São Paulo, quarta-feira, 12 de julho de 2006

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RODRIGO CÉSAR REBELLO PINHO

O transporte aéreo e o Código do Consumidor

A proteção do Código ao usuário do transporte aéreo espelha necessidade da sociedade moderna

NO MOMENTO em que se comemora a recentíssima decisão do Supremo Tribunal Federal, reconhecendo a sujeição das relações bancárias às normas consumeristas, a Suprema Corte nacional é, agora, instada, no julgamento do recurso extraordinário nº 357.150-3, a decidir se os adquirentes de passagens aéreas estão igualmente protegidos pelo Código de Defesa do Consumidor (lei nº 8.078/90).
A decisão que se avizinha não poderia ser mais oportuna à vista das dificuldades encontradas pela Varig, que, segundo o ministro Valdir Pires, deixou mais de 20 mil brasileiros ao desamparo em terras estrangeiras. A proteção do Código de Defesa do Consumidor ao usuário do transporte aéreo em país de dimensão continental espelha necessidade da sociedade moderna, que não pode ser conduzida por norma obsoleta em detrimento de regras mais atuais e adequadas às relações humanas e comerciais do século 21.
Em posição contrária aos interesses dos consumidores e na contramão da história até aqui construída pelo Brasil e demais signatários do acordo internacional, pretende-se que a Convenção de Varsóvia, de 1929, e o Código Brasileiro de Aeronáutica, que entrou em vigor no ano de 1987, prevaleçam sobre o Código de Defesa do Consumidor, que é consectário da nova ordem constitucional. O argumento que se lança é o de que aquelas normas seriam especiais em relação ao Código de Defesa do Consumidor e que, portanto, prevaleceria a regra instituída pelo artigo 2º, parágrafo 2º, da Lei de Introdução ao Código Civil ("A lei nova, que estabeleça disposições gerais ou especiais a par das já existentes, não revoga nem modifica a lei anterior").
Surge, pois, o primeiro equívoco dos que vêem as leis exclusivamente como resultado de ilação teórica, esquecendo-se de que elas devam servir à sociedade com a finalidade de facilitar a vida do homem, protegendo seus mais relevantes valores. Na hermenêutica jurídica, segundo os ensinamentos de Norberto Bobbio, quando se depara com o critério da especialização, é preciso analisar com cuidado se realmente se está diante de uma nova lei genérica ou de um ordenamento diferenciado, visando à criação de uma sistemática jurídica inovadora. O objetivo da reforma legislativa nunca se distancia do ideal de justiça ("Des critères pour resoudre les antinomies", "Dialectica", vol. 18, pág. 252).
O Código de Defesa do Consumidor não é mera lei geral em face da Convenção de Varsóvia ou do Código Brasileiro de Aeronáutica. A lei consumerista foi criada por determinação constitucional para regulamentar as relações de consumo, na busca do equilíbrio social necessário para estabilizar a economia globalizada. Aliás, ela tem natureza de lei específica, que garante o respeito e a proteção dos direitos dos consumidores.
Por isso, o microssistema que emergiu do Código de Defesa do Consumidor foi recepcionado pelo ordenamento jurídico e passou a conviver com outras normas com as quais, muitas vezes, compartilha o mesmo instituto.
Não se trata de questionar a importância da Convenção Internacional de Varsóvia, de 12 de outubro de 1929, admitida no Brasil pelo decreto 20.704, de 24 de novembro de 1931, e posteriormente alterada pelos protocolos de Haia e Montréal. O acordo internacional foi muito importante e adequado para a época. Com um objetivo predominantemente econômico, era fundamental para o desenvolvimento da aviação civil que se estabelecessem regras claras de responsabilidade mínima a serem cumpridas pelas companhias aéreas. Os riscos de época de tecnologia bem menos desenvolvida eram numerosos, e a dificuldade de provar a culpa da transportadora, incomensurável. Criou-se, então, uma responsabilidade em que a culpa era presumida, e os valores indenizatórios, tarifados. O importante é reconhecer a necessidade e a utilidade de esses instrumentos legislativos serem examinados em consonância com a nova ordem das relações de consumo introduzidas pelo Código do Consumidor e com a função social que ele desempenha.
Assim, e a exemplo do que ocorreu no julgamento da ação direta de inconstitucionalidade proposta pela Confederação Nacional das Instituições Financeiras, deve-se consolidar o entendimento de que a lei 8.078/90 estabelece os parâmetros da responsabilidade pelo transporte aéreo, na defesa dos interesses dos consumidores.


RODRIGO CÉSAR REBELLO PINHO é procurador-geral de Justiça de São Paulo.


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