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LUÍS NASSIF
A avó de Cortázar
Em sua última edição, a revista "Carta Capital" entra em tema fundamental para entender a política econômica dos anos 90: o que vem a
ser o tal do "mercado", quais
os interesses que estão por detrás desse jogo que praticamente matou as possibilidades
de crescimento da economia
brasileira na década de 90 e,
talvez, na atual. O que leva
pessoas aparentemente preparadas a cometer toda sorte de
sofismas defendendo modelos
que comprovadamente falharam?
Não se interprete o "mercado" simplesmente como sendo
o sistema bancário. Este é
mais amplo, tem a parte comercial, a parte de financiamento ao consumo, de capital
de giro. Nem chega a ser a indústria de fundos, que pode se
dar bem com vários tipos de
ativos.
O "mercado" se resume à tesouraria dos bancos comerciais e respectivos departamentos econômicos, aos bancos de investimentos, aos respectivos departamentos econômicos, aos consultores contratados, todos eles solidários
em torno de um tipo de operação cujo superdimensionamento é claramente uma distorção: a arbitragem entre juros e câmbio.
É de longe o setor mais lucrativo da economia. Nem de longe é economicamente relevante. Só existe no tamanho atual
por conta de distorções do modelo econômico. Só que a distorção ganhou vida própria,
juntando em torno de si grupos de interesse bastante definidos. Às vezes lembra um
conto clássico de Julio Cortázar, no qual morre a avó, a família não quer admitir e vai
criando uma ficção em torno
do episódio, até que a história
ganha vida própria.
Tudo começou com essa nova geração dos economistas de
planilha, uma rapaziada que
estudou nos Estados Unidos
nos anos 80 e voltou com muita matemática e escassa formação histórica, sociológica e
humanista, a parte mais relevante, aliás, da formação de
um formulador da políticas
públicas.
Como dizia José Alexandre
Scheinkman, se prepararam
para ganhar dinheiro dentro
de um modelo. E nada mais
que isso. A questão é que, por
falta de discernimento de parte da mídia, foram alçados à
condição de opinadores de políticas públicas. E aí a economia degringolou.
Valeria a pena um sociólogo
de peso estudar a fundo esses
processos. Essa rapaziada se
tornou respeitada por dominar fórmulas e modelitos. Prepararam-se a vida inteira para isso, para atuar em mercados voláteis. Quando o modelo
vai ficando disfuncional,
quando os resultados apregoados não batem com os resultados reais, há duas saídas:
admitir o erro do modelo ou
procurar perpetuá-lo como a
avó do conto de Cortázar.
É isso o que está ocorrendo
de maneira extraordinariamente repetitiva. O câmbio
valoriza e as exportações murcham. O economista dirá que
o problema foi o alto crescimento (?) da economia no período 94-98 que comeu as exportações. O câmbio desvaloriza, as exportações explodem.
Ele dirá que foram as empresas que se prepararam adequadamente e descobriram o
caminho da China.
E como é difícil derrubar o
sofisma montado na base de
slogan nessa cultura que Sérgio Buarque de Hollanda tão
bem descreveu.
E-mail -
Luisnassif@uol.com.br
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