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São Paulo, sexta-feira, 12 de setembro de 2003

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OPINIÃO ECONÔMICA

O Banco Central e os juros

LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS

Na próxima reunião do Copom a diretoria do Banco Central vai começar a lidar com a questão do crescimento econômico. A partir de sua decisão e de outras que serão tomadas ao longo do tempo que resta deste primeiro ano do governo Lula, poderemos avaliar até onde vai o real compromisso de nosso presidente com a recuperação da atividade econômica em 2004. A intensidade das próximas reduções dos juros nominais, que certamente vão ocorrer ao longo dos próximos meses, nos dará uma boa medida do nível da taxa real -esta, sim, a variável mais importante para definir a velocidade da recuperação procurada pelo governo- com que o Banco Central vai trabalhar nos próximos meses.
Os diretores de nossa autoridade monetária têm procurado, em contatos com economistas da academia e do mercado financeiro, definir alguns critérios para encontrar uma resposta para essa questão. Os conselhos de cautela e conservadorismo que dominam esses encontros são os mesmos que foram dados em situações semelhantes à que vivemos hoje: "Cuidado com a queda acentuada de juros, pois ela pode destruir, em pouco tempo, o instável equilíbrio externo que foi conseguido nos últimos meses".
Juros reais baixos podem criar uma bolha de consumo na economia, via crédito mais barato, reduzindo rapidamente o saldo comercial e recolocando nossa conta corrente externa em uma trajetória de déficit. Nessa situação, juros internos mais baixos podem levar os investidores estrangeiros e os bancos brasileiros a reduzir suas aplicações em dólar no país. Com isso, teríamos uma depreciação do real e uma elevação da inflação, obrigando o BC a elevar novamente os juros internos, interrompendo a retomada do crescimento da economia. O que já chamei nesta coluna de "o círculo do diabo"!
Esse cuidado com a redução de juros é defendido, também, por aqueles que entendem que a economia brasileira, por alguma razão desconhecida de nossos economistas, acostumou-se a juros reais elevados, da ordem de 12% ao ano. Por causa desse mito, toda vez que os agentes econômicos se convencem de que o Banco Central vai trabalhar com números mais civilizados -da ordem de 6% ao ano- inicia-se um movimento especulativo com ativos financeiros, commodities e bens. Esse comportamento acaba por criar "o círculo do diabo" descrito acima, reforçando ainda mais a força desse mito dos juros reais altos.
Precisamos superar esse medo desconhecido para podermos andar adiante, e creio que este seja o momento correto para iniciarmos essa tentativa. Para não parecer apenas voluntarismo de minha parte, é necessário que analisemos de forma mais racional a constatação histórica de que juros reais menores nos levarão sempre a um desastre conjuntural. Proponho que façamos essa reflexão em nível estrutural e olhando, também, para a situação conjuntural em que vivemos hoje.
Defendo a tese de que essa verdadeira assombração, que nós, economistas, criamos em relação aos juros reais no Brasil, tem a ver com problemas que não mais existem ou, pelo menos, que existem hoje em escala bem menor do que no passado. O primeiro deles é a estabilidade dos superávits primários acima de 3% ao ano que ocorre desde 1999. Depois de um período de absoluta irresponsabilidade fiscal na década de 80 e da primeira parte dos anos 90 do século passado, faz quase dez anos que temos equilíbrio ou superávit nas contas públicas antes do pagamento de juros.
O Orçamento para 2004 mais o compromisso do governo Lula -hoje com grande credibilidade nos agentes econômicos- de manter essa situação ao longo de seu governo garantem essa condição para o futuro imediato. Essa nova realidade é o ponto mais sólido na argumentação daqueles que, como eu, defendem que já podemos buscar juros reais mais baixos.
Outro ponto importante a ser considerado é que vivemos hoje um momento em que a presença de capitais especulativos em nossa economia é bastante reduzida. Os juros internos nos contratos dolarizados são negativos, ou muito baixos, nas operações acima de seis meses. Com isso, os recursos de curto prazo que entraram em nosso mercado a partir do fim do ano passado já foram embora ou estão sendo repatriados de forma continuada. Nada parecido com o que ocorreu nos anos FHC.
Finalmente, a redução do poder aquisitivo dos brasileiros e os níveis atuais do desemprego garantem que nenhuma onda explosiva de consumo vá ocorrer ao longo dos próximos meses.
Mesmo sabendo que o espaço para crescermos ainda está limitado pelas restrições criadas pela baixa relação entre nossas reservas externas e a dívida em moeda forte, não podemos, mais uma vez, jogar fora a oportunidade de colocar nossa economia em movimento. Com a palavra, o ministro Palocci e sua equipe econômica!


Luiz Carlos Mendonça de Barros, 60, engenheiro e economista, é sócio e editor do site de economia e política Primeira Leitura. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações (governo FHC).

Internet: www.primeiraleitura.com.br

E-mail - lcmb2@terra.com.br


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