novos mercados e a agregação de valor aos produtos, além de substanciais investimentos para aumentar a capacidade produtiva. A segunda tarefa relevante é recuperar e ampliar os saldos comerciais de setores manufatureiros com razoável potencial competitivo. Vários desses setores já ostentaram superávits expressivos, que depois recuaram por causa da política de valorização cambial do Plano Real. Cadeias setoriais como couro-calçados, têxteis-vestuário, eletrodomésticos, automobilístico-autopeças etc., que hoje geram superávit de US$ 2 bilhões, poderiam mais que dobrar sua contribuição, adicionando mais US$ 3 bilhões ao saldo atual. A consecução desse resultado exige a ampliação de participações existentes e a conquista de novos mercados, a melhoria da qualidade e do design dos produtos e a promoção comercial muito ativa.
Finalmente, a terceira grande tarefa é reduzir substancialmente os onerosos déficits nos setores do complexo eletrônico (telecomunicações, informática, componentes), químico (petroquímicos, especialidades, plásticos, fármacos e farmacêutica) e de bens de capital (máquinas e equipamentos especializados, sob encomenda e seriados), cujo montante ascende a US$ 16 bilhões. É necessário substituir importações numa escala mínima de US$ 6 bilhões por meio de uma firme política industrial de incentivo à produção no país, o que exige financiamentos a juros reduzidos e tratamento tributário-tarifário estimulante para novos projetos, a serem negociados principalmente com grandes empresas estrangeiras. Por fim, é ainda indispensável que a Petrobras perfaça seu programa de aumento da oferta doméstica de petróleo e derivados. Mencione-se, ainda, um incisivo esforço comercial a ser efetuado no setor de turismo.
Resumo: é viável, embora árdua, a transição para um regime macroeconômico benigno. Porém, esse processo exige grande mobilização de energias empresariais e requer o primado, por vários anos, desses objetivos de comércio exterior sobre a orientação geral da política econômica.


Luciano Coutinho, 54, é professor titular do Instituto de Economia da Universidade de Campinas (Unicamp). Foi secretário-geral do Ministério da Ciência e Tecnologia (1985-88).



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