São Paulo, sábado, 12 de maio de 2007

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Eleição de Sarkozy deve turbinar a economia francesa

Mudança política pode ser gatilho para ritmo maior de crescimento devido à grande capacidade latente no país

Reformas prometidas devem liberar setores já fortes, como transporte, energia e produtos de luxo, aquecidos pela globalização


HAMISH MCRAE
DO "INDEPENDENT"

Preparem-se para o sucesso da França. Ou pelo menos para uma economia francesa que, nos próximos anos, deve realizar seu potencial de maneira muito mais completa do que ao longo da última geração. É bastante possível que, ao longo dos próximos três anos, a economia francesa supere a do Reino Unido, algo que não acontece de maneira consistente há uma geração. A razão, evidentemente, é a mudança de liderança, com Nicolas Sarkozy sucedendo a Jacques Chirac na Presidência. Ou melhor, isso serve como gatilho para um ritmo mais rápido de crescimento, porque na França existe grande capacidade latente de obter desempenho melhor. Paralelos são feitos com freqüência entre a situação atual da França e a do Reino Unido em 1979. Ambas as economias passaram por longos períodos de desempenho abaixo do normal, com a inquietação trabalhista associada a esses períodos. Nós passamos, então, por aquilo que, na prática, constituiu uma revolução -um conjunto de reformas radicais que, a um custo considerável, armaram as fundações para o boom que se seguiria. É possível alegar que a França necessita de reformas semelhantes, e se as fizer obterá sucesso equivalente. O paralelo parece sedutor, mas só tem utilidade em plano bastante genérico. A posição relativa que o Reino Unido ocupava em 1979 era muito pior do que a da França atual: o PIB per capita equivalia a 75% do francês, enquanto o da França, hoje, equivale a 90% do britânico. As tensões trabalhistas e sociais britânicas eram muito mais graves, as finanças públicas enfrentavam desgaste muito maior e a competitividade era muito pior. A França não passará por reformas radicais como as que o Reino Unido experimentou, mas não precisa.
Exemplo alemão
Um paralelo melhor é com a Alemanha há cinco anos. A economia alemã apresentava desempenho insuficiente, então, com desemprego recorde e um crescimento lento que retardava o avanço de toda a zona do euro. A causa envolvia em parte os altos custos de mão-de-obra no país, em parte a decisão de adotar o euro a uma taxa de câmbio alta demais com relação ao marco e em parte a regulamentações internas que inibiam o crescimento do emprego no setor de serviços. O governo alemão começou a enfrentar essa última dificuldade, ainda que de maneira descontínua, quando Gerhard Schröder era primeiro-ministro, e as reformas foram ampliadas sob o governo de Angela Merkel. Enquanto isso, o problema do custo da mão-de-obra foi atacado de maneira vigorosa pela indústria alemã, que forçou uma queda nos salários reais e uma elevação da jornada de trabalho. Quando os cortes de custos se provaram insuficientes, os industriais do país começaram a transferir produção para a Europa Oriental. Durante cinco anos, os padrões de vida mal avançaram na Alemanha. Mas agora o país voltou a ser competitivo, o desemprego está em queda e o crescimento do ano passado foi o melhor desde o final da década de 1990. Mas a Alemanha não executou reformas políticas especialmente radicais. O governo reduziu de maneira cautelosa algumas das formas mais destrutivas de regulamentação. Mas houve imensas reformas no setor privado, que trouxeram as maiores mudanças. Já na França, a coisa mais fascinante em sua economia não é o alto nível de regulamentação e tributação, mas a competência do setor privado para enfrentar esses dois fatores. As grandes empresas francesas se tornaram multinacionais de alcance mundial -empresas francesas cuidam do abastecimento de eletricidade de Londres e da alimentação do Exército dos EUA. Enquanto isso, as pequenas empresas do país geram produtos e serviços de alta qualidade com baixo uso de mão-de-obra, atingindo elevados níveis de produtividade. Evidentemente nem todas as empresas francesas são excelentes, mas o nível geral impressiona, tendo em vista até que ponto elas sempre foram reprimidas em sua atuação. É quase como se existissem em forma de uma mola comprimida à espera de que a regulamentação seja removida. E é isso que Sarkozy prometeu.
Globalização
Numa economia cada vez mais globalizada, os países querem se concentrar em coisas que são capazes de fazer e que outras nações, do lado oposto do mundo, não sejam capazes de produzir com trabalhadores muito menos bem pagos.
Os franceses dispõem de um forte setor de transporte: carros, aviões, trens. O crescimento nessas áreas deve continuar por pelo menos mais uma geração. Têm igualmente um setor de produtos de luxo que é líder mundial, com a maior fatia do mercado de produtos de alto preço do que qualquer outra nação. O crescimento da riqueza mundial parece garantido por mais uma geração, e os novos ricos significam que a demanda por produtos da França continuará em alta. Há o turismo, o maior setor da economia mundial, no qual a França é líder. O país dispõem de outros pontos fortes na saúde, na educação para os negócios e na área de defesa, setores que continuam em crescimento. E tem ainda a indústria de energia nuclear mais desenvolvida do mundo.
Nenhuma economia ocupa posição ideal para explorar os mercados mundiais, já que todas as nações têm pontos fracos. Na França, existe um verdadeiro medo às disciplinas impostas pela economia de mercado. Desse fator poderíamos depreender que, quanto mais globalizada a economia se torna, maior o medo. Mas as cartas que a França tem na mão parecem excelentes. Existem muitos países, até mesmo na Europa Ocidental, que adorariam desfrutar das vantagens naturais de que a França dispõe.
E isso parece ser a questão essencial para qualquer país que esteja enfrentando o desafio da globalização. Você recebe suas cartas, e não pode descartá-las e pedir uma nova mão.
A França tem jogado bem com suas cartas. Sob seu novo líder, deve jogar muito melhor.
Muitas coisas que precisam de conserto, como a legislação trabalhista, são fáceis de resolver, se houver apoio político. Algumas, como as reformas do setor público, serão mais difíceis. Os próximos dois anos provavelmente serão conturbados já que o espírito de 1968 persiste, e os franceses adoram tumultos. Mas existe tanta capacidade reprimida na economia que ela pode crescer durante um bom tempo sem esbarrar em limites estruturais.


Tradução de PAULO MIGLIACCI

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