São Paulo, sexta-feira, 12 de março de 2010

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VINICIUS TORRES FREIRE

A mediocridade dourada de 2010


Dados do PIB mostram que economia se recuperou bem, que país consome demais e descuida de pensar o futuro

NO FINAL do ano passado, a economia voltou ao nível de produção de setembro de 2008, quando estourou a crise mundial. Com exceção dos que perderam emprego ou empresa, a maioria dos brasileiros mal sentiu o ano de estagnação. Foi um abalo modesto, se considerados os padrões das operísticas crises brasileiras. Muito modesto, aliás, se lembrarmos que a velocidade do PIB baixou dos quase 7% do terceiro trimestre de 2008 para o zero do final de 2009.
Esse contraste é importante. Diz algo sobre problemas econômicos que começam a fermentar. Não é coisa para agora. 2010 deve ser tediosamente feliz no Brasil, "na média", média que ignora pelo menos o quarto ou o quinto do povo miserável.
O que está fermentando? O excesso de consumo sobre a capacidade produtiva. O consumo privado e os gastos do governo cresceram acima do PIB em 2008. Em 2009, o PIB zerou, e o consumo ainda cresceu bem.
Esse contraste explica o sentimento de recessão relativamente amena.
Em 2008, a receita de impostos crescia bem; o deficit público estava em torno de 1,7% do PIB. A demanda mundial de produtos brasileiros estava forte -as importações cresciam, mas exportávamos bastante. O deficit externo ia pela casa de 1,6%, mas sem pinta de disparar. O investimento em capacidade produtiva cresceu 13%. Ainda assim, o Banco Central achou que viria inflação, que de fato fora a 5% em abril quando os juros começaram a subir (de 11,25% para 11,75%).
A situação agora é algo mais apertada. O investimento caiu 9% em 2009. A recuperação do nível de emprego foi rápida. O deficit público (excesso de gasto do governo) foi a 3% do PIB. O país ainda "consome mais do que produz". Em fevereiro deste 2010, a inflação foi a 4,83%.
Excesso de consumo (que redunda em mais importações e menos exportações), mais gastos de viagens e cartões no exterior, mais remessas de lucros de empresas estrangeiras, tudo isso deve fazer o deficit externo subir do atual 1,6% do PIB para uns 3% do PIB no final do ano.
Além de deficit externo, excesso de consumo privado e gastos do governo, mais a recuperação do investimento, produzem alguma inflação. Os juros subirão, felizmente de um patamar menos elevado (8,75%). Deficit externo significa, grosso modo, que nossa conta em dólares está no vermelho. O buraco precisa ser coberto por investimento externo.
Temos um passado de crises tétricas devidas a deficit externos. Como a economia é hoje mais organizada e respeitável, além de parecer que crescerá bem nos próximos três anos, ao menos, é provável que nosso deficit seja financiado, coberto, pelos investimentos estrangeiros -excetuada a hipótese de crise lá fora. Como essa situação brasileira é nova, de fato ninguém sabe até que ponto financiarão o nosso deficit.
O que fazer? Reduzir consumo (de preferência do governo), investir mais, tomar medidas que aumentem a produtividade, a receita de sempre. Como sempre por aqui, algum remendo sairá (juro maior e alguma contenção de gastos públicos).
Mas sobre aumento de produtividade, sanitização da burocracia, inovação tecnológica e multiplicação de cientistas pouco se fala. Ficamos felizes com pouco, devagar e sempre.

vinit@uol.com.br


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