São Paulo, domingo, 12 de maio de 2002

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LIÇÕES CONTEMPORÂNEAS

Tempos e movimentos

MARIA DA CONCEIÇÃO TAVARES

Os modelos de avaliação de risco dos bancos de investimento há muito deixaram de ter qualquer caráter "científico". Sua capacidade de previsão do comportamento das variáveis macroeconômicas é zero mesmo nos Estados Unidos -que dirá no Brasil. Os analistas dos bancos dedicam-se sobretudo a criar "expectativas" que induzam os investidores individuais a alinhar-se com o seu desejo de trocar posições em carteira para realizar lucros especulativos.
As "bolhas" e os "escândalos" financeiros estouraram em toda parte onde as instituições financeiras alavancaram demais suas posições ou a dos seus clientes. A especulação com as principais moedas e as ações das grandes companhias têm sido a tônica das últimas duas décadas, a começar por Wall Street, que é o centro principal das finanças internacionais, acompanhada ou não pela City, praça de arbitragem em eurodivisas.
Os tremores de terra originários do centro provocam ondas, marolas e, por vezes, terremotos nos países da periferia. A atual marola sobre o "risco Brasil" foi provocada por especulação com títulos da dívida pública velha no mercado secundário de Nova York, que obviamente não exprime o risco do país do ponto de vista dos grandes bancos e das empresas privadas que operam no Brasil.
Desde a década de 80, uma parcela da riqueza financeira global é criada e destruída com velocidade espantosa e seu crescimento pode estar descolado ou ser assincrônico com os "fundamentos" macroeconômicos dos países. As moedas podem ser atacadas independentemente de as economias nacionais apresentarem déficits ou superávits fiscais e comerciais com a economia crescendo ou estagnada, com ou sem "moeda forte". Os vários tempos e movimentos em cada crise ao longo da década de 90 foram diferentes nos países europeus, asiáticos e latino-americanos e finalmente nos EUA no começo do novo século. As políticas monetárias têm-se revelado impotentes para conter a "exuberância irracional" dos mercados liberalizados ou a sua apatia. A atitude dos bancos centrais dos EUA e do Japão na década de 90 são dois casos-limites dessa impotência.
Do ponto de vista comercial, o manejo da política cambial, por meio de "desvalorizações competitivas" também não dá resultados brilhantes em matéria de promoção de exportações de um país isolado ou mesmo de uma área de comércio integrada do tipo União Européia ou Nafta. Uma parte importante do comércio mundial está ligada ao investimento direto estrangeiro feito por filiais de empresas globalizadas. Estas distribuem-se geograficamente de acordo com o potencial de crescimento do mercado interno dos países mais do que por vantagens comparativas clássicas (como mão-de-obra barata e recursos naturais abundantes). A partir de posições estratégicas, as filiais promovem exportações a qualquer taxa de câmbio, utilizando preços de transferência e instrumentos de proteção cambial invadindo até mesmo os mercados de seus países de origem. O caso das filiais norte-americanas na China é exemplar.
As filiais industriais das empresas globais só entraram nos países da Ásia que tinham políticas internas industriais e de crescimento coerentes e que mantiveram uma taxa de crescimento sustentado a médio e longo prazo. Na América Latina, nas últimas duas décadas, entraram sobretudo para desnacionalizar o agrobusiness, os bancos, as grandes cadeias comerciais e os serviços de utilidade pública, e não para promover a industrialização e o crescimento. As exportações mantiveram-se por isso essencialmente ligadas às matérias-primas e, no caso das manufaturas, dirigiram-se sobretudo ao mercado regional, com baixos valor agregado e componente tecnológico.
As exportações nunca foram variáveis impulsionadoras do crescimento nos países continentais. No caso do Brasil, só o crescimento rápido dos vários complexos industriais permitiu a expansão de suas exportações na década de 70. Desde a crise da dívida externa até o início da década de 80, a meta de US$ 100 bilhões de exportações é repetida por todos os ministros para o final da década. Até hoje essa meta não se verificou com nenhuma política cambial, justamente porque a indústria brasileira está atrofiada em seu crescimento para o mercado interno. É por isso que, para superar a atual restrição externa, insistimos em crescer de baixo para cima e de dentro para fora.
O nosso ministro da Fazenda deveria saber de tudo o que estou falando. Deveria saber que a política monetária e cambial do Banco Central de "seguir o mercado" e de abrir as importações sem políticas adequadas de proteção e financiamento foi um desastre que produziu desequilíbrios na estrutura produtiva e no balanço de pagamentos e fez explodir o endividamento interno e externo, o que levou ao aumento brutal da carga tributária só para pagar juros. Deveria saber que desregular o mercado financeiro, permitir a desnacionalização dos bancos e restringir o crédito interno ao setor privado nacional levaria parte das grandes empresas nacionais a endividar-se no exterior e a maioria das pequenas e médias à beira da falência.
Para um ministro que seguiu à risca o fracassado receituário do Consenso de Washington, fica fora de propósito, em final de mandato, posar de conselheiro dos candidatos a presidente. Suas falas tardias sobre política industrial para "aderir" ao candidato do governo que não estava entre as suas "afinidades eletivas" soam falsas. Seus ataques ao principal candidato de oposição são politicamente incorretos e, na atual conjuntura, não ajudam nem o país nem o candidato do governo.


Maria da Conceição Tavares, 71, economista, é professora emérita da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), professora associada da Universidade de Campinas (Unicamp) e ex-deputada federal (PT-RJ).
Internet: www.abordo.com.br/mctavares

E-mail - mctavares@cdsid.com.br


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