São Paulo, domingo, 12 de maio de 2002

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RECALL DA PRIVATIZAÇÃO

Distribuição de dividendos aos acionistas de ex-estatais amplia em 75% a saída de recursos do país

Privatizada se endivida para embolsar lucro

SANDRA BALBI
DA REPORTAGEM LOCAL

Uma política agressiva de distribuição de lucros e dividendos praticada pelas empresas de energia e de telecomunicações privatizadas, para remunerar mais rapidamente os controladores, tem provocado a descapitalização dessas companhias e colaborado para aumentar a saída de recursos do país nos últimos cinco anos.
Dados do Banco Central mostram que as remessas de lucros e dividendos ao exterior chegaram a US$ 4,9 bilhões no ano passado, 75% acima dos US$ 2,8 bilhões registrados em 1996, quando teve início o processo de privatização.
Só no primeiro trimestre deste ano, último dado do BC, US$ 600 milhões deixaram o país na conta de lucros e dividendos. O número é próximo ao registrado um ano antes, mas ocorreu um salto significativo de remessas em março, quando US$ 427 milhões cruzaram as fronteiras. Em fevereiro, a saída foi de US$ 49 milhões.

Sangria
Um levantamento feito pela Economática, a pedido da Folha, mostra que a distribuição crescente de dividendos aos acionistas, após a privatização, foi acompanhada de um processo de endividamento galopante das principais empresas de energia e de telecomunicações (leia quadro).
Segundo analistas ouvidos pela Folha, as empresas buscaram recursos nos bancos, principalmente no exterior, para fazer os investimentos necessários ao cumprimento de metas de expansão dos serviços e modernização. Com a desvalorização cambial de 1999 a dívida explodiu.
Ao mesmo tempo, dizem os analistas, as empresas usaram a maior parte dos recursos gerados na operação para remunerar seus acionistas. Segundo eles, na prática, o endividamento financiou a distribuição de lucros.
A Folha apurou que as empresas tomaram empréstimos lá fora a uma taxa de juros de 6% a 7% ao ano, enquanto a rentabilidade do seu patrimônio líquido era de 12% a 15% ao ano. As companhias se tornaram meras emissoras de títulos e de dívida no mercado, aproveitando a diferença entre aquelas duas taxas, segundo a opinião de um analista de um grande banco local.
Só as cinco maiores do setor de telecomunicações têm uma dívida financeira que totaliza R$ 23,3 bilhões, segundo dados dos balanços divulgados em dezembro de 2001. Essas mesmas empresas destinaram R$ 8,4 bilhões para o pagamento de dividendos entre 1998, ano da privatização, e 2001.
De acordo com a Lei das S/A, as empresas de capital aberto devem distribuir no mínimo 25% do lucro líquido auferido no ano aos acionistas. Mas as ex-estatais, em geral, sempre fizeram a distribuição máxima, mediante aprovação da assembléia de acionistas. "Houve descapitalização das empresas pelo pagamento de juros aos bancos e dividendos aos acionistas", diz Alberto Borges Matias, diretor da ABM Consulting.
Segundo ele, "nesse processo houve dois grandes beneficiados: os bancos, que financiaram os investimentos das empresas, e os controladores, que receberam os dividendos".
Alguns analistas, no entanto, discordam dessa visão. "Os controladores das teles procuraram distribuir dividendos acima do mínimo legal, pois compraram as empresas por meio de financiamentos e tinham que pagá-los", diz Ricardo Kobayashi, chefe da área de análise do banco Pactual.
Segundo ele, não foi a política de distribuição de lucros e dividendos que levou a maioria das empresas do setor a viver a crise atual de perda de rentabilidade e endividamento alto. "Os problemas do setor vêm menos da política de distribuição de lucros e dividendos e mais do tamanho do mercado que mostrou-se menor do que indicavam as projeções", observa.
Os pesados investimentos feitos na expansão das redes de telefonia fixa e celular esbarraram na desaceleração da economia e na queda de renda da população. Resultado: o lucro das companhias encolheu e em pelo menos dois casos -da Embratel e da Telesp Celular- virou prejuízo em 2001.
A Embratel informou que "a prática da empresa é distribuir dividendos estipulados pelos seus estatutos (6% do capital ajustado) ou pela Lei das S/A".

Setor elétrico
Já as cinco maiores empresas de distribuição de energia elétrica acumulam dívida de R$ 16,6 bilhões, segundo dados de dezembro de 2001. Desde 1996, quando foi dada a partida na privatização do setor com a venda da Light, até 2001 elas distribuíram R$ 3,2 bilhões de lucros e dividendos.
"As distribuidoras de energia tentaram garantir a remuneração do investimento feito pelos controladores enquanto puderam", diz Oswaldo Telles Filho, analista do setor elétrico do banco BBV. Isso foi possível principalmente nos primeiros anos após a troca de controle de cada empresa.
"Nos últimos dois anos, porém, houve um achatamento da margem de lucro das empresas", acrescenta Telles. Segundo ele, com a desvalorização cambial de 1999 os custos de combustível e da compra de energia de Itaipu, paga em dólar, inflaram os custos das distribuidoras.
Neste ano, apenas a Eletropaulo Metropolitana e a Tractbel anunciaram a distribuição de dividendos sobre os resultados de 2001.



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