São Paulo, terça-feira, 12 de março de 2002

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LUÍS NASSIF

A reforma do Judiciário

As reportagens do jornal "O Globo" sobre as suspeitas de corrupção que pairam sobre juízes do Rio de Janeiro, somadas a outras já publicadas na Folha sobre casos semelhantes e no "Estado de S. Paulo" sobre a indústria das desapropriações, deveriam servir de estopim para que o Judiciário inicie finalmente a sua reforma interna.
Não dá mais para adiar essa discussão interna, sob risco de o Poder se desmoralizar sob o peso de novas denúncias.
Como em toda parte, existem profissionais corruptos, mas que são a exceção. Do lado de fora se tende a generalizar a exceção. Do lado de dentro se tende a minimizá-la, e muitas vezes a tratá-la com um recato que é confundido com cumplicidade.
Um dos grandes problemas do controle interno do Judiciário é que se trata de um poder federativo, com instâncias de apelação, é verdade, com jurisprudência, mas com uma margem ampla para a subjetividade -a opinião independente do juiz, que é o grande fator de revitalização da Justiça, mas, não havendo um acompanhamento mais estreito, pode ser uma grande ferramenta de manipulação, como demonstraram as reportagens de "O Globo".
Uma simples informatização dos processos reduziria substancialmente a margem de manobra dos desonestos, sem reduzir a autonomia dos juízes. Permitiria não apenas acompanhar o andamento dos processos, impedindo o seu engavetamento, como o padrão de sentenças de juízes e desembargadores, identificando casos estranhos, que seriam encaminhados para ações rápidas da corregedoria.
Há muito mais a mudar. Recentemente o promotor de Justiça André Luís Alves de Melo, de Estrela do Sul (MG), publicou um artigo relevante no "Consultor Jurídico", que vem se somar a outras visões modernas do Judiciário.
Primeiro, aponta a falta de preocupação administrativa do Judiciário, com os recursos sendo destinados prioritariamente para salários, e não para a racionalização administrativa. Um ponto sempre levantado por porta-vozes do Judiciário -o da escassez de juízes- é rebatido com estatísticas eloquentes.
* Na França existem só 9.000 magistrados; desses, 1.500 promotores, além de 900 juízes administrativos (similar aos federais).
* Na Alemanha existem aproximadamente 160 mil juízes, mas quase 90% são leigos, de paz e arbitrais.
* Na Inglaterra, existem apenas 1.800 juízes judiciais e mais de 20 mil juízes leigos.
O Brasil tem 1 milhão de bacharéis em direito e, desses, 500 mil são advogados. No fundo criou-se uma indústria de direito -diz o promotor- na qual a classe jurídica como um todo está mais interessada em criar problemas do que trazer soluções para os cidadãos. "O cidadão tem que ser estimulado a jogar na loteria jurídica para que os juristas possam lucrar com o caos", diz ele. "Espalham o vírus da lentidão processual e do litígio e vendem seus remédios."
Para agilizar os processos, prossegue o promotor, bastaria alterar um único artigo do Código de Processo Civil, o 447, transportando as audiências de conciliação para antes da contestação e delegá-las para assessores. Segundo ele, resolveria 60% dos processos em menos de 60 dias. Depois, passar para o Juizado Especial as causas de família, remunerando os juízes leigos, um modelo muito mais barato e rápido.
Um dos pontos complexos do Judiciário é querer administrar todos os conflitos. De certo modo, se comportam como os bancos nos anos 80, que resistiam a qualquer forma de desintermediação bancária.
Lembra o promotor que em 2000 aconteceram 10 mil ações trabalhistas nos Estados Unidos, contra 4 milhões no Brasil. Lá os conflitos são resolvidos em outras instâncias.
Há excelentes pensadores -como o juiz Renato Nalini- formulando a reforma do Judiciário. Para que comece, finalmente, é necessário que a mídia não apenas denuncie as mazelas do Judiciário mas comece a abrir espaço para os novos conceitos. Só assim para o próprio Judiciário acordar para o tema.

E-mail - lnassif@uol.com.br



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