São Paulo, domingo, 12 de julho de 1998

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LUÍS NASSIF
A venda do Banco Real

O maior negócio já realizado Brasil -a venda de 40% do controle do banco Real para o ABN Bank- começou a ser articulado no dia 29 de janeiro, em um encontro sigiloso entre o diretor-superintendente do Real, Paulo Guilherme Lobato, e executivos do banco holandês.
Dez dias antes de fechar a venda, o Real foi oferecido a três bancos brasileiros. Dois fizeram propostas concretas, uma delas bastante competitiva. Um fez proposta vaga.
O banco holandês acabou ficando com o butim, em uma negociação que, até seu anúncio oficial, só era de conhecimento de Paulo Guilherme e do controlador do Real, Aloysio Faria.
Início da idéia
A idéia de vender o controle do banco de varejo começou a amadurecer no final do ano passado. No período 96/97 o Real deu início a um pesado trabalho de endomarketing, que lhe permitiu dobrar a base de clientes -de um milhão para mais de dois milhões.
Este ano, teve início a segunda etapa do processo, de rentabilização dos clientes, com a venda de produtos do banco para ele.
Essa virada de rumo coincidiu com mudanças relevantes ocorridas no mercado financeiro internacional, no sistema bancário nacional, e com os desejos de Aloysio Faria de gradativamente profissionalizar a gestão do banco.
No plano bancário, uma série de mudanças ocorridas na economia indicavam tempos duros para os bancos nacionais.
O Real sempre teve em sua rede internacional seu ponto forte, que lhe permitia captar recursos externos para estatais, multinacionais e grandes grupos nacionais.
Nos últimos tempos, esses grupos passaram a ter acesso direto ao mercado internacional. Ao mesmo tempo, a internacionalização da economia brasileira aumentou em muito a presença das multinacionais. E a abertura do mercado fez com que a captação de recursos passasse a ser feita pelas respectivas matrizes, em condições muito mais favoráveis que as obtidas pelos bancos nacionais.
Com isso o Real, que sempre teve boa penetração junto às grandes empresas, foi obrigado a ampliar seus serviços, devido à retração do mercado de captação de recursos externos.
Ao mesmo tempo, a competição interna tornava-se cada vez mais acirrada, com perspectiva de queda dos spreads e das tarifas bancárias.
O plano
Somem-se características específicas do Real. Seu controlador, Aloysio Faria, está para completar 78 anos. Sempre teve interesse em se manter em atividade, mas a gestão do banco de varejo tornava-se cada vez mais complexa. Para seu perfil e idade, pretendendo manter-se no mercado, seria preferível atuar em áreas menos desgastantes.
Essas preocupações pautaram a estratégia de venda. A idéia seria dividir o grupo em dois. De um lado, o banco comercial, a sociedade de crédito imobiliário, os fundos de renda fixa, a empresa de capitalização, a distribuidora, a financeira e a rede internacional. Do outro, o conjunto de empresas financeiras das quais Faria possui a totalidade do capital: o banco de investimento, a leasing.
Busca do sócio
A partir desse desenho, teve início a procura dos sócios.
As negociações exigiam sigilo completo. Nesse sentido, seria mais difícil tratativas com o Citibank e o Boston.
Após a conversa com o ABN, o modelo proposto passou a ser testado, a fim de ter um parâmetro de preço.
Na fase inicial, apenas a financeira -que deveria ficar no banco comercial- fugiu do desenho inicial, já que esta é uma área que o ABN é forte no Brasil.
Foi oferecido 40% do capital votante da holding, pelo preço recordista de R$ 2 bilhões. Provavelmente o ABN irá despender mais R$ 1 bilhão na compra de ações preferenciais de minoritários.
Nessa fase inicial, haverá gestão compartilhada, mas o ABN terá preponderância na gestão do banco. O acordo de acionistas não prevê direito de preferência do ABN, na compra do restante do controle, mas tem-se como certo que isso ocorrerá naturalmente.
Nos próximos 60 dias, os dois sócios acabarão de detalhar as operações, conferir números, definir estratégias e dividir o pessoal.
A parte que fica de fora da associação terá que se dissociar completamente do banco comercial. O BI, por exemplo, continuará oferecendo seus fundos de investimentos, mas a distribuição deixará de ser exclusiva do Real.
Os minoritários serão beneficiados pela operação. Até agora, interessava a Faria apenas o controle do banco. Além de utilizar a rede de varejo para empresas das quais ele era o único controlador -o que gerava conflitos permanentes com os acionistas. Ao ABN interessa adquirir mais participação, a fim de aumentar seus dividendos.
Cena bancária
Para observadores da cena bancária, a venda do Real deverá deflagrar operações com outros grandes bancos. Primeiro, pelo fato de o Banco Central ter definido pela primeira vez que não haverá mais reserva de mercado no setor. Depois, pelo preço obtido pelo Real, que certamente deverá estimular outros concorrentes a seguir a trilha aberta.

E-mail: lnassif@uol.com.br



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