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RODRIGO CÉSAR REBELLO PINHO
O transporte aéreo e o Código do Consumidor
A proteção do Código ao
usuário do transporte aéreo
espelha necessidade
da sociedade moderna
NO MOMENTO em que se comemora a recentíssima decisão do Supremo Tribunal
Federal, reconhecendo a sujeição
das relações bancárias às normas
consumeristas, a Suprema Corte
nacional é, agora, instada, no julgamento do recurso extraordinário nº
357.150-3, a decidir se os adquirentes de passagens aéreas estão igualmente protegidos pelo Código de
Defesa do Consumidor (lei nº
8.078/90).
A decisão que se avizinha não poderia ser mais oportuna à vista das
dificuldades encontradas pela Varig, que, segundo o ministro Valdir
Pires, deixou mais de 20 mil brasileiros ao desamparo em terras estrangeiras. A proteção do Código de
Defesa do Consumidor ao usuário
do transporte aéreo em país de dimensão continental espelha necessidade da sociedade moderna, que
não pode ser conduzida por norma
obsoleta em detrimento de regras
mais atuais e adequadas às relações
humanas e comerciais do século 21.
Em posição contrária aos interesses dos consumidores e na contramão da história até aqui construída
pelo Brasil e demais signatários do
acordo internacional, pretende-se
que a Convenção de Varsóvia, de
1929, e o Código Brasileiro de Aeronáutica, que entrou em vigor no ano
de 1987, prevaleçam sobre o Código
de Defesa do Consumidor, que é
consectário da nova ordem constitucional.
O argumento que se lança é o de
que aquelas normas seriam especiais em relação ao Código de Defesa do Consumidor e que, portanto,
prevaleceria a regra instituída pelo
artigo 2º, parágrafo 2º, da Lei de Introdução ao Código Civil ("A lei nova, que estabeleça disposições gerais ou especiais a par das já existentes, não revoga nem modifica a lei
anterior").
Surge, pois, o primeiro equívoco
dos que vêem as leis exclusivamente como resultado de ilação teórica,
esquecendo-se de que elas devam
servir à sociedade com a finalidade
de facilitar a vida do homem, protegendo seus mais relevantes valores.
Na hermenêutica jurídica, segundo os ensinamentos de Norberto
Bobbio, quando se depara com o
critério da especialização, é preciso
analisar com cuidado se realmente
se está diante de uma nova lei genérica ou de um ordenamento diferenciado, visando à criação de uma
sistemática jurídica inovadora. O
objetivo da reforma legislativa nunca se distancia do ideal de justiça
("Des critères pour resoudre les antinomies", "Dialectica", vol. 18, pág.
252).
O Código de Defesa do Consumidor não é mera lei geral em face da
Convenção de Varsóvia ou do Código Brasileiro de Aeronáutica. A lei
consumerista foi criada por determinação constitucional para regulamentar as relações de consumo,
na busca do equilíbrio social necessário para estabilizar a economia
globalizada. Aliás, ela tem natureza
de lei específica, que garante o respeito e a proteção dos direitos dos
consumidores.
Por isso, o microssistema que
emergiu do Código de Defesa do
Consumidor foi recepcionado pelo
ordenamento jurídico e passou a
conviver com outras normas com as
quais, muitas vezes, compartilha o
mesmo instituto.
Não se trata de questionar a importância da Convenção Internacional de Varsóvia, de 12 de outubro
de 1929, admitida no Brasil pelo decreto 20.704, de 24 de novembro de
1931, e posteriormente alterada pelos protocolos de Haia e Montréal.
O acordo internacional foi muito
importante e adequado para a época. Com um objetivo predominantemente econômico, era fundamental para o desenvolvimento da aviação civil que se estabelecessem regras claras de responsabilidade mínima a serem cumpridas pelas companhias aéreas. Os riscos de época
de tecnologia bem menos desenvolvida eram numerosos, e a dificuldade de provar a culpa da transportadora, incomensurável. Criou-se, então, uma responsabilidade em que a
culpa era presumida, e os valores indenizatórios, tarifados. O importante é reconhecer a necessidade e a
utilidade de esses instrumentos legislativos serem examinados em
consonância com a nova ordem das
relações de consumo introduzidas
pelo Código do Consumidor e com a
função social que ele desempenha.
Assim, e a exemplo do que ocorreu
no julgamento da ação direta de inconstitucionalidade proposta pela
Confederação Nacional das Instituições Financeiras, deve-se consolidar o entendimento de que a lei
8.078/90 estabelece os parâmetros
da responsabilidade pelo transporte
aéreo, na defesa dos interesses dos
consumidores.
RODRIGO CÉSAR REBELLO PINHO é procurador-geral de
Justiça de São Paulo.
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