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OPINIÃO ECONÔMICA
Asas para Lula
PAULO RABELLO DE CASTRO
Os desafios à espera de Lula podem ser medidos pela
conjunção de adversidades que
enfrentará desde seu primeiro dia
de trabalho na Presidência da República. Não terá o Plano Real a
seu favor, como o teve FHC no seu
primeiro mandato. O real, como
moeda, começa a se derreter como bola de sorvete exposta ao sol
de verão. Possivelmente, Lula terá
de se conformar com a fixação de
uma meta inflacionária de quase
dois dígitos em 2003, para tentar
voltar a trazer os preços rebelados, numa "escadinha" descendente, até a faixa de 3% a 5% de
variação, lá em 2006.
Mas nada se compara ao seu
desafio externo. Muito ao contrário de FHC, que pegou céus mais
favoráveis na frente externa
-uma economia internacional
vibrante até o ano 2000, embora
com crises localizadas e percalços
variados-, a vez de Lula chega
com todos os ingredientes de uma
desaceleração mundial sincronizada, com os Estados Unidos, a
Europa e o Japão sem perspectiva
imediata de uma retomada vigorosa, apenas para ser brando no
prognóstico...
Mas a questão é que o compromisso de Lula não fica na defesa
da moeda e da estabilidade dos
preços nem apenas na defesa financeira do país, perante o cenário ruim que defrontará. Essas seriam as condições básicas para
cumprir seu compromisso maior:
crescimento da renda e dos empregos.
Será algo extremamente complicado formular, articular na
prática e, então, executar a política econômica na velocidade requerida. Tudo parece conspirar
na direção contrária ao sucesso.
Os mercados, na melhor das intenções, entraram em compasso
de espera. Por enquanto, não estão dispostos a pagar apostas elevadas. Caberá ao presidente eleito e à sua equipe a tarefa de romper o clima de dúvida.
Para operar esse pequeno milagre, o desafio de Lula é o equivalente a criar asas e voar. Até para
quem pense que não, esse prodígio de voar por cima dos problemas é possível. A convivência com
a adversidade terá levado Lula a
aprender, desde cedo, a não bater
de frente, mas contornar e envolver as questões, numa ordem correta de prioridades, como vem fazendo na sequência de temas que
lançou e de países que tem escolhido visitar.
A Argentina é, sim, nossa principal questão externa. A visita de
Lula, mesmo sem desdobramentos imediatos e visíveis, arma o
cenário da cooperação, que tampouco será possível sem o concurso moral e político do Chile, segundo país a ser visitado.
Agora, Lula está nos EUA. O papel secundário da América do Sul
no rol das prioridades do governo
de George W. Bush é mais do que
evidente. Mas é com essa "secundaridade" que Lula terá de operar.
Há caminhos e caminhos na
Washington da atualidade. Um
deles é o do confronto aberto ou
velado a esse poder centrípeto, o
que decerto atrairia a Lula uma
notória prioridade negativa na
agenda de Bush. Mas quem ganharia o que com tal descaminho? A outra trilha, difícil, mas
imaginativa, põe Lula em destaque positivo como alternativa de
liderança regional num espaço
geográfico não menor do que a
própria América do Sul.
Uma ação solidária ao nível dos
países do sul do continente americano é o tipo de "problema" que o
Brasil quer e precisa absorver para si, a fim de não se manter preso
à estreita agenda de suas dificuldades domésticas, isto é, inflação,
dívida, desemprego, arrecadação
etc. A nova fronteira do discurso
político brasileiro deve transcender, sempre com realismo, os limites da agenda nacional. Claramente, um exemplo é o "default"
argentino, cuja resolução interessa ao Brasil, uma vez que o contágio afeta sobremaneira o custo da
dívida brasileira. Mais do que isso. Para crescer mais, a economia
brasileira precisa revigorar a demanda pelo aumento das trocas
regionais. Além disso, a economia
brasileira pode se alavancar na
captação da grande liquidez
mundial que deve ser liberada pela recessão mundial.
Não obstante, muito mais pode
ser feito no âmbito das conversações que levarão à Alca. A expansão do comércio, em princípio entendida no sentido norte-sul, em
que o grande pólo seriam os Estados Unidos, pode ser compreendida também com a potenciação
sul-sul, desde que as infra-estruturas compatíveis se façam presentes. Uma adequada engenharia financeira poderia bem transformar as dificuldades atuais, como o "default" argentino e a diminuição de fluxos de investimentos diretos, em alternativas
de solução para o financiamento
da infra-estrutura de portos, estradas, rede elétrica, infovias que
comporão o aparato de apoio ao
comércio na América do Sul e entre esta e a América do Norte. A
Iirsa (Iniciativa para a Infra-Estrutura Regional Sul-Americana)
reúne mais de 160 projetos financiáveis, se os recursos se tornarem
disponíveis. As habilidades de negociação do novo presidente serão postas à prova, no limite, desde o começo de sua gestão.
Criar asas e transcender aos
problemas domésticos para abraçar uma causa regional parece ser
a missão de um Lula adaptado à
magnitude do que enfrentará.
Uma ação solidária no nível regional poderá exigir, por seu lado,
ainda mais responsabilidade fiscal de quem lidera esse processo.
Um Brasil líder regional não poderá fazer má figura na administração pública interna. O país terá que virar exemplo na gestão da
sua moeda e do orçamento público. Para isso, requer-se um prévio
encontro de contas do setor governo para desafogar a dívida pública interna. Mas essa já é outra
conversa...
Paulo Rabello de Castro, 53, doutor em
economia pela Universidade de Chicago
(EUA), é vice-presidente do Instituto
Atlântico (RJ). Escreve às quartas-feiras,
a cada 15 dias, nesta coluna.
E-mail -
paulo@rcconsultores.com.br
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