São Paulo, segunda-feira, 12 de agosto de 2002

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OPINIÃO ECONÔMICA

Reclamos de um Estado celeiro

JOSÉ DOMINGOS FONTANA

Uma oscilação climática impediu que o solo brasileiro colocasse exatamente 100 milhões de toneladas de grãos da safra 2001/2 nos pratos da balança comercial, principalmente a externa, agora em franca convalescência. Foram apenas 98,5 milhões de toneladas. O pequeno Paraná entregou 25 milhões de toneladas, a maior parcela (como sempre) entre todas as unidades da federação. É campeão histórico em milho, feijão, mandioca e batata. Agora, vice em soja (atrás de Mato Grosso) e em outras tantas agrocommodities. A laranja de Paranavaí caiu nas graças dos europeus, pois não tem impressão digital de criança sem escola. O cadinho étnico ítalo-teuto-nipo-ucraíno-luso-polaco mais as minorias árabe-judaica e crioula (conte mais do negro paranaense, professora Márcia Graf!) plantam e colhem adoidados. Influem e muito na Ceagesp paulista, estômago do Brasil. O porto de Paranaguá abarrota-se de grãos. Invisíveis, 180 mil pequenos agricultores catalogados pensam na retórica a desfiar ante cada gerente do Banco do Brasil e, mais ainda, no que podem ouvir de animador dos quatro candidatos a presidente da República. E, se pudessem "unissonizar" as vozes, certamente diriam o que vem a seguir, pois o que é bom para o Paraná bom é também para o resto do país.
O Pronaf (Programa Nacional da Agricultura Familiar) anuncia 10% de seu orçamento para o Paraná. É pouco para quem produz 25%. Até mesmo quem só consome está indignado, por exemplo, com os escandalosos 120 quilômetros da BR-116 que separam a bela Curitiba da fronteira com Santa Catarina na direção do outro celeiro, o Rio Grande do Sul. Pista simples, remendada, sem um único quilômetro de faixa central ou marginalmente sinalizada visível. Um inferno rodoviário nesta viagem de anoitecer chuvoso do domingo 21 de julho (que falta faz um Jimmy Hoffa tupi-guarani!). A BR-277, de Foz do Iguaçu a Cascavel, e a Transbrasiliana BR-153, outros dois cacos.
Há uma fatia enorme neste país que produz infinitamente mais do que os banqueiros financiadores de campanhas. São os consumidores de pão, arroz e feijão, como cardápio repetitivo e obrigatório. Devem perfazer mais de 75% dos 115 milhões de eleitores anunciados pelo IBGE. A maioria deles (e talvez até os quatro postulantes) não sabe que o Paraná produziu 57% dos 3,8 milhões de toneladas de trigo da última colheita e, de quebra, 20% (605 mil toneladas) também de todo o feijão trissafra (a Bahia tem de se contentar disputando o vice!). A gauchada faria rir meia Ásia: colhe metade dos 11 milhões de toneladas de arroz. Mas o país historicamente importa o dobro do trigo que aqui produz! Muita gente explica (momento de solidariedade à Argentina; melhor o grão canadense do que seu Bombardier), mas protelar "ad aeternum" a auto-suficiência em pão convence?
Os candidatos em visita ao Sul têm duas escolhas: dar aulas preferenciais aos agricultores, didaticamente dividindo-as em capítulos de financiamento de plantio/ safra e de economês regente do vai-e-vem dos preços mínimos. Groxko, um metódico agrônomo, espanta-se com os R$ 35 por tonelada de raiz de mandioca. Esperavam-se R$ 50. Há feculeiro garantindo "no fio do bigode e no rabisco da Bic" R$ 70 futuros, senão o negócio paranaense de 4 milhões de toneladas ao ano fecha. No Paraná é assim: mandioca, com capital nacional, vira mel no Noroeste e compete com o mel de milho que uma multinacional faz no Sul. Sol, espaço e lucro para todos. Terra de todas as gentes, tem muito a ensinar aos candidatos, enquanto alimenta eleitores da maioria dos outros Estados. Em termos de agricultura, o que o paranaense reclama, o gaúcho reforça e o catarinense aplaude. Nem precisam de fitoviagras da marca "farm bill". O Iapar tem de estar ao lado da Embrapa, não atrás.
Ah! A outra escolha dos candidatos por aqui seria comprimir um pouco o palanque disputado pelos papagaios de pirata e chamar para o lugar deles esses formidáveis gerentes de cooperativas agropecuárias. Sabem muito bem como sugerir lucros menores para a Petrobras (combustível) e para o Banco do Brasil (juros), como desenhar mecânicas de seguro agrícola com prêmios em espécie, ou seja, sacaria cheia e balança em vez de chequeira, e ainda declamar vantagens do trator (made in Brazil) de modelo chinês, de baixa potência, mas, mesmo assim, com boa eficiência em favor do pequeno agricultor. Sobretudo, como ensina uma microneo-empresa de nutracêuticos em Rolândia (PR), é melhor extrair e comercializar isoflavonas de germe ou broto de soja para fitoterapia de reposição hormonal do que simplesmente despejar todos os grãos ou mesmo toda torta de soja nos navios de Paranaguá para engordar crias alheias e alhures.
Senhores candidatos: conjuguem, por favor, o verbo "agroindustrializar". O eleitorado, faminto, está esperando. De sobremesa, contem como vão "amansar" o MST ao mesmo tempo em que vão ordenar a cobrança de impostos decentemente compatíveis de alguns latifundiários continentalistas desta nação. Como licor de campanha, comentem, por favor, se vamos subir ao terceiro posto do pódio das colheitas transgênicas, logo atrás dos americanos e dos argentinos.


José Domingos Fontana é professor titular na Bioquímica e visitante na Farmácia-UFPR, 11º Prêmio PR em C&T (1996) e pesquisador 1A do CNPq.



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