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LUÍS NASSIF
A reforma do Judiciário
As reportagens do jornal
"O Globo" sobre as suspeitas
de corrupção que pairam sobre
juízes do Rio de Janeiro, somadas
a outras já publicadas na Folha
sobre casos semelhantes e no "Estado de S. Paulo" sobre a indústria das desapropriações, deveriam servir de estopim para que o
Judiciário inicie finalmente a sua
reforma interna.
Não dá mais para adiar essa
discussão interna, sob risco de o
Poder se desmoralizar sob o peso
de novas denúncias.
Como em toda parte, existem
profissionais corruptos, mas que
são a exceção. Do lado de fora se
tende a generalizar a exceção. Do
lado de dentro se tende a minimizá-la, e muitas vezes a tratá-la
com um recato que é confundido
com cumplicidade.
Um dos grandes problemas do
controle interno do Judiciário é
que se trata de um poder federativo, com instâncias de apelação, é
verdade, com jurisprudência, mas
com uma margem ampla para a
subjetividade -a opinião independente do juiz, que é o grande
fator de revitalização da Justiça,
mas, não havendo um acompanhamento mais estreito, pode ser
uma grande ferramenta de manipulação, como demonstraram as
reportagens de "O Globo".
Uma simples informatização
dos processos reduziria substancialmente a margem de manobra
dos desonestos, sem reduzir a autonomia dos juízes. Permitiria
não apenas acompanhar o andamento dos processos, impedindo o
seu engavetamento, como o padrão de sentenças de juízes e desembargadores, identificando casos estranhos, que seriam encaminhados para ações rápidas da
corregedoria.
Há muito mais a mudar. Recentemente o promotor de Justiça
André Luís Alves de Melo, de Estrela do Sul (MG), publicou um
artigo relevante no "Consultor Jurídico", que vem se somar a outras visões modernas do Judiciário.
Primeiro, aponta a falta de
preocupação administrativa do
Judiciário, com os recursos sendo
destinados prioritariamente para
salários, e não para a racionalização administrativa. Um ponto
sempre levantado por porta-vozes
do Judiciário -o da escassez de
juízes- é rebatido com estatísticas eloquentes.
* Na França existem só 9.000
magistrados; desses, 1.500 promotores, além de 900 juízes administrativos (similar aos federais).
* Na Alemanha existem aproximadamente 160 mil juízes, mas
quase 90% são leigos, de paz e arbitrais.
* Na Inglaterra, existem apenas
1.800 juízes judiciais e mais de 20
mil juízes leigos.
O Brasil tem 1 milhão de bacharéis em direito e, desses, 500 mil
são advogados. No fundo criou-se
uma indústria de direito -diz o
promotor- na qual a classe jurídica como um todo está mais interessada em criar problemas do
que trazer soluções para os cidadãos. "O cidadão tem que ser estimulado a jogar na loteria jurídica
para que os juristas possam lucrar com o caos", diz ele. "Espalham o vírus da lentidão processual e do litígio e vendem seus remédios."
Para agilizar os processos, prossegue o promotor, bastaria alterar um único artigo do Código de
Processo Civil, o 447, transportando as audiências de conciliação para antes da contestação e
delegá-las para assessores. Segundo ele, resolveria 60% dos processos em menos de 60 dias. Depois,
passar para o Juizado Especial as
causas de família, remunerando
os juízes leigos, um modelo muito
mais barato e rápido.
Um dos pontos complexos do
Judiciário é querer administrar
todos os conflitos. De certo modo,
se comportam como os bancos
nos anos 80, que resistiam a qualquer forma de desintermediação
bancária.
Lembra o promotor que em
2000 aconteceram 10 mil ações
trabalhistas nos Estados Unidos,
contra 4 milhões no Brasil. Lá os
conflitos são resolvidos em outras
instâncias.
Há excelentes pensadores -como o juiz Renato Nalini- formulando a reforma do Judiciário.
Para que comece, finalmente, é
necessário que a mídia não apenas denuncie as mazelas do Judiciário mas comece a abrir espaço
para os novos conceitos. Só assim
para o próprio Judiciário acordar
para o tema.
E-mail - lnassif@uol.com.br
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